O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

974 I SÉRIE - NÚMERO 29

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo 42.º aniversário hoje se comemora, surgiu como reacção contra os hediondos crimes praticados pelos nazis durante a última guerra, como reacção contra o holocausto.
Nesse ano de 1948, em que a Declaração Universal foi proclamada, os direitos Fundamentais nela enunciadas só eram respeitados por uma reduzida parte da humanidade: por alguns países da Europa Ocidental - dos quais estavam excluídos Portugal, Espanha e Grécia -, pelos Estados Unidos, pelo Canadá, pela Austrália, pela Nova Zelândia e pouco mais.
Com efeito, até há relativamente pouco tempo, a Declaração Universal e os direitos humanos nela consagrados eram considerados, pelos governos, como uma preocupação de idealistas, como um mero código moral, com pouca ou nenhuma relevância nas relações internacionais. Ora um texto que se subscrevia porque noblesse oblige, mas que as chancelarias, imbuídas de preocupações de real pohuk, não tomavam muito a serio.
Entretanto sobreveio a guerra fria e, nos anos 40, graças, sobretudo, aos dissidentes soviéticos, principalmente Soljenitsine com o seu Arquipélago de Goulag, o então denominado «mundo livre» tomou conhecimento do horror do universo concentracionário soviético, do internamento de pessoas sãs nos hospitais psiquiátricos por razoes de ordem política, do internamento nos goulags.
A inteligentzia ocidental oscilou então entre a incredulidade e a indignação. Mas houve também os que, como Jean-Paul Sartre, acreditando embora na realidade dos campos de concentração soviéticos e no seu horror, entenderam guardar sobre eles silêncio porque denunciá-los equivaleria, como disse Sartre, a fazer «o jogo do imperialismo».
Foi a atitude que Raymon Aron denunciou como a trahison de cleres, a traição dos intelectuais, de que nós tivemos também muitos casos durante a revolução portuguesa.
Mas a realidade dos campos de concentração soviéticos, descritos no Arquipélago de Goulag, impôs-se como incontroversa. Por isso o Ocidente, invocando a Declaração Universal que hoje comemoramos, exigiu da União Soviética o respeito dos seus princípios. A resposta do Kremlin estalinista foi a invocação indevida do artigo 2.º da Carta da ONU, que proíbe a ingerência dos Estados nos assuntos internos dos outros Estados. Digo indevida porque toda a gente sabe que o respeito pelos direitos humanos é uma responsabilidade internacional que cada país tem em relação à comunidade internacional. A invocação de que há ingerência nos assuntos internos não tem qualquer espécie de fundamento em direito internacional.
A Declaração Universal continuou, por isso, a ser letra-morta em mais de metade da Europa.
Mas os Soviéticos tinham grande interesse em que as fronteiras europeias herdadas de Yalta, que os ocidentais sempre haviam contestado por não corresponderem ao que na célebre conferência linha ficado acordado, fossem, definitivamente, consagradas num tratado internacional. E pretendiam também a cooperação económica, tecnológica e financeira do Ocidente.
O acordo reconhecendo estes interesses recíprocos foi assinado em Helsínquia em 1975. O Ocidente declarou aceitar as fronteiras resultantes da ocupação das tropas soviéticas em 1944 e comprometeu-se a cooperar com a União Soviética. Esta, por seu turno, obrigou-se a respeitar os direitos humanos no seu território.
O Ocidente acreditou então que, dessa vez, dada a assinatura do Acordo de Yalta pela União Soviética, as liberdades fundamentais consideradas na Declaração Universal seriam, finalmente, respeitadas em toda a Europa, do Atlântico aos Urais.
E por terem também acreditado que a União Soviética cumpriria o estipulado na Acta de Helsínquia, os dissidentes soviéticos constituíram os chamados «Grupos de Vigilância de Helsínquia», cujo objectivo consistia em, invocando a Acta, exigir o seu cumprimento pelas autoridades soviéticas nos precisos termos do seu texto.
Sakharov, Orlov, Scharansky - e tantos outros heróis da dissidência -, lançaram-se, corajosamente, nessa lula desigual pela aplicação dos princípios da Declaração Universal dentro do território da União Soviética.
Mas o Leviathan não perdoa. A breve trecho, os Grupos de Vigilância de Helsínquia foram dissolvidos pela força, os seus dirigentes presos e condenados a pesadas penas de cadeia, transferidos para os goulags ou internados em hospitais psiquiátricos. Não foi ainda desta vez que a Declaração Universal dos Direitos do Homem conseguiu florescer no universo concentracionário soviético de então.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O certo, porém, é que a invocação da Declaração Universal e da Acta de Helsínquia colocava os Soviéticos numa evidente posição de fraqueza no grande debate ideológico. Entre as sociedades livres, onde a Declaração Universal era respeitada, e as sociedades fechadas e concentracionárias dos países do Leste europeu, onde os direitos do homem eram, sistematicamente, violados com o apoio de intelectuais como aqueles que referi há pouco, com a chamada «trahison des cleres».
Até que Mikhail Gorbachev subiu ao Poder. O novo líder soviético compreendeu que a posição de intransigência dos seus predecessores não só afectava gravemente a imagem da União Soviética como estava a conduzir o país à catástrofe.
Com efeito, a ausência de Uberdade, a violação sistemática dos direitos consagrados na Declaração Universal, colocavam a União Soviética numa posição jurídica e eticamente insustentável. Mas, mais do que isso, fomentavam a guerra fria e retiravam todo o dinamismo e criatividade à população soviética. Daí o descalabro da sua economia, que ainda hoje se verifica, e cada vez mais.
Gorbachev lançou então o glasnost e a perestroika, em que uma das componentes essenciais é, precisamente, o respeito dos direitos humanos consagrados na Declaração Universal. Por isso, um dos seus primeiros gestos quando assumiu a liderança do Partido Comunista da União Soviética foi telefonar pessoalmente a Sakharov, então exilado e doente em Gorki, anunciando-lhe que iria ser imediatamente libertado e reconduzido nas suas honrarias.
Seguiu-se a libertação dos restantes presos políticos e dos «doentes mentais», a liberdade de expressão e de associação, numa palavra, a concretização dos direitos consagrados na Declaração Universal, que neste momento estamos a comemorar.
Para assegurar o sucesso da perestroika, era necessário pôr termo à guerra fria. A União Soviética, que se linha ostensivamente retirado das conferências sobre o