980 I SÉRIE - NÚMERO 29
penal em causa, reflectindo, aliás, os condicionalismos políticos então vigentes, era manifestamente insuficiente e deixava uma larga margem para a instalação do arbítrio ao ressalvar a existência de justa causa, cujo conceito não definia.
Foi a Constituição da República Portuguesa de 1976 que abertamente tomou posição sobre o assunto, ao determinar, no seu artigo 35.º, que o cidadão tem o direito de tomar conhecimento do que constar de registos mecanográficos a seu respeito e do fim a que se destina a informação, aí se reconhecendo o direito de exigir a rectificação e a actualização dos dados pessoais, ao mesmo tempo que proíbe o tratamento de dados referentes a convicções políticas, fé religiosa ou vida privada.
Na sua posterior revisão (revisões de 1982 e 1989), o artigo 35.º da nossa Constituição veio proibir o acesso de terceiros a ficheiros de dados pessoais e a respectiva interconexão, bem como os fluxos de dados transfronteiros, mas ressalvando os casos excepcionais previstos na lei. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito ao conhecimento dos dados pessoais existentes nos ficheiros informáticos ou habeas data, como já lhe chamaram, desdobra-se em vários outros direitos, entre os quais se destacam o direito de acesso, isto é, o direito de conhecer os dados constantes dos registos informáticos, o direito de contestação, ou seja, o direito de rectificação desses dados, e o direito de actualização, cujo escopo fundamental é a correcção do conteúdo desses mesmos dados.
A proposta de lei n.º 145/V, aqui em discussão, acolhe esses princípios que foram consagrados naquele preceito constitucional no tocante às bases de dados de identificação civil e criminal de menores e contumazes. Na verdade, e despojando o Decreto-Lei n.º 64/76, de 24 de Janeiro - que define a orgânica do Centro de Identificação Civil e Criminal -, das disposições de natureza regulamentar, que a proposta de lei n.º 145/V remete para depois, verifica-se que em relação àquele diploma legal houve sobretudo a preocupação de se definir, rigorosamente, quem pode e como pode aceder à informação sobre dados pessoais existentes nos ficheiros e registos informáticos dos serviços de identificação civil e criminal. E, ao mesmo tempo, adoptando-se os expedientes processuais adequados a evitar abusos de terceiros a quem seja reconhecido o direito de acesso aos ficheiros ou dos próprios funcionários dos serviços, tendo em vista a protecção da intimidade da vida privada dos cidadãos.
Assim, a proposta de lei que hoje e aqui se discute reconhece ao titular da informação o direito de acesso aos ficheiros e registos informáticos e o de exigir a actualização ou a rectificação dos seus dados pessoais. Igualmente reconhece o direito de acesso de terceiros aos ficheiros e arquivos, mas em relação a certas entidades que não sejam as especificadas no n.º l do artigo 10.º faz-se depender o exercício desse direito de autorização do Ministro da Justiça sob proposta fundamentada do dirigente dos serviços de identificação.
E no caso de se tratar de acesso directo ao ficheiro central informatizado, o exercício do direito está ainda dependente de um acordo entre a entidade interessada, os serviços de identificação e os serviços de informática do Ministério da Justiça, devendo a entidade interessada adoptar as medidas administrativas e técnicas necessárias a garantir que a informação não será obtida indevidamente nem será utilizada para fim diferente do permitido.
E para possibilitar o controlo do cumprimento das condições, as pesquisas efectuadas directamente, bem como até as próprias tentativas de pesquisa, ficarão registadas informaticamente durante algum tempo - artigos 11.º e 12.º
O que acaba de ser dito para a identificação civil vale, com as necessárias adaptações, para a identificação criminal, porque a tal respeito são praticamente omissas as normas quer do citado Decreto-Lei n.º 64/76 quer do Decreto-Lei n.º 39/83, de 25 de Janeiro, que lhe introduziu alterações.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Verdadeiramente inovadora é a matéria constante da secção m do capítulo n da proposta de lei n.º 145/V, referente ao registo de contumazes. Aí se prevê a organização de um ficheiro central informatizado, para recolha, tratamento e divulgação de informação sobre arguidos relativamente aos quais não foi possível notificar do despacho que designou dia para julgamento ou que, tendo sido, julgados, se tenham eximido total ou parcialmente à execução da pena de prisão em que foram condenados.
Tem-se em vista desmotivar os arguidos da fuga ao julgamento ou ao cumprimento da pena e ao mesmo tempo dar protecção a terceiros que celebrem negócios anuláveis com arguido contumaz, nos termos dos n.º l e 2 do artigo 337.º do Código de Processo Penal, já que do certificado de contumácia, cuja emissão constitui o principal objectivo da organização do ficheiro, constará não só a declaração de contumácia como a declaração das suas alterações e da sua cessação.
Conforme acima referi, a proposta de lei que ora se discute estabelece condições e medidas técnicas e administrativas que visam garantir a confidencialidade dos dados pessoais constantes dos ficheiros e registos informáticos e prevenir o uso indevido das informações nele obtidas.
A par da adopção das referidas providencias, e outras serão certamente implementadas quando da regulamentação da lei, estabelece a proposta de lei n.º 145/V um tipo legal de crime consubstanciado no desvio de dados ou informações dos ficheiros de identificação civil, criminal, dos menores ou contumazes, cominando-se o agravamento da pena para os funcionários que cometam o crime no exercício das suas funções. E da mesma forma tipifica criminalmente a falsificação dos impressos oficiais, as falsas declarações ou falso atestado perante a autoridade pública ou o funcionário no exercício de funções, bem como a usurpação de identidade e o uso de bilhete de identidade alheio.
Na opinião do Partido Social-Democrata, a presente proposta de lei n.º 145/V constitui um válido e sério contributo para evitar abusos em matéria tão propícia à violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, embora tenhamos consciência de que fugas de informação sempre haverá e que não serão tão inócuas como as «fofoquices» da velhinha que via passar a vida pela frente dos vidros da sua janela.
Por isso votaremos favoravelmente a proposta de lei n.º 145/V.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei sobre identificação civil e criminal.