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15 DE MARÇO DE 1991 1761

que se reclama uma sua radical apreciação, no âmbito da 3.º Comissão, conjunta com os projectos da oposição.
Do que tratamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é de realidades que dia-a-dia se nos deparam: não de abstracções ou especiosidades de eruditos, por muito que se não desvalie o trabalho do pensamento arquitector de todos os renovos. É essencial, neste espaço de legislação, um aumento de certeza e de participação dos cidadãos, vector insuprível da funcionalidade da coisa pública e de uma democracia que se não quer apodrecida num mero representativismo, alargando, intoleravelmente, o fosso entre os impérios do poder e quem os recebe ou sofre.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aproximar a Administração dos administrados não pode servir de pólvora seca no fogo preso dos discursos. Tem de ser uma meta para que, instantemente, se avance.
O projecto de lei do PCP é um contributo decisivo para tal desiderato, um passo reflectivo, morigerado, para um operoso disciplinar do procedimento administrativo, um rio aberto aos afluentes da discussão serena e, por isso, disponível para fertilizar não só uma lei a empreender mas, bem mais que isso, o regime democrático que tanto haveremos de aperfeiçoar ainda.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao longo do trabalho preparatório de elaboração do projecto que apresentei juntamente com o Sr. Deputado Jorge Lemos, reforçaram-se-me as dúvidas sobre os méritos de uma lei geral do procedimento administrativo que, na esteira da Verwaliungsverfahrensgesetz germânica, lente estabelecer um quadro aplicável a tudo e a coisa pouca, a entidades públicas da maior importância e a pequenas estruturas (sem esquecer entidades situadas no sector privado).
Em todo o caso, compreendo que o desafio da tarefa seja suficientemente relevante e procurei reeditar em projecto de lei uma tentativa, aliás modesta -por isso lhe chamei mínima -, de reflexão sobre esse lema, encetada no início dos anos 80.
Reforçaram-se-me, pelo caminho, as certezas sobre as virtudes do revigoramento de direitos fundamentais e, nesse sentido, tanto o projecto apresentado pelo Partido Comunista, em primeiro lugar, como o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, mais tarde, me parecem positivos e aperfeiçoadores de um quadro que, embora flua da Constituição e de certas leis, só ganhará com a explicitação pedagógica, a densificação legal. Devo dizer-vos, com toda a verdade, que recordo, com bastante saudade, alguém que trabalhou comigo nesse projecto do PCP, um autarca da CDU, José António Veríssimo, que muito se bateu para projectar no articulado alguns dos ensinamentos da experiência autárquica própria e do direito comparado, em particular do espanhol, e de outros que estudámos na busca de soluções razoáveis para conseguir uma lei da República que fosse eminentemente pedagógica e aditiva em relação a conteúdos já constitucionais.
Nesse sentido, o Sr. Deputado Guilherme Silva tem alguma razão - mas não ioda a razão! - ao criticar o projecto do PCP sobre o reforço do direito dos cidadãos perante a administração local.
Precisamos de inovar - isso é seguro. Todos os dias e de toda a parte nos vem a certeza de que as mudanças do mundo são tão vertiginosas que não deixam, seguramente, este sector imune e estanque.
Uma dessas novidades centrais é a progressiva difusão de uma concepção e de uma ideologia, tendencialmente universal, de uma nova cidadania capaz de quebrar, no dia-a-dia, as mil e uma sujeições e teias de dominação, que nos despojam dos nossos direitos e perpetuam as desigualdades mais lamentáveis.
Por entre sobressaltos, creio que andamos, uns mais do que outros, em busca de uma concepção igualmente aplicável em Lisboa, na Sérvia, em Leninegrado, em Luanda, em Havana, em Paris, em Pequim ou em Coimbra, aqui ao pé.
Portugueses e europeus que somos, estamos confrontados com o repto e com o drama de dar um salto no tempo para mergulhar no espaço desconhecido de um mercado único e de uma União Europeia que vão pulverizar, definitivamente, um certo modo de estar e um certo modo de fazer, que é ainda a alma da Administração Pública e da nossa vivência burocrática.
O próprio facto da União Europeia implica novos poderes de uma outra administração - a administração comunitária - e, logo, há-de implicar também novos direitos, novas garantias, ampliação do conhecimento dos actos, alargamento do direito à informação, novas legitimidades para intervir em procedimentos, garantias de notificação oficial de actos, obrigações de fundamentação das decisões, recursos acessíveis, controlo interno das decisões, alargamento da jurisdição do Tribunal das Comunidades, etc.
Ainda hoje mesmo, em carta dirigida aos deputados desta Casa, a DECO alertava para o facto de, amanhã, ser o Dia Mundial dos Consumidores e ser preciso lutar para que a Conferência Intergovernamental, que se realizará sobre as reformas institucionais da CEE, consagre a política de protecção dos consumidores como política comunitária e confira poderes aos órgãos comunitários para intervirem nessa área. Mas isso tem de significar também direitos para os cidadãos, sob pena de risco não de protecção mas de desprotecção.
Nestes tempos de abertura dos contratos de fornecimento e de obras, de liberalização plena da actividade bancária, seguradora, de transportes, de comunicações e económica, em geral, a reforma da Administração Pública e o reforço dos direitos dos cidadãos são condições absolutamente fundamentais para que o edifício a construir não cresça sobre um agravamento do défice de cidadania e uma magnificação da máquina supranacional, omnipotente, alimentado por partidocracias nacionais e internacionais, ciosas talvez das suas prerrogativas mas desinteressadas de uma estratégia dos direitos quotidianos dos cidadãos.
É com isso que se procura romper aqui, hoje, e isso é, na minha opinião, positivo.
Como bem lembrou Paolo Flores d'Arcais num estimulante seminário anteontem realizado em Lisboa, a partidocracia asfixiante da cidadania e da própria legalidade abre caminho à corrupção, ao clientelismo, ao próprio loteamento do Estado em talhões atribuídos a uns e a outros, mas não constitui alternativa ao desabar irreversível dos sistemas que, durante decénios, existiram no Centro e no Leste europeu e deixaram um triste rasto histórico.