28 DE MAIO DE 1993 2437
resse directo mas alguma conexão, algum grau de titularidade, dos interesses em causa. O direito de acção popular não exige que um cidadão seja directamente afectado por um crime ecológico para ter legitimidade para actuar judicialmente contra os seus responsáveis; não exige que um cidadão resida em determinada localidade em que se cometa um atentado contra o património cultural para que a sua indignação tenha como consequência uma actuação destinada a impedir a sua consumação.
A acção popular é um meio privilegiado de tutela de interesses difusos, mas é ainda algo mais do que isso: é um direito que pode ser exercido não apenas por qualquer cidadão individualmente considerado mas também colectivamente, através de associações de defesa dos interesses que estejam em causa. Não se trata aqui de uma mera acção colectiva, em que uma entidade colectiva se apresenta a defender interesses legalmente protegidos dos seus associados. Trata-se do direito de uma associação, pelo facto de inscrever, entre os seus objectivos, a promoção de determinados interesses sociais, adquirir legitimidade para intervir - através da acção popular -, sempre que esses interesses sejam preteridos ou ameaçados, independentemente de quem seja directamente prejudicado com essa preterição ou de quem seja titular dos interesses ameaçados.
O exercício do direito de acção popular por pessoas colectivas, mobilizando a energia dos cidadãos para a defesa de interesses sociais relevantes e de direitos fundamentais, constitui uma poderosa arma contra a violação desses direitos. Já não se trata da reacção do cidadão anónimo contra a poderosa multinacional poluidora ou contra uma Administração irresponsável, que pactua com a delapidação do património cultural. Estamos perante a possibilidade real de grupos de cidadãos, particularmente atentos e mobilizados, poderem desenvolver uma acção sistemática de defesa de interesses fundamentais da colectividade, gozando de uma especial protecção legal e podendo, evidentemente, desbloquear inércias da acção individual dos cidadãos, resultantes quer da eventual desproporção de forcas em presença quer da natural incredulidade dos cidadãos, quanto ao funcionamento da Administração e da justiça.
A Constituição estabelece, em termos amplos, a extensão do direito de acção popular. Este é, desde logo, um direito de acção perante qualquer tribunal. A lei ordinária fornece já exemplos de acção popular, perante diversos tipos de tribunais: a Lei de Bases do Ambiente prevê a utilização do processo de embargo administrativo por todos aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; a Lei das Associações de Defesa do Ambiente prevê acções de natureza civil, para prevenir, ou fazer cessar, actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação do ambiente e prevê ainda a acção popular em processos por crime contra o ambiente e o equilíbrio ecológico.
No entanto, a revisão constitucional de 1989 teve o alcance de tomar o direito de acção popular extensivo ao procedimento administrativo. Afigura-se-nos uma interpretação sem suporte no texto constitucional a ideia de que a acção popular apenas possibilita a intervenção por via judicial. A verdade é que a Constituição prevê o direito à perseguição judicial de infracções, a par do direito de promover a prevenção e a cessação dessas infracções por forma não necessariamente judicial. A não ser assim, a revisão constitucional de 1989 teria representado um recuo em relação à anterior redacção do artigo 66.º, que previa a concessão, a todos, do direito de promover a prevenção, ou a cessação, de factores de degradação do ambiente, sem que alguém tenha afirmado a dimensão, exclusivamente judicial, desse direito ou tenha negado a sua dimensão procedimental.
O projecto de lei n.º 21/VI, do PCP, assume, com clareza, o carácter também procedimental do direito de acção popular ao conferir aos cidadãos o direito de intervir junto das entidades públicas, designadamente das administrações central, regional e local, bem como do sector público empresarial, mediante procedimento sumário, preferente e expedito.
Não se ignora, evidentemente, que o Código do Procedimento Administrativo em vigor, aprovado em 1991, alarga a legitimidade para iniciar o procedimento administrativo, com vista à defesa de interesses difusos aos cidadãos a quem a actuação administrativa provoque, ou possa previsivelmente provocar, prejuízos relevantes em bens fundamentais, como a saúde pública, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida e, ainda, aos residentes na circunscrição em que se localize algum bem do domínio público afectado pela acção da Administração.
Trata-se de um alargamento da legitimidade, para iniciar o procedimento administrativo, com vista à defesa de interesses difusos, mas não se trata da consagração, em sede legislativa, do direito de acção popular ao nível do procedimento administrativo, apesar de se encontrar constitucionalmente consagrado.
A Constituição especifica também, desde logo, os domínios em que o direito de acção popular pode desempenhar um papel relevante, consagrando o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de todo o tipo de infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e a qualidade de vida ou a degradação do património cultural. O direito à saúde, ao ambiente e ao património adquirem, assim, uma protecção constitucional qualificada, sendo as suas violações ou as ameaças à sua efectivação accionáveis por todos os cidadãos. No entanto, a Constituição não limita o alcance do direito de acção popular à prevenção, cessação ou perseguição judicial de infracções contra o ambiente, o património ou a saúde pública, a formulação constitucional é exemplificativa, salvaguarda outras disposições legislativas, que já contemplam casos de admissão da acção popular, e não exclui que legislação a aprovar, como a que hoje debatemos, possa ampliar as situações em que esse direito possa ser exercido.
Assim, o projecto de lei do PCP preconiza que, sem prejuízo dos direitos previstos na legislação em vigor, seja conferido a todos o direito de utilizar os meios previstos na lei de processo administrativo, nomeadamente o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra actos administrativos que tenham por objecto a alienação ou a concessão de exploração de bens do domínio público ou de empresas do sector público, ou a desafectação de bens do domínio público, a concessão de subsídios e de isenções fiscais, ou a revogação de actos de expropriação.
A acção popular, enquanto instrumento de defesa da legalidade, pode ser também uma poderosa arma de combate à corrupção e à utilização indevida de cargos públicos em benefício de ilegítimos interesses privados.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei hoje em apreciação, convergindo na questão essencial, que é a