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972 I SÉRIE - NÚMERO 29

do imediato. A comunidade científica, os pensadores, os que respiram horizontes que quedam vendados à balbúrdia luzente do espectáculo de superfície ponderam, de há decénios, as implicações do desenvolvimento assimétrico, compressor, desconjuntante, do capitalismo e, proximamente, da falência do modelo de socialismo adoptado no Leste da Europa. A problemática dos direitos humanos rebela-se contra a propaganda conservadora que, frequentemente, a subjugou e, esmaltada nos ideais da fraternidade, concita-nos à feitura do que está em mora ao empreendimento criativo e ao zelo aperfeiçoador, tanto como à inclemência perante os feirantes de ilusões, depredadores do legado revolucionário que irrigou a lei, nas diversas latitudes da Terra, com a seiva de uma injunção em favor dos deserdados. Ninguém pode manter-se distante deste quotidiano arquitectar do justo, do imprescindível, para que se não acastelem os débitos de humanidade que varrem o País e o mundo. Ninguém! Nenhum órgão de soberania, invocando abrangências ou a índole tímida da malha constitucional em que opera. Nenhum dos que, nesta solene circunstância, enfatizam o saldo de uma caminhada que não pára e, veementemente, reivindica os progressos temerários que não é pertinente regatear.

Aplausos gerais.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Ao comemorar o aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem a Assembleia da República referencia-se a um acontecimento de magna importância na vida dos povos e das pessoas.
A Declaração Universal foi, desde o início, mais do que um documento jurídico, sobretudo um ideal a atingir, uma utopia humanista, uma ética para todos os seres humanos, por igual merecedores de um tratamento em que é a dignidade humana que fundamenta os direitos. E é por isso que podemos dizer, invocando uma fórmula lapidar, que os «direitos do homem são os direitos dos outros». E os outros são os que mais precisam de nós, os mais frágeis, os mais vulneráveis, os mais esquecidos, os mais solitários, os mais discriminados, os que só são notícia, porventura, num dia fatídico, que já passou.
É por isso que vale a pena comemorar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, sobretudo enquanto memória e realização de todos os homens, sem ambiguidades, sem moralismos vagos, sem indiferenças.
E vale a pena, por isso, no olhar apreensivo sobre o mundo dos dias de hoje, recordar, exemplificativamente, as «muralhas» da China que continuam a cercar os direitos do homem, esmagados, porventura, num Abril de 1989 na praça «proibida» de Tiannamen.
Vale a pena e é necessário não esquecer os homens e as mulheres de um Irão sanguinário, em que a intolerância procura esmagar as consciências e executar sumariamente os grupos da oposição ao regime, os horrores do Estado do Iraque, ditatorial e desumano, cuja crueldade e barbarismo parece não ter limites, em que a invasão do Koweit e as atrocidades cometidas por um poder despótico e sádico recolocam a humanidade na barbárie do tudo ser possível, da guerra química à biológica, eventualmente ao desespero da guerra nuclear se ela lhe fosse acessível.
Os casos da Somália, Etiópia, Sudão, Sri Lanka, Birmânia, Mauritânia, são, entre muitos outros, países em que a vida humana tem um valor diminuto e em que os desaparecimentos de pessoas, as execuções judiciais e extrajudiciais, as detenções e as torturas são, infelizmente, moeda de trânsito, mais ou menos, corrente.
No horizonte da nossa memória e da nossa sensibilidade levanta-se o povo de Timor Leste, cuja luta não podemos abandonar, esquecer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A este título, pelo seu carácter e credibilidade, vale a pena reter o que o relatório da Amnistia Internacional deste ano, com a prudência que sempre se lhe reconhece, refere ao dizer que pelo menos 200 pessoas, entre elas presos de consciência, foram detidas em Timor Leste por motivos políticos. A maioria permaneceu em liberdade sem profissão, porém, alguns continuavam presos.
Por outro lado, as informações indicam que membros das forças de segurança executaram, de modo ilegal, pelo menos 20 pessoas em Timor Leste. O Presidente Suharto reconheceu que o governo havia sancionado o assassínio deliberado de uns 5000 presumíveis delinquentes de pouca importância entre 1983 e 1986.
Ao longo de 1989 foram condenadas à morte sete pessoas e houve notícia de uma execução.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Num tempo em que tudo parece possível à inteligência, compreender os mecanismos da vida e conquistar o espaço, a sociedade humana continua, nalgumas parcelas significativas, a reger-se por leis bárbaras de violência, desigualdade e morte.
No chamado «Terceiro Mundo», 200 milhões de crianças trabalham em condições desumanas; dessas, 30 milhões são abandonadas à sua sorte nas ruas, votadas à violência, à droga, à prostituição, ao contrabando, seja na Tailândia, índia, Filipinas ou América Latina. Morrem por ano, de fome ou de carência alimentar, 15 milhões de crianças. Paradoxalmente, por ironia dramática, o sustento anual de um cão - repito, o sustento anual de um cão - nos países desenvolvidos equivale a 10 vezes mais o rendimento anual de um camponês do Bangladesh.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se o cotejo mundial dos direitos humanos tem num dos vértices esta dimensão precária, não podemos deixar de vincar a esperança maior que representa e surge com as mudanças simbolizadas na queda dos muros de Berlim e com a libertação de Mandela.
O desmoronar das ditaduras do Leste e os braços abertos de libertação à espera de uma nova harmonia em África, que envolve, naturalmente, os PALOP, são sinal e traços imemoriáveis de um tempo em que começa a valer a pena viver pela liberdade, e não só morrer por ela.
E é neste voltear da história, impressivamente significativo, que a Conferência da Dimensão Humana da CSCE, reunida de 15 a 21 de Julho de 1990, participada por 34 Estados, entre os quais todos os Estados do Leste, Europa Ocidental, Estados Unidos da América e Canadá, afirmou, definitivamente, que a democracia e os direitos humanos são a raiz do progresso humano.
Vale a pena citar, de forma singela: «Os Estados participantes exprimem, por unanimidade, a sua convicção de que a protecção e a promoção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais são uma das tarefas