O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1264

I SÉRIE - NÚMERO 35

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai dar entrada na Mesa, por proposta unânime da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, um voto que propõe a atitude que a Câmara deverá tomar face aos acontecimentos que todos conhecem e que estão, neste momento, a decorrer em Timor Leste.
A intervenção que vou fazer é da minha exclusiva responsabilidade, nada tendo, pois, a ver com a Comissão. Face aos acontecimentos que estão a ter lugar em Timor, pensei que era apropriado fazê-la.
Na sede do antigo Tribunal da Comarca de Díli, edifício modesto numa terra pobre, habitada por um povo tratado como dispensável pelas grandes potências da área, foi iniciado um julgamento que virá certamente a ter uma repercussão na história do direito internacional. 15to porque, não obstante o limitadíssimo território, a pequena população sobrevivente e envolvida, a exiguidade da força da resistência armada, acontece que o julgamento de Xanana Gusmão viola vários princípios fundamentais do direito internacional vigente e desafia o normativismo possível da nova ordem internacional em gestação.
Trata-se de um caso, este de Timor, que se desenvolve no período de transição do bipolarismo para um incerto novo equilíbrio de forças, período em que os planos de contingência estão a preencher o transitório vazio causado pelo fim da guerra-fria. Todos os países, instituições e homens que consideram que os valores essenciais do direito fazem parte do eixo da roda da mudança, e que o eixo acompanha a roda, mas não anda, também não podem deixar de manifestar pelo menos preocupação, e, muito justificadamente, a condenação do esquecimento e violação desses valores, mesmo pelos planos de contingência.
Quando uma grande potência, como os EUA, se proclama legitimada para deter em território alheio um procurado pela sua justiça, quando um regime fundamentalista condena à morte um cidadão estrangeiro e manda executar a sentença em qualquer parte, quando um agressor como a Indonésia assume que pode fazer o julgamento de um líder da resistência dos invadidos no cenário e ambiente de uma conferência internacional sobre os direitos do homem, a inquietação fundada é a de que, nos planos de contingência em exercício, existam maiores preocupações sobre a hierarquia dos poderes soberanos, e os interesses privativos das potências, do que sobre os direitos do homem, os direitos dos povos e os direitos da comunidade internacional.
É longo no tempo, e pesado na dimensão, o passivo desta contínua falta de autenticidade, que ameaça fazer a ambicionada Nova Ordem mais herdeira de Maquiavel do que de Kant, não obstante ser cada vez mais evidente que uma injustiça feita a um homem ou a injustiça feita a um povo é uma injustiça feita a todos os homens e a todos os povos. Todas as guerras são um regresso ao estado de natureza, dominado pelo facto brutal que os polemologistas chamam o infanticídio diferido das gerações. O direito internacional definiu, ainda assim, as normas de um direito na guerra que se articulam coerentemente com a análise dos contratualistas que doutrinaram a formação do Estado moderno e a sua subordinação a um direito internacional desprovido de força para ser imposto.
Por isso mesmo, o caso de Timor, o processo de Díli, a utilização do prisioneiro Xanana Gusmão, não devem ser discutidos à luz de um eventual conflito de sucessão de leis penais no tempo, partilhando as opiniões entre aplicar a lei antes vigente no território ou aplicar a nova lei do invasor, porque tal discussão apenas enriquece o cenário do opressor. Do que continua a tratar-se é de uma conquista armada do território, de um Estado utilizar as suas forças armadas para alargar os seus domínios territoriais, de violar o direito internacional, de violar os princípios proclamados pela coligação que se opôs a tal subversão na guerra de 1939-1945 e, finalmente, de violar a Carta da ONU.
A conquista não é um título legitimo: a resistência contra a conquista é legítima. Por isso, no modesto edifício da sede do antigo Tribunal da Comarca de Díli, a decisão sobre a vida de um só homem coloca esse homem no centro de uma questão vital para o destino de milhares de homens, para a credibilidade da ONU e da sua Agenda da Paz, para a identificação da legitimidade que vai dominar a futura Nova Ordem. No fim da II Guerra Mundial, o Tribunal de Nuremberga, instalado segundo os princípios proclamados pelos vencedores (entre os quais os EUA eram proeminentes), viu definidos os crimes contra a humanidade, uma decisão que prometia que nunca mais seria possível editar as práticas abomináveis.
A repetição foi mais frequente do que então podia imaginar-se e um deles, o crime de genocídio, foi o provado corolário que a Indonésia tirou da conquista ilegal de Timor para impor a submissão. A política de «limpeza étnica», que é a versão em exercício do genocídio, não pode ser condenada apenas em função dos interesses das grandes potências para cada caso.
Os EUA, os maiores responsáveis por Nuremberga, fariam bem em não frustrar, neste domínio, as esperanças dos que acreditaram que, do seu próprio passado, tirou lição suficiente para não condescender com outros.
A acção política internacional exige certamente compromissos. É, certo que a Grande Coligação Democrática da Guerra incluia uma dezena de ditaduras. Entende-se que a Indonésia lhe convenha como aliado, mas a Nova Ordem exige limites éticos, e a conquista e o genocídio são limites intransponíveis.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A passividade perante o julgamento de Díli, a aceitação pelas potências da injustiça feita a um homem evidentemente usado significa a aceitação da conquista e do genocídio que tornam possível este exercício do «Estado espectáculo».
O destino judicial deste homem, Xanana Gusmão, e a lógica da defesa que adopte ou lhe seja imposta não mudam a situação de Timor. Portugal tem duas legitimidades neste caso: a de potência signatária das Convenções de Genebra e a de potência administrante que fala em nome do povo de Timor, de cada um dos timorenses, da Carta da ONU, e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Neste caso, o protesto e a condenação da Indonésia devem ser firmes e indiferentes à linha de defesa que um prisioneiro de guerra assuma perante os seus captores.
O invasor não tem legitimidade nem para julgar, nem para executar, nem para perdoar, tem apenas os privilégios da força. Na decisão final de Xanana Gusmão perante o seu destino de pessoa, mergulhado como está na circunstância brutal que a história lhe reservou, ninguém pode intervir, nem julgar. Mas o julgamento sobre a sua contribuição objectiva de resistente contra a conquista e o genocídio, tem de permanecer totalmente favorável e de reconhecimento; o julgamento condenatório da soberania