O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE DEZEMBRO DE 1990 985

No entanto, quer seja de l milhão o número de deficientes quer seja de 800000-como afirmou há dias o Secretário de Estado da Segurança Social, embora sem referir as fontes em que se baseava... -, não pode deixar de reconhecer-se que as deficiências afectam um número substancialmente elevado de cidadãos, número que ronda os 10% da população.
Por outro lado, por mais percentualmente importantes que sejam as verbas para os deficientes, o seu significado é meramente estatístico se elas não são, real e efectivamente, aplicadas, continuando a subsistir os problemas que os deficientes enfrentam.
De resto, a falta de regulamentação, pelo Governo, da Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, constitui já uma prova evidente de que as verbas pouco ou nada significarão quando, há mais de dois anos, o Governo prima pela falta de vontade política de regulamentar uma lei fundamental para os deficientes.
Mas não só. Em 14 e 15 de Outubro de 1989, realizou-se o IV Congresso Nacional dos Deficientes, promovido pela União Coordenadora Nacional dos Organismos dos Deficientes, com a presença de representantes de 18 organizações de deficientes. Aí foram aprovadas 40 medidas, como plataforma para a resolução dos problemas dos deficientes em Portugal. Todavia, mais de um ano decorrido, nenhuma dessas medidas, que competia ao Governo executar, foi posta em prática.
Bastará citar algumas delas: estatuto de parceiro social para o Movimento Associativo dos Deficientes; definição e implementação de um programa de sensibilização da sociedade portuguesa sobre os deficientes; serem consideradas doenças sociais, com um estatuto de protecção própria, certos doenças, como, por exemplo, a hemofilia; antecipação da reforma para deficientes com envelhecimento precoce; quota mínima de 5% nas acções de formação profissional apoiadas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional; garantia legal da eliminação das barreiras arquitectónicas; quota mínima para deficientes nas habitações sociais; porte pago e subsídio de papel aos órgãos informativos das associações de deficientes; regulamentação do tratamento da hemodiálise e da utilização de filtros; criação do cartão nacional de deficiente.
Contudo, o que se viu, ainda em l de Março deste ano, foi os deficientes manifestarem-se em frente da sede do Conselho de Ministros, reclamando a resolução dos seus problemas, e não serem sequer recebidos pelo Sr. Primeiro-Ministro!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das reivindicações dos deficientes, aprovada no referido Congresso de Outubro de 1989, foi a criação da provedoria dos deficientes.
E hoje, que já existe o provedor do ambiente na Câmara Municipal de Lisboa, quando o Sr. Deputado Miguel Relvas, do PSD, em 26 de Junho deste ano, defende publicamente a criação do provedor de justiça militar, quando os sociais-democratas dos TSD preconizam o provedor para a segurança no trabalho, quando os socialistas defendem o provedor da saúde, não vai haver, certamente, um deputado a discordar da criação da provedoria dos deficientes. Nem haveria razão para discordar, pois quem melhor pode sensibilizar a população para a condição dos deficientes e intervir, junto de entidades públicas e privadas, para a resolução dos problemas que os afectam do que o porta-voz dos deficientes, especialmente devotado a esses objectivos?
É, de resto, evidente que não há possibilidade de confusão com o Provedor de Justiça, cuja área de intervenção 6 diversa e abrange o mais vasto universo da justiça, além de que só ele dispõe dos poderes que a Constituição lhe confere.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo os deputados da ID apresentado este projecto de lei em Maio do ano corrente, parecia legítima a expectativa de ele vir a ser discutido antes da aprovação do Orçamento para 1991.
Todavia, tal não sucedeu. Daí que a referencia è sua vigência, contida no artigo 11.º, se tenha de entender remetendo-a para logo a seguir à aprovação do Orçamento para 1992.
De qualquer modo, ao apresentar este projecto de lei, que cria a provedoria dos deficientes, a ID procura corresponder a uma das mais importantes aspirações dos deficientes. E será isto, fundamentalmente, que estará em causa na sua votação, porque para lá de evasivas e pretextos, que 6 sempre possível imaginar, são os aspirações e, portanto, os interesses dos deficientes que estão realmente em jogo!

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tal como está previsto, vai, dentro de momentos, ter lugar a instalação de uma comissão eventual e de um grupo de amizade, pelo que peço à Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar o favor de me substituir na direcção dos trabalhos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou iniciar a minha intervenção por fazer a citação de uma carta recebida no nosso grupo parlamentar. Começa assim: «Eu sou um jovem de 25 anos, vivo numa pequena aldeia do distrito de Castelo Branco, sou deficiente devido a um grave acidente de trabalho que tive, de mota, em 8 de Setembro de 1983. Tinha então 17 anos.» Assim começa uma carta recebida há poucos dias no Grupo Parlamentar do PRD, na sequência da recente interpelação sobre a política para os deficientes.
A carta conta como o seu autor deixou de estudar porque queria trabalhar na construção civil como pedreiro e como esse sonho se apagou com aquele desastre de mola. Conta como foi transportado de helicóptero para o Hospital de Santa Maria, onde esteve internado sete meses da primeira vez, seguindo-se outros internamentos de menor duração. Lembra os fracturas graves que o impedem de mexer um dos braços: «Tentaram já operar-me na Clínica de Todos-os-Santos, mas foi em vão» -diz ainda.
Gorada a operação, «regressei à minha pequena aldeia, onde vivo com os meus pais».
Este jovem 6 reformado por invalidez aos 25 anos e recebe uma pensão de 12 300$ mensais. «Como os meus pais são pobres» - continua - «sinto-me muito afectado, já que tenho muitas despesas, relacionadas com as viagens ao hospital, consultas, medicamentos e outras coisas que preciso diariamente, e não consigo andar sem dores, ata já pensei em suicidar-me, mas disseram-me para ter paciência, e neste momento 6 só o que tenha»
Aqui, a memória recorda o filme de Dalton Trumbo intitulado: E Deram-Lhe Uma Espingarda. As afinidades entre o caso relatado nesta carta e o sucedido no filme não seriam nenhumas não fosse a miragem do suicídio como a resolução de todos os problemas.