I SÉRIE - NÚMERO 29 968
Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca. José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes
Srs. Deputados, vamos dar início à sessão solene comemorativa dos direitos do homem. Como é da praxe, usará da palavra um deputado de cada grupo parlamentar por ordem ascendente de representação.
Tem, pois, a palavra, o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Devemos recordar hoje alguns textos, dos mais veneráveis da cultura, que a UNESCO tem procurado definir como património comum da humanidade, documentos que são, geralmente, expressão de uma das maiores contribuições ocidentais pura esse património, e que na sua maioria levam o si na! da criatividade europeia ou dos europeus radicados em novos continentes.
Existe unia linha do continuidade que, na longa murcha da libertarão em freme e para cima, os relaciona intimamente: a Grande Cana das liberdades Inglesas e das Liberdades da Floresta (1297), a Petição de Direitos (1627), o Acto do Mancas Corpus (1640), a Declaração de Direitos (1689), todos do Reino Unido; a Declaração de Direitos do Estado da Virgínia (1776) seguida pela Constituição dos Estados Unidos da América (1787); a Declaração Francesa dos Direitos tio Homem e do Cidadão (26 de Agosto de 1789); a Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU (19-18); a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (l950); a Acta Final de Helsínquia (1975).
Um problema central de todos estes documentos é o da autenticidade, nos seus vários aspectos: a coincidência entre a vontade política e o discurso dos direitos do homem adoptado; a pluralidade de sentidos assumidos para além da coincidência na semântica.
A Declaração de Direitos da Virgínia, depois incorporada na Consumição dos Estados Unidos da América, ignorou a gritante inconsequência da manutenção daquilo que discretamente foi chamado lhe peculiar instiiution, e que cobria os cerca de 3 milhões de escravos que continuavam a existir no território.
Quando da Declaração da ONU, conta-se que os jornalistas perguntaram um dia a Jacques Maritain se, finalmente, os negociadores e peritos tinham chegado a acordo. Maritain terá respondido que sim, que tinham chegado a acordo, mas que não sabiam sobre o que. O mesmo texto era objecto de leituras e de reservas mentais tão contraditórias que a concordância não correspondia a uma real vontade comum: a diferença teve expressão armada durante meio século de ameaças.
Mas é, precisamente, a multiplicidade de atitudes dos Estados, a variedade de leituras e práticas, que mantêm sempre viva a mesma desafiante pergunta: existem ou não direitos que pertencem a iodos os seres humanos por natureza, independentemente do direito positivo em vigor? A resposta ocidental, apoiada em nomes como os de Hobbes, Locke e Kant, é positiva, e a figura de Antígona é um símbolo da submissão activa, até ao sacrifício da vida, aos imperativos da lei natural acima de qualquer imposição do Estado legislador, aquela lei que Cícero já reconhecia inscrita no coração de iodos os homens.
Neste fim de século, a grande questão é a de saber se vai ser finalmente possível eliminar essa Realpolitik, proclamada suprema por Ludwig Von Rochau em 1853, produtora das várias espécies de peculiar instituations, que abundam neste mundo interdependente e estruturalmente solidário.
Em primeiro lugar, parece oportuno insistir, à luz da doutrina dos direitos do homem, sobre a fragilidade do direito à paz, especialmente sobro a servidão que se traduz em povos e homens serem vítimas das guerras por procuração. Alguns dos processos em curso de liquidação das guerras chamadas marginais, como acontece em Angola e Moçambique, já não consentem dúvidas sobre a titularidade dos interesses de que o longo conflito dos povos é o resultado.
A falta de autenticidade dos principais garantes da ordem internacional mostra frequentemente que adoptam a regra de Maquiável, segundo a qual as boas leis decorrem da posse das boas armas.
A tensão na área do Golfo e a irradiação temida, se as piores previsões se verificarem, mostram, mais uma vez, a fragilidade da paz, que é um direito proclamado pela ordem jurídica em vigor.
Por outro lado, cada vez 6 mais anunciada a terrível cólera dos pobres», como lhe chamou monsenhor Achille Silvestrini, lembrando ao mesmo tempo a Populorum Progresso de Paulo VI e a Sollicitudo rei socialis, publicada 20 anos mais tarde por João Paulo II.
Para além da verdadeira guerra dos Palestinos em busca de uma pátria, da atormentada questão da integridade e soberania do Líbano, da segurança de Israel, da desagregação da URSS, de variadas outras tensões e conflitos na «zona dos três AA» (Ásia, África, América Latina) a tensão Norte/Sul aumenta. O confronto entre as sociedades afluentes e as áreas da geografia da fome identifica os milhões de homens que são pobres e tendem para ser mais pobres: por isso, como disse Paulo VI, a sua cólera poderá ser terrível.
Noutro plano, as várias discriminações vigentes, sobretudo na África Austral, e muros que subsistem como em Chipre, no País Basco e na Irlanda, todos ameaçam multiplicar o renascimento dos mitos raciais, entre negros, brancos, mestiços e judeus. Esta questão, dramática durante a guerra mundial, voltou à actualidade por muitas razões inquietamos: a estrutura política de alguns Estados; as chamadas colónias interiores, que as migrações desordenadas criam em países ricos do mundo; a persistência das castas e das discriminações religiosas. Ora, tudo isto documenta que a igualdade dos homens é um valor agredido pelas estruturas e que a autenticidade está longe de ser uma regra geral.
É, pois, necessário celebrar os valores aos quais atribuímos a dignidade de serem protegidos pela lei natural, mas devemos estender a meditação ao entendimento das vozes daqueles por quem os sinos dobram. Os direitos naturais de todos os homens, para serem invioláveis, como proclamava Locke, é necessário que sejam reais e efectivos.
Foi um grande passo a criação da Europa dos direitos do homem, visto que a Convenção Europeia, de 4 de Novembro de 1950, fez do indivíduo um sujeito de direito internacional. É justo reconhecer que o Conselho da Europa, fonte de iniciativas, tentativas e sugestões para criar um direito europeu, antecipou o projecto comunitário da Europa dos Cidadãos. A tal propósito importa salientar que, não obstante os equívocos semânticos, a teoria das sucessivas declarações mostra uma persistente caminhada no sentido de fazer convergir, no mesmo texto, tradições, correntes ideologias, filosofias, que presidiram no passado a conflitos mortais. As ilhas resistentes, as peculiar