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1764 I SÉRIE - NÚMERO 54

Antes tarde que nunca. Saudamos o novo código que muito deve ao eminente administrativista e político Professor Diogo Freitas do Amaral, que Finalmente vê coroada de êxito a aspiração que, desde 25 de Abril, todos acalentamos para dotar o País com uma Administração Pública moderna, participada, própria do Estado de direito democrático que somos. O código de processo administrativo, em primeiro lugar, consagra os princípios, formulados inicialmente pela doutrina e recebidos depois pela jurisprudência, que estão hoje consagrados na Constituição. A maior parte deles são princípios tradicionais cujo enunciado, em forma explícita, não traz grande novidade: é o caso do princípio da prossecução do interesse público, do princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares e do princípio da legalidade. Mas há dois outros princípios que nem a doutrina nem a jurisprudência portuguesas tinham ainda acolhido de modo generalizado e que a Constituição formulou em termos inovadores: o princípio da justiça e o princípio da imparcialidade.
A importância especialíssima destes dois princípios reside no facto de eles consubstanciarem limites intrínsecos do poder discricionário da Administração, isto é, critérios que devem nortear o exercício desse poder e que, quando desrespeitados, geram a ilegalidade do acto administrativo correspondente.
Não posso aqui alongar-me demasiado sobre este ponto, mas direi ainda assim o seguinte.
O princípio da justiça é aquele segundo o qual os órgãos e os agentes administrativos devem actuar com justiça no exercício das suas funções. Desdobra-se, por sua vez, em três corolários: princípio da justiça stricto sensu; princípio da igualdade; princípio da proporcionalidade.
Quanto ao princípio da imparcialidade, é aquele segundo o qual os órgãos e os agentes administrativos devem actuar com imparcialidade - isto é tautológico - no exercício das suas funções. Também comporta três corolários: proibição de favoritismos ou perseguições; proibição de decidir sobre assunto em que seja interessado; proibição de tomar pane ou interesse em contratos celebrados com a Administração ou por ela aprovados ou autorizados.
Durante muito tempo entendeu-se em Portugal que o único limite intrínseco do poder discricionário da Administração - para além, naturalmente, dos limites extrínsecos da competência, da forma, das formalidades e do objecto - era constituído pelo Hm do acto administrativo, crismado de desvio de poder. O desvio de poder era, pois, o único vício característico do exercício ilegal do poder discricionário.
Ora, e esta perspectiva que sofre uma alteração radical com a introdução constitucional dos princípios da justiça e da imparcialidade, porque a violação desses princípios no exercício de poderes discricionários já não constitui matéria de administração pura, mas de administração contenciosa; já não é assunto que releve da esfera da discricionariedade, mas da esfera da vinculação; já não traduz má administração, mas ilegalidade.
E assim que um acto administrativo viole o princípio da justiça é um acto administrativo ilegal. O mesmo se passa com um acto administrativo que viole o princípio da imparcialidade e também com qualquer acto administrativo que viole alguns dos corolários do primeiro ou do segundo destes princípios que enunciei.
De modo que o exercício de poderes discricionários já pode ser agora fiscalizado contenciosamente. E o desvio de poder já não é a única ilegalidade que pode afectar um acto administrativo discricionário: a violação do princípio
da justiça ou do princípio da imparcialidade, bem como de qualquer dos seus corolários, gera o vício de violação de lei.
De tudo resulta, assim, uma radical transformação. O acto administrativo decompõe-se agora em dois hemisférios: o da legalidade e o do mérito. No primeiro, analisa-se a sua conformidade com a lei; no segundo, o aspecto da conveniência do acto. Antes desta Constituição, a injustiça do acto era equiparada à sua inconveniência, e situa-se por conseguinte na causa do mérito. Um acto injusto não era um acto ilegal; era apenas um acto ferido de um vício de mérito - e, portanto, só fiscalizável pelas autoridades da administração activa, nunca pelos tribunais.
Actualmente, e por força do princípio da justiça consagrado na Constituição em 1976, um acto injusto é um acto ilegal - a injustiça é um vício da legalidade, constitui violação de lei - e, portanto, o acto injusto pode ser contenciosamente impugnado. A injustiça pode e deve ser jurisdicionalmente apreciada e declarada, constituindo fundamento de anulação de todos os actos inquinados.
Quer dizer, a justiça do acto administrativo transitou do hemisfério do mérito para o da legalidade, o que é uma revolução no nosso mundo jurídico, mas que tem, afinal, todo o sentido. Quem melhor que os tribunais, que são os templos da justiça, pode apreciar se um acto administrativo é justo ou injusto?
Daí a necessidade daquilo que hoje aqui ouvimos - como do pão para a boca - aquando da reforma do contencioso administrativo.
Com estas alterações, atingiu-se na nossa ordem jurídica o ponto mais alto das mutações do direito administrativo material que se verificaram em Portugal desde 1974 e que são bem dignas de uma revolução que se anunciou libertadora e ao serviço do Estado de direito.
O código do procedimento administrativo consagra harmoniosamente todos os princípios que ficaram enunciados e representa uma das reformas estruturais de que a nossa Administração carece.
Votaremos, por isso, favoravelmente a autorização legislativa e levaremos em conta o compromisso do Sr. Ministro da Justiça que está aberto para integrar no debate, na especialidade, todos os projectos apresentados nesta Câmara.
É um compromisso de diálogo, de honra e esperamos que o novo código do procedimento administrativo seja, autenticamente, um novo código saído dos serviços técnicos e periféricos do Ministério da Justiça.

Aplausos dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.ª Secretaria de Estado, Srs. Deputados: Infelizmente, o adiantado da hora não propicia que possa dedicar-se uma análise tão detalhada quanto seria desejável a esta proposta de lei e aos projectos de lei relativos ao procedimento gracioso administrativo que agora estão a ser discutidos na Assembleia da República. Mas, Srs. Deputados, permitam-me sublinhar com alguma emoção o facto de, volvidos tantos anos sobre o preceito da Constituição que previa a elaboração de uma lei que