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16 DE FEVEREIRO DE 1991
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contexto de obras que se estendem por um período continuado de cinco anos! A reserva mental - qualquer que seja - impõe-se a todas as luzes do normal entendimento das coisas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao passar para depois o exercício de uma competência do órgão jurisdicional de fiscalização das suas despesas, que a lei exige prévio, o Governo apunhalou pelas costas o Estado de direito que somos.

Aplausos do PS.

Se de direito é o Estado que ao direito se auto-submete, este Governo, neste lance, mostrou-se empenhado em sê-lo cada vez menos. Um Estado de direito não pode cultivar a suspeição. E nada melhor para estimulá-la do que ser ronceiro em tudo menos na economia do tempo necessário à fiscalização da legalidade dos seus próprios actos. Mas se o Governo pode beneficiar da dúvida sobre se teve ou não consciência da suspeição a que se sujeitava não pode agora a maioria parlamentar, que neste acto o fiscaliza, alimentar a menor dúvida sobre a suspeição a que foi sujeito.
Diz-nos a Lei Orgânica do Tribunal de Contas que «a fiscalização prévia tem por fim verificar se os documentos a ela sujeitos estão conformes com as leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria».
Constitui, pois, e antes de mais, uma garantia de legalidade dos actos a ela sujeitos. Mas também uma garantia da correcta execução do Orçamento do Estado, que ao Tribunal de Contas cabe fiscalizar por imperativo constitucional. Mas como o Orçamento tem o valor de lei, também este aspecto se reconduz a uma garantia de legalidade.
Não é pois indiferente que o controlo financeiro que a lei quer que seja prévio se faça a posteriori ou a título sucessivo. Mas, se queremos ter disso confirmação irrecusável, leia-se o artigo 2.º do diploma ratificando, do qual resulta que, mesmo antes de «concluídas as formalidades conducentes à produção de efeitos financeiros» - entre as quais se conta o visto prévio - pode proceder-se a pagamentos adiantados correspondentes ao somatório das seguintes verbas:
Dois terços dos materiais postos pelo empreiteiro ao pé da obra;
50% do valor do equipamento posto na obra;
Mediante garantia bancária, a parte do custo da obra necessária para aquisição de materiais sujeitos a flutuação de preço, bem como do equipamento cuja aplicação na obra haja sido prevista no plano de trabalhos aprovado;
Pagamentos - agora sem limite - garantidos por trabalhos executados.
Como se vê, uma boa propina em troca de ganho teórico de um mês de prazo!
É isto transparência? Se é, nunca mais recuso cristalinidade a um vidro fumado!

Risos do PS.

Será que a nossa Constituição assiste, conivente, a semelhante atropelo? Muito me havia a mim de me admirar que tivéssemos estado tão distraídos!
Passo a demonstrar que o decretozinho solerte se encontra maculado também pelo pecado da inconstitucionalidade - é mais uma! A título de aperitivo, lembro que, nos termos do artigo 216.º da Constituição, o Tribunal de Contas sé o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe.
Primeira constatação: quanto às contas, as que a lei lhe mandar submeter, quanto às despesas, todas elas.
Mas tenho que reconhecer que, do que agora se trata é não de fiscalizar ou não fiscalizar a legalidade das despesas, mas de as fiscalizar ex ante ou ex post. Prévia ou sucessivamente. Nada sobre isso dizendo a Constituição, de que regra pode emergir a inconstitucionalidade?
Pois da regra que comete à Assembleia da República competência reservada para legislar sobre «a organização e a competência dos tribunais» - e o Tribunal de Contas é um entre outros - «e do Ministério Público». No exercício dessa competência a Assembleia da República definiu a competência do Tribunal de Contas. Fê-lo pela Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, onde deixou claramente dito que compete ao Tribunal de Contas fiscalizar, e fiscalizar previamente, a legalidade e a cobertura orçamental dos documentos geradores de despesa.

Aplausos do PS.

Foi mais longe e esclareceu o conteúdo dessa fiscalização prévia. Esse conteúdo é verificar se os contratos e outros documentos a ela sujeitos - logo as minutas, no caso das minutas - estão conformes com as leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria.
Depois, demarcou o âmbito da fiscalização prévia. E lá encontramos as inefáveis minutas dos contratos do Ministério da Saúde. Não se esqueceu a lei das excepções à exigência da fiscalização prévia. E lá encontramos «os títulos definitivos dos contratos precedidos de minutas visadas». Mas não as próprias minutas desses contratos. Ali encontramos também uma menção genérica a «outros contratos já especialmente previstos na lei». Mas não outras minutas já previstas na lei.
De qualquer modo as minutas a prever em futuras leis, como é o caso do diploma ratificando, a que regras estão sujeitas? Quanto a essas, e por mais que isso pese a um governo a quem a transparência das despesas embaraça, só por lei desta Assembleia ou por decreto-lei do Governo precedido de autorização legislativa. O Governo escusou-se a pedir essa autorização, decerto para fugir à discussão para ele incómoda que estamos a ter agora. E ao deixar de fazê-lo feriu de inconstitucionalidade orgânica o decretozinho solerte. A Constituição, e não apenas Deus, escreve direito por linhas tortas.
Lamento ter colocado os senhores deputados da maioria perante o embaraço de terem de optar entre agradar ao Governo e limpar uma nódoa do meu pano; entre um voto submisso e o respeito da Constituição.
Dito isto, serei prático: se a ratificação não for recusada, levaremos ao conhecimento do Tribunal Constitucional, para efeitos de limpeza, as normas feridas de inconstitucionalidade.

Aplausos do PS.

Se, contra o que se espera, o Tribunal Constitucional as não banir da face da terra, passaremos sobre elas o pano