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15 DE MARÇO DE 1991 1763

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado.

O Orador: -... e que a Administração Pública Portuguesa, nas suas diversas componentes, consiga levar a cabo a reforma que nunca poderá apenas vir de Tora e que terá de contar também com o empenhamento dos trabalhadores, daqueles que tomam as decisões, daqueles que, no dia-a-dia, são o rosto visível da nossa Administração. Sem esse esforço, e também sem a participação das autarquias locais, fundamentais neste contexto, a reforma não será possível.
Daqui lanço não um anátema mas um voto positivo: que essa reforma administrativa seja possível, seja um êxito. O êxito não será do Governo, será, naturalmente, de todos nós.

Aplausos do deputado independente Jorge Lemos, do deputado do PCP José Manuel Mendes e do deputado do CDS Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: A essência do regime democrático é o equilíbrio entre a sociedade e o Estado.
Por um lado, é necessário evitar a apropriação da sociedade pelo Estado, estimulando a diferença entre as duas realidades, incentivando as particularidades, a diversidade dos interesses, a heterogeneidade das actividades e das suas finalidades por parte dos cidadãos.
Por outro lado, garantir a missão do Estado, que é a de reagrupar o que está dividido, imprimir-lhe a coerência e o sentido da unidade, em nome do interesse geral ou o bem comum.
Por isso, não pode um partido ou um governo ou uma maioria, por mais extensa que ela seja, identificar-se com o próprio Estado. O Estado não consente qualquer apropriação. Todos se devem reconhecer na sua estrutura interna e externa e encontrar na sua acção uma resposta para todas as preocupações. Pertence-lhe a função de arbitragem, de garante de valores que são a expressão da comunidade nacional. A tão falada transparência do Estado democrático é, ao fim e ao cabo, a visibilidade da pluralidade dos interesses e das aspirações reinantes na sociedade civil e o modo prático como estão asseguradas as condições institucionais, normativas e axiológicas do debate.
Com efeito, a existência contigente da pluralidade de ideias, dos valores, se não forem organizados, correm o risco de se destruírem mutuamente. O Estado tem de ser o nó duro e irredutível para manter este debate sempre em acção, através de mecanismos que garantam não apenas a liberdade de proposição e de crítica mas também o denominador comum da responsabilidade colectiva. São estes, aliás, os princípios democráticos consubstanciados no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.
É desta relação entro a sociedade e o Estado que nasce o direito de o cidadão pedir contas a qualquer agente da actividade pública, ou seja, à sua Administração, e o dever do Estado de gizar todas as formas do controlo legal da mesma actividade. Nos Estados modernos estes mecanismos de controlo são de quatro tipos: o autocontrole (mediante o exercício do poder hierárquico, poder de inspecção e poder disciplinar), o controlo jurisdicional do Provedor de Justiça e os poderes fiscalizadores do Parlamento.
Não é todavia directamente o controlo, mas o próprio processamento da actividade administrativa que está hoje e aqui em debate.
Na versão inicial da Constituição de 1976, o artigo 202.º distinguia, por um lado, a administração directa e indirecta, colocando ambas sob a direcção do Governo, e, por outro, a administração autónoma, na qual o Governo apenas superintendia. Em 1982, com a primeira revisão constitucional, o apuro técnico das distinções foi mais longe e, assim, passam a ter um esquema segundo o qual o Governo dirige os serviços e actividades da administração directa, superintende em administração indirecta e exerce a tutela sobre a administração autónoma.
Adoptou-se, assim, o princípio de descentralização e uma configuração pluralista da nova Administração Pública. Com a introdução da administração autónoma, o Estado Português, sem ser um «Estado das autonomias» como o espanhol, marcou definitivamente a passagem de uma administração centralizada, hierárquica e napoleónica para uma administração pública descentralizada com largas zonas de autonomia.
Por outro lado, nos últimos 15 anos caminhou-se bastante no sentido da autonomia do poder local e das autonomias regionais insulares dotadas não apenas de
auto-administração mas também de autogoverno.
Se no plano da administração autónoma temos hoje soluções positivas, na administração directa e indirecta as coisas vão de mal a pior. A reforma administrativa marca passo e espera um governo do CDS para levar a cabo tão necessária tarefa. Criam-se novos institutos públicos que ultrapassam largamente o milhar sem que haja uma lei geral.
O artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa consagra cinco princípios - de desburocratização, de aproximação dos serviços às populações, de participação dos interessados na gestão administrativa, de descentralização e de desconcentração - que tomam, assim, inconstitucionais todas as normas que contrariem a orientação por eles expressa. São por isso feridos de inconstitucional idade todos os diplomas que transferem para o Estado as atribuições municipais por ofenderem o princípio de descentralização.
A desburocratização não se esgota no mailing dos desdobráveis e na colocação de cartazes nas repartições públicas. Como há um ano dizia o Sr. Deputado José Magalhães, so chamado Secretariado para a Modernização Administrativa não passa de uma pequena central de conselhos piedosos que oferece às vítimas da burocracia cartazes e folhetos coloridos, onde se desenha um mundo idílico cheio de funcionários com um belo sorriso nos lábios, bem pagos e bem formados, em serviços bem organizados e bem instalados, em bichas felizes - se isso se passa em algum sítio é no paraíso, mas não em Portugal!». A participação dos interessados na gestão da Administração Pública não passa de um ideal distante diariamente espezinhado!
Quanto ao processamento administrativo, antes do código que hoje nos ocupa, foi elaborado um projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso, em 1980, que após uma revisão ministerial conduzida pelo Professor Diogo Freitas do Amaral - que agora se chama controlo político - foi divulgado e submetido à discussão pública. Daí resultou uma segunda versão, igualmente publicada em 1983. Após quase oito anos de hibernação, é trazida hoje aqui uma versão mais simplificada.