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1728 I SÉRIE - NÚMERO 49

à independência, ao desassombro e à rebeldia. Em tudo quanto disse, escreveu, e expressou deixa claramente marcada essa criatividade inicial e permanente, com que fez e refez os seus caminhos na arte, na cultura, na política, na vida. A inquietação do seu espírito continuará pelos tempos fora, viva e jamais cansada, na obra literária que nos deixa.
Neste momento doloroso, a Assembleia da República - que Natália Correia enriqueceu com a sua voz livre, com a sua enorme cultura, com os seus repentes fulgurantes, com a sua exemplar tenacidade no combate pela democracia pela justiça social e por um Portugal sempre renovado - curva-se comovida perante a mulher, a cidadã e a artista e, manifesta profundo pesar pela morte inesperada desta sua insigne parlamentar.

Serão atribuídos a cada grupo parlamentar três minutos para apreciação de cada voto de pesar.
Em primeiro lugar, vai ser apreciado o voto de pesar pelo falecimento de Natália Correia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado, Manuel Alegre

Sr. Manuel Alegre (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ela era a Feiticeira Cotovia homens e os deuses, punham em causa ordem e a moral estabelecidas, contestava as certezas e os dogmas combatia, todas as inquisições e todas tiranias. Ela era a que trazia dentro de si todas as utopias, e a que sabia ser navegador/não é termos sido é sermos ainda.
Para ela a poesia era o pão do espírito e, por isso ,podia dizer "O subalimentados do sonho/a poesia é para comer."
Sabia que "as roseiras ao contrário/é que dão rosas". Fiel à raiz, cantou a dimensão "transportuguesa" de Portugal. Senhora da rosa trazia consigo a lira de D. Dinis é a flor de pinho, essa flor "Que onde cai é um país".
Inconformista, iconoclasta, era uma mulher, livre e libertadora. Pela palavra pelo gesto, pela exuberância e pelo seu próprio excesso, marcou o nosso tempo e, a nossa vida. Só no fim, com Sonetos Românticos, conseguiu ganhar, um prémio. E foi, preciso ter escrito um livro, que ficará como um dos grandes livros da nossa literatura.
Contra ela conspiravam os que pretendem fazer da poesia uma charada para especialistas e aqueles de quem nunca nenhum verso e nenhuma frase serão sabidos de cor. Natália já está no nosso ouvido. Os catorze degraus de cada um dos seus sonetos foram também catorze degraus de uma ascese e de uma despedida.
Ela sabia que estava a dizer adeus:

São os fados. Pedir mais vida? Ó sede
Enganosa! A vida é que nos pede
O dever de morrer iniludível.

E por isso escreveu também: "E na morte entrarei de olhos abertos." Creio que sim creio que de olhos abertos ela chegou "além do sol além do Sete-Estrelo". Entrou de certeza sem "carimbo no passaporte". Porque, a sua dimensão já não é a da vida nem a da morte, é a dimensão mágica da poesia. Por isso ficará connosco. Ela própria o disse: "Eu sou romântica. Não falto."

Aplausos gerais.

O Sr.º Presidente: - Para uma intervenção,, tem palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há palavras, nem lágrimas nem discursos, nem homenagens quê consigam interpretar em plenitude a indomável personalidade, a pujança espiritual ë a originalidade intelectual de Natália Correia.
Natália Correia, poetiza da paixão.
Natália Correia, romancista que rompe limites e espartilhos da cultura convencional.
Natália Correia, dramaturga da descoberta fulminante.
Natália Correia, exímia parlamentar, de oratória satírica, persuasiva, corajosa.
Lutou, até o seu cansado coração dizer "basta", por mais e melhor cultura em Portugal Combateu e cravou farpas nas mentalidades retrógradas, na mediocridade, na inércia, na apatia, nas rotinas paralisantes, na moral de sacristia, na opressão da mulher.
Natália Correia insular ,bela mas temível que, partiu da ilha para arrancar grilhetas, mas visceralmente impregnada; de maresia, de vulcões, de lagoas, de Vitorino Nemésio, de Antero de Quental, de nostalgia, de solidão, de
universalidade.
Peço perdão aos literatas de Portugal se discordarem, mas vou ler duas estrofes do poema mais lindo de Natália Correia:

Deram frutos a fé e a firmeza
No esplendor de um cântico novo
Os Açores são. a nossa certeza
De traçar a gloria de um povo.

De um destino com brio alcançado
Colheremos mais frutos e flores
Porque é esse o sentido sagrado
Das estrelas que coroam os Açores.

Li duas quadras da letra do hino da Região Autónoma dos Açores.
Que Natália Correia fique entre 'as estrelas do céu!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Natália foi embora. Partiu serenamente essa mulher, panteísta, explosiva e tema.
Todos nesta Casa, a amávamos: E, aparentemente, convergência não era fácil. Os afectos díspares, fundidos num sentimento de admiração comum, arrancavam da certeza de que ela era diferente, irrepetível, a certeza de que a Deputada atípica pertencia a outro mundo que não o dos parlamentos.
Natália sabia-se diferente e cultivava com requinte a diferença. Quase erigiu a sua excepcionalidade em modo de vida.
Para Natália, terra, povo e poesia formavam vértices de um triângulo mágico.
Neruda dizia que) quando a terra floresce e1 o povo respira a liberdade, os poetas cantam e mostram o caminho. Quando a tirania faz baixar a escuridão sobre a terra, os intelectuais são empurrados para o fundo do poço da história. É então que a voz dos poetas sobe desses paramos sombrios e volta, pela boca do povo, dos mananciais secretos da terra, fazendo renascer a esperança.
O canto de Natália atravessou sempre a tampa do poço durante os anos duros e medíocres do fascismo. Não podia