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15 DE MARÇO DE 1991 1765

regulasse o procedimento da Administração Pública, finalmente, nos encontrarmos peno de realizar esse desiderato. É, efectivamente, um momento extremamente importante que nem o adiantado da hora obnubila.
Srs. Deputados, gostaria também de referir-me à circunstancia, extremamente significativa, de o Governo ter feito acompanhar a sua proposta de autorização legislativa de um projecto de decreto-lei que permite determinar com suficiente rigor, embora não tenha uma valia formal vinculativa, quais são as suas intenções, qual é o objecto, a extensão e o sentido da autorização legislativa. Ela, de resto, resulta claramente, ao contrário do que foi aqui afirmado, da circunstância de o n.º 4 do artigo 267.º da Constituição, já por si, delimitar claramente esse objecto e o sentido estar enunciado no n.º 2 da proposta de lei.
Penso que, justamente, se deveria ter em atenção duas questões básicas que esta proposta de lei do Governo bem como os projectos de lei do Partido Comunista e dos Srs. Deputados Independentes suscitam.
A primeira diz respeito a uma questão que, aliás, já foi aqui levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães relativa a antinomia que todos os projectos sobre o procedimento administrativo tom de resolver, de uma maneira ou de outra: entre a legalidade e a eficiência.
A lei do processo administrativo alemão, a Verwaltungsverfahrensgsetz, de uma maneira muito clara optou pela legalidade e pela diminuição da discricionariedade da Administração Pública.
Fê-lo na sequência dos traumas que envolveram a Alemanha no período da guerra e, na altura, chegou a dizer-se que a discricionariedade era o «cavalo de Tróia» que eliminava a legalidade administrativa. Mas não deixa de ser curioso que, hoje, os comentaristas dessa mesma lei sublinhem a profunda obra de flexibilização que a prática administrativa, e a própria jurisprudência dos tribunais administrativos alemães, tem vindo a operar, no sentido de reconhecer à Administração Pública a necessidade de possuir iniciativa e de dispor de um poder discricionário que, nos limites da lei - e sem ofensa dos direitos fundamentais -, possa garantir-lhe a flexibilidade e a agilidade necessárias para enfrentar os problemas e resolver as questões que se põem no Estado de direito.
Estamos, agora, em Portugal, precisamente, perante esse problema. Ora, a meu ver, ele não é resolvido, ao contrário do que diz o Sr. Deputado José Magalhães, pela circunstância simples de o número dos artigos ser maior ou menor, chamar-se um projecto mínimo ou chamar-se um projecto máximo. Não é assim, salvo o devido respeito, que as questões devem ser encaradas. E vale a pena, aliás, ter em consideração ires debates fundamentais que se registaram a este propósito.
O primeiro, justamente na Alemanha Federal, numa célebre reunião dos professores de Direito Público Alemão em que se discutiu precisamente esta matéria.
O segundo foi invocado pelo Sr. Deputado José Magalhães. Trata-se da posição dos autores do projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso, de 1983, e da reacção lida pelo Sr. Professor Rogério Ehnharcht Saars e agora, o terceiro, mais recentemente, a discussão havida em Itália a propósito do projecto Nigro, que, justamente, representa um pólo de algum modo oposto em relação aquilo que representa a lei alemã do procedimento administrativo.
Diria que a proposta do Governo - aliás, o mesmo poderia dizer-se em relação aos projectos de lei do PCP e dos Srs. Deputados Independentes, apesar de conterem
algumas lacunas que me parecem significativas - tem uma visão equilibrada do problema, embora pense que seria importante, por uma questão de cautela, mencionar claramente que não existem formalidades indispensáveis, senão aquelas que são absolutamente essenciais em matéria de processos sancionatórios, e que, fora essas, sempre poderão encontrar-se fórmulas alternativas que substituam um processo por outro processo. Isto é, justamente, a tal flexibilização de que falei há pouco e que existe quer na Alemanha Federal quer no projecto Nigro em Itália. É assim aconselhável a formulação de um artigo que permita que a Administração Pública escolha a forma procedimental mais adequada, desde que isso não envolva diminuição das garantias dos particulares.
De qualquer forma, penso que o projecto do Governo é uma solução equilibrada e que não vem criar constrições que não sejam susceptíveis de serem perfeitamente ultrapassadas por duas vias fundamentais: em primeiro lugar, uma vacado legís suficientemente larga, e ela está consignada na proposta governamental; em segundo lugar, por uma preparação cuidada da Administação Pública, que terá, naturalmente, de aprender a trabalhar com este código que impõe níveis de exigência bastante mais elevados que os actualmente praticados.
Sabemos que a Sr.ª Secretária de Estado tem já preparados processos que visam dotar os funcionários da Administração Pública dos necessários conhecimentos. Portanto, há uma esperança fundamentada que as perturbações, que são inevitáveis e que acontecerão com a entrada em vigor de um diploma desta relevância, serão suportáveis e ultrapassáveis e que, finalmente, teremos o inestimável benefício de possuir um código de procedimento administrativo tal como a Constituição durante tanto tempo previu em vão.
Srs. Deputados, gostaria de chamar a atenção da Câmara para a possibilidade de as disposições do código - afinal de todos os códigos - admitirem um posicionamento da Administração Pública que não me parece compatível com aquilo que resulta da Constituição: refiro-me à matéria relativa ao privilégio da execução prévia.
Penso que, hoje, em que quando os actos administrativos ofendam o conteúdo essencial dos direitos fundamentais tem de considerar-se nulos, em que há uma acção para defesa de um direito interesse legalmente protegido, e quando estão previstas fórmulas jurisdicionais para a aplicação das sanções mais graves, designadamente coimas e multas - inclusivamente, no que diz respeito as coimas, há até um processo que vai ao ponto de atribuir essa competência aos tribunais comuns, pela sua proximidade com o direito penal, mas noutras matéria são os tribunais de execuções fiscais que as aplicam -, não é aceitável prever-se que, fora de muitos contados domínios, uns pela natureza das coisas, como em matéria policial, e noutros quando a lei expressamente o autorize, a Administração Pública lenha uma prerrogativa genérica, uma nota que exista em todos os actos administrativos, salvo indicação em contrario, de poder fazer a execução prévia dos actos que pratica.
É que uma coisa é a imperatividade dos actos, a sua eficácia unilateral na esfera jurídica dos destinatários, independentemente da vontade destes e apesar de poderem não ler a colaboração dos particulares no seu teor formativo, outra a possibilidade de imposição coactiva das obrigações que cria. A Administração Pública já não tem nem deve ter as prerrogativas do passado, nem é esse o seu posicionamento no ordenamento jurídico-constitucional português.