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10 DE MARÇO DE 1999 1635

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Acabado este episódio regimental, lançado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião, reponho a discussão, se V. Ex.ª me permite, no pouco tempo de que disponho.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A discriminação da mulher portuguesa, por estranho que pareça, está a acentuar-se. É uma lamentável mas lógica consequência do tipo de sociedade que se pretende impor no nosso país, por força da aplicação de uma política neoliberal cujos mentores e seguidores não consideram positivos nem aceitam como válidos certos valores culturais e humanos por que temos sempre de pugnar e defender.
O tratamento dado por alguns à mulher portuguesa no trabalho, na vida quotidiana, é inaceitável. Numa democracia que se diz europeia, ainda subsistem mentalidades retrógradas, reaccionárias e incultas que vêem a mulher como uma força disponível de trabalho, doméstico ou não, negando-se-lhe, no entanto, as mesmas oportunidades concedidas aos homens como, aliás, se pode verificar através de flagrantes exemplos. Exemplos que partem não só de pessoas sem cultura ou sem instrução, pois esse tipo de actuação observa-se também em atitudes de arrogantes e poderosos empresários que tratam a mulher sem respeito, que usam e abusam do seu poder circunstancial para a utilização de práticas discriminatórias sobre a mulher. É gente que respeita um único valor: o do cifrão, o do dinheiro fácil.
Bem apreciado o problema, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, chegar-se-á à conclusão de que são pequenos tiranetes complexados, eivados de preconceitos, mas com um tipo de actuação que só visa um objectivo: utilizar a mulher ou discriminá-la para atingir as suas finalidades, ou seja, tratar a mulher como um ser menor, pagar-lhe menos, distribuir-lhe tarefas não consentâneas com o seu valor e capacidade.
O problema que ora debatemos é eminentemente cultural. Um País que se ufana com demasiada arrogância e vaidade de permanecer a uma Comunidade Europeia culta não pode admitir que não sejam respeitados os mais elementares direitos devidos a todos os cidadãos e à mulher em particular.
É claro que o problema é global. Basta observar a forma como certo patronato trata os trabalhadores e as injustiças sociais praticadas para verificar que a discriminação contra a mulher trabalhadora está já a atingir foros de escândalo.
Há que pôr termo a lamentáveis preconceitos no comportamento para com a mulher, pois a mulher portuguesa é, sem dúvida, alvo de um tratamento inaceitável.
Sr.ª Presidente, Sr. Deputados: Todos os anos reflectimos, por uma ou duas horas, sobre o papel da mulher na nossa sociedade e todos os anos o problema se nos apresenta agravado. A discriminação, quando não a violência, persiste e aumenta. As desigualdades, a opressão e a discriminação baseada no sexo não tem, não podem ter, lugar numa sociedade civilizada e democrática. O estatuto da mulher não pode ser considerado inferior ao do homem, pois é rigorosamente igual.
O que se impõe, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, já que tarda a mudança de mentalidades, é aprovar e, sobretudo, fazer cumprir legislação adequada como os projectos ora em discussão, os quais vou votar favoravelmente.

(O orador reviu.)
Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Permitia-me alargar um pouco o âmbito desta discussão. Uma vez que está em causa o direito da mulher à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, gostaria de trazer à colação a Portaria n.º 1156/91 que visa abrir as portas das Forças Armadas às mulheres. Nesse texto, a discriminação está patente ao nível da linguagem: por um lado, promete a igualdade, mas retira-a por outro.
Reza assim a citada portaria: «Determina que, em condições de igualdade com os cidadãos do sexo masculino, os cidadãos do sexo feminino possam voluntariamente candidatar-se à prestação do serviço efectivo em qualquer das modalidades e serviços do Exército.» Ou seja, ao falar em «cidadãos do sexo feminino», esquecendo-se de que as mulheres são cidadãs, está, de facto, a cometer uma discriminação.
Ora, parece-me que é urgente e necessário alterar determinadas práticas e preconceitos, designadamente em relação à linguagem, porque a linguagem.
Já agora, a este propósito, gostaria de aqui invocar o testemunho e o trabalho meritório do sargento Ventura Cunha, responsável por uma página de língua portuguesa no Jornal do Exército, que se refere a essa discriminação na linguagem, criticando-a e dizendo-a insustentável. Cito o que escreveu: «Sabe-se que a entrada de mulheres para o serviço militar criou em certos espíritos impressionáveis a sensação de que elas vinham usurpar posições que só aos homens devem pertencer. Mas, se a lei abriu as portas à participação feminina em todos os níveis, não há razão, antes pelo contrário, para que se não recuperem formas gramaticais em desuso e se criem outras se tal for necessário. Infelizmente, há quem pense que as mulheres podem vir para o Exército, mas que o vocabulário terá de ser sempre masculino. Trata-se, todavia, de um pensamento eirado.» E prossegue o articulista: «Logicamente, se chamamos soldados aos homens, então devemos chamar soldadas às mulheres. Não é correcto dizermos soldados do sexo masculino e soldados do sexo feminino. Seria o princípio da confusão.»
A este propósito ainda, e para realçar a importância que também tem a linguagem na discriminação da mulher, chamo a atenção para as palavras de Ramela Tytell, que diz: «A linguagem é o reflexo das nossas imagens culturais e do estatuto da mulher na sociedade e faz-se eco dos preconceitos e dos estereótipos.» Quer isto dizer que transportamos para o discurso os nossos preconceitos, as nossas representações sexistas mentais e sociais.
Penso que é urgente e necessário que essas práticas se alterem e que, também ao nível da linguagem, se consagre a igualdade entre homens e mulheres, a qual decorre naturalmente daquilo que está consagrado na Constituição e que, tantas vezes, se encontra afastado da realidade.

(A oradora reviu.)

Aplausos do PS.