O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE DEZEMBRO DE 1990 977

inequívoco de que os direitos humanos só podem ser garantidos dentro de um quadro institucional democrático, dentro de uma sociedade onde o poder do Estado é delineado e limitado pelo direito e onde a autonomia da sociedade civil é garantida.
Se assim é, não poderemos outrossim ignorar que foi justamente a sociedade civil, nesta lula, de todos os tempos, pela liberdade e direitos humanos, que levou ao colapso da utopia do socialismo real. Em última análise, não foi o poder militar do Ocidente, nem os seus bens de consumo, nem a «voz» da América que o fez cair. A utopia do socialismo real foi vencida pelos escritores e artistas, pelos intelectuais, como pelo povo anónimo, todos inconformados com um poder que lhes negava a essência da sua humanidade.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para não falar de outros, o grupo da Carta 77, do Novo Fórum, dos refusenicks soviéticos, não pretendiam nada mais simples e natural, mas também mais glorioso, do que a restituição do seu direito, do direito do homem è possibilidade de se auto-realizar. Por isso. o fim do socialismo não foi um insucesso pontual e, portanto, reversível, porque representa sobretudo uma mudança de consciência histórica: o indivíduo e os seus direitos tornaram-se no novo critério e no ponto de partida.
No fundamental, estamos perante uma situação nova e diferente, imprevisível para muitos há poucos anos, que desacredita para sempre o historicismo e nos reconduz aos valores, por tantos sempre reclamados, do humanismo.
Temos, por isso, a fundada esperança de não mais haver muros que resistam e de não ser possível a sobrevivência por muito tempo de regimes baseados na privação da liberdade e na ignorância do direito. Temos, por isso, hoje a fundada esperança de, num certo sentido, tomar novo aquele a que chamamos «o velho continente» e, a partir dele. tornar novo, tomar outro, o mundo inteiro.
Para demonstrar que é de esperança fundada que se trata, nada melhor do que recorrer às palavras de Goussiev, primeiro vice-presidente do Supremo Tribunal da União Soviética: «Sem Estado de direito, sem transparência e sem democracia, nada pode garantir a irreversibilidade do processo seguido para estabelecer as condições necessárias ao desenvolvimento da personalidade e RO respeito dos Direitos do Homem. Em consequência da revisão dos nossos valores, reconhecemos a proeminência das normas universais do direito, da moral e da política sobre as ideias de classe. Como todos sabem, a Declaração Universal dos direitos do homem traia em particular da igualdade de todos perante a lei, da protecção contra as detenções arbitrárias, do direito a uma justiça equitativa, da não retroactividade das leis, da liberdade de consciência e de religião, da liberdade de reunião pacífica. Com certeza que estas disposições não são sempre escrupulosamente respeitadas. As leis em vigor e as leis proclamadas são ainda muitas vezes alteradas e violadas, mas já não ficamos passivos.»
São estas torturas da consciência do engano continuado e a certeza da inevitabilidade da mudança as sementes mais promissoras, o fundamento de uma esperança que é fecunda.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Valeu a pena! Valeu a pena a longa luta dos homens de todo o mundo pelos princípios ou pelo início da sua aplicação!
Mas desta medalha há um reverso, porque em muitos casos, em casos demasiados ainda, a maioria se encontra empenhada na luta pela consagração da primeira geração dos direitos do homem. Daqueles direitos cuja negação Sá Carneiro - que ainda ontem tão solenemente aqui evocámos - denunciou nesta Sala, na antiga Assembleia Nacional, quando afirmava com desassombro: «Pouco importa às pessoas saber que tem os direitos reconhecidos em princípio, se o exercício deles lhes é negado na prática. Liberdade de expressão com apreensões administrativas, censura e autorização e caução prévia não adianta. Liberdade de reunião e de associação quando e para o que o Governo entender não resulta. Liberdade física com possibilidade de prisões policiais prolongadas e incontroladas judicialmente e de interrogatórios sem a presença de defensor não é garantia. Liberdade política sem projecção efectiva e sem instrumentos de exercício não passa de ilusão.»
Ou, em suma, como também dizia, em síntese mais clara ainda: «O Estado é responsável pelos meios e condições de acesso à liberdade, sem os quais ela na prática não existe. O poder político só tem sentido como meio de assegurar a liberdade possibilitando a realização da pessoa.»
Nós, que ainda há alguns anos superámos esta fase, somos solidários com quantos nela ainda se encontram. Solidários com quantos não tem voz e se não podem sequer autodeterminar. Solidários com quantos, lendo adquirido a independência, não encontraram ainda a liberdade e estão longe da consagração dos direitos políticos. Solidários com aqueles que se opõem a governos que persistem em ignorar a função essencial do Estado como garante do direito. Solidários com aqueles que se mantêm afastados da mais elementar dignidade, como exemplarmente acontece neste preciso momento aos cidadãos do Koweit, como nos lembra o voto hoje aqui apresentado pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e José Magalhães.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me, a terminar, esta palavra, que é de homenagem. Homenagem sentida a todos quantos em todos os tempos e em todos os lugares viveram, lutaram, sofreram e morreram, pobres de tudo, menos da honra e da glória de lutadores grandes, quantas vezes heróicos, desta causa nobre. Desta causa nobre entre todas as causas nobres.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS, dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães e do deputado do PCP Joaquim Teixeira.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado este período da ordem do dia. inteiramente dedicado à comemoração dos direitos do homem.
Retomaremos os trabalhos às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 11 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, estão em apreciação os n.os 11 a 14 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 13, 15, 16 e 20 de Novembro.

Pausa.

Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da primeira parte da agenda de hoje - 2.º orçamento suplementar para 1990 da Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.