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20 DE DEZEMBRO DE 1990 959

O Orador: - O pensar político de Francisco Sá Carneiro começou muito cedo, ainda nos seus tempos de estudante. Integrou-se em movimentos que eram frontalmente contra o regime ditatorial. Não através de actuações de rua ou de movimentos de massas, mas buscava ideias, discutia pensamentos, procurava a liberdade de ser o que queria ser.
Começa a ser conhecido como um jovem de raciocínio profundo, solido e rápido, de resposta pronta e acutilante. Começa a ver-se nele um político de um futuro novo que se aproxima. Não é, então e ainda, um líder, longe disso, e nem sequer um líder de juventude. É um preparador de um futuro melhor, 6 um pensador de um outro modelo de sociedade. Senhor de si, ele sabe que irá ter um dia uma missão a cumprir. Prepara-se, intelectual e politicamente, pare esse dia.
Os tempos correm e, a certo passo, vem parar a esta Casa. Casa que ele sabia que era, então, um arremedo de Parlamento encontrando-se numa situação política que ele sabia nada ter de democrática. Mas, mesmo assim, ele veio como deputado para esta Casa. Sabia das dificuldades que ia encontrar. Não desconhecia a qualidade de quem aqui vinha encontrar.
Mas Francisco Sá Carneiro tinha a esperança de que a sua vinda poderia trazer algo de bom para o Pais e para a democracia que ele tanto adorava. A sua esperança confirmou-se.
Na memória de nós todos está o rol e o conteúdo das intervenções políticas que aqui fez Francisco Sá Carneiro. Foi então um exemplo de coragem e de combatividade. Resistiu enquanto pôde. Resistiu até ao limite que lhe era imposto pela sua dignidade. Aqui deixou, para o Pais, o anuncio de que era possível mudar as coisas, de que era possível conquistar a liberdade e a democracia.
Estou convicto da actuação de Francisco Sá Carneiro nesta Casa, e então, foi o prenúncio da Revolução de 25 de Abril. Desde então os Portugueses passaram a perceber que, com coragem e persistência, seria possível lutar contra a ditadura e derrubá-la Começaram a dar-se conto de que, com homens como Francisco Sá Carneiro e outros, seria possível levar a cabo a luta pela liberdade democrática. Tudo seria questão de tempo, persistência, coragem, crença no futuro.
O País começou por ficar a dever-lhe, então, esse grande serviço.
Após esse período, Sá Carneiro, marcado como homem e como político, começa aquela etapa a que ele chamou de preparação para a democracia em Portugal. Inicia a expansão larga do seu pensamento social-democrata. Numa grande entrevisto que então dá, expõe, com clareza, o seu pendor para a social-democracia, para aquilo que ele tanto gostava de chamar o seu ideário social-democrata.
Pensa, e bem, que nada se pode nem deve fazer de um dia para o outro. O reformismo surge-lhe como método ideal. A sociedade portuguesa há-de modificar-se através de reformas, sem traumatismos, e não por meios drásticos e súbitos que sempre são desapoiados pela realidade das coisas.
O homem, o cidadão, surge, no seu pensamento, como o pilar básico de qualquer tipo de sociedade democrática. O humanismo daí surgido adapta-se perfeitamente à maneira de ser e de estar na sociedade de Francisco Sá Carneiro. O homem não é um número ou uma peça de uma máquina, é antes a entidade máxima de que há que cuidar e que há que respeitar.
O homem não está ao serviço do Estado como ser sem cabeça e sem coração, mas antes deverá ser o Estado quem está ao serviço daquele. O homem nasce livre, tem o direito de viver livre e até de morrer livre.
Daí mais um dos seus princípios: o da libertação da sociedade civil. A sociedade dos homens, das mulheres, dos jovens, dos idosos, não pode estar sujeita a peias que não sejam as das regras democráticas de viver que eles próprios queiram. Repúdio de enquadramentos colectivistas, nada de comandos militaristas sobre a sociedade civil, afastamento de quaisquer autocracias.
Muito e muito mais haveria que dizer sobre Francisco Sá Carneiro. A sua preocupação pelos problemas de natureza social, as desigualdades que tanto o feriam, o seu espantoso trabalho da constituição do maior partido político português, a sua luta contra os totalitarismos que quiseram roubar o espírito da Revolução do 25 de Abril.
Mas o tempo urge e tenho de terminar, mas não o quero fazer sem deixar mais um apontamento.
Não vou falar sobre a sua morte. Sobre ela já disse publicamente, e por mais de uma vez, aquilo que penso. Lamento apenas que, só agora, outros com responsabilidades acrescidas comecem a dizer aquilo que já deviam ter dito há muito.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Vou dizer apenas que Francisco Sá Carneiro tinha o direito de ter vivido estes 10 anos que decorreram desde a sua morte. Como dizia o engenheiro Belmiro de Azevedo há dias, Sá Carneiro teria tido um gozo extraordinário se tivesse vivido este decénio.
É que foi nestes 10 anos que se realizou uma grande parte daquilo com que ele sonhou e quis. Estamos a cumprir o pensamento de Francisco Sá Carneiro. Ele havia de ter gostado de viver estes 10 anos connosco.

Aplausos do PSD, do PRD, do CDS, do deputado António Barreto e do deputado independente Carlos Macedo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Srs. Convidados: Esta justa homenagem da Assembleia da República a Francisco Sá Carneiro é o reconhecimento da craveira ímpar de um político e da dimensão excepcional de um homem de Estado que se bateu, como poucos, pela dignificação do Parlamento.
Foi nesta Casa, que é o fulcro da nossa democracia representativa, que há 21 anos Sá Carneiro iniciou a sua carreira política. Foi aqui que, entre 1969 e 1973, Sá Carneiro afirmou a sua heterodoxia de democrata contra a falia de legitimidade do regime e pugnou corajosamente, por vezes de forma quase solitária, pelo exercício efectivo dos direitos e das liberdades fundamentais.
E este hemiciclo foi também uma das tribunas usadas por Sá Carneiro, após o 25 de Abril, para divulgar as grandes linhas da democracia moderna por que ele lutava para Portugal.
Como afirmei no Porto, durante o encerramento da evocação nacional do 10.º aniversário da sua morte, «a melhor maneira de evocarmos Sá Carneiro é celebrarmos