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2436 I SÉRIE - NÚMERO 76

irá acontecer - a experiência dirá se funciona ou não. Se funcionar, muito bem; se não funcionar, os catedráticos poderão, a partir do nosso contributo, começar a escrever doutos artigos e ao fim de uns tantos anos a acção popular estará perfeitíssima, como é perfeito -às vezes de mais! - o nosso sistema jurídico.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, declaro interrompida a sessão por dez minutos.

Eram 16 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.º Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de acção popular, a V Legislatura prometeu muito e não deu tanto.
Debatemos aqui, passaram já três anos, os projectos de lei do PCP e do PS relativos ao exercício do direito de acção popular. Suscitaram estas iniciativas relatórios notáveis da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da autoria do Dr. Mário Raposo, ao tempo presidente dessa Comissão, tal como os projectos de lei agora em debate tiveram pareceres, igualmente notáveis, da autoria do Sr. Deputado Rui Macheie, aqui presente. Realizou-se em Plenário um debate de grande interesse e importância sobre a complexidade dos problemas jurídicos suscitados pela consagração legislativa da acção popular. Foi um debate promissor, com consciência das dificuldades, de onde transpareceu, das palavras aqui então proferidas, uma vontade unânime de os enfrentar e de deitar mãos à obra, para que não se retardasse por muito mais tempo a concretização, no plano legislativo, de algo que se encontrava, de há muito, constitucionalmente adquirido.
A promessa, no entanto, não se confirmou e os projectos de lei relativos à acção popular não chegariam a ser votados na generalidade, tendo baixado à Comissão, de onde não voltariam a «levantar-se» até ao fim da legislatura. Ficaram os relatórios, os debates - com um interesse inestimável para o debate que hoje realizamos - e as possibilidades de reapresentação, que nesta legislatura se confirmaram.
É uma evidência de que não foram as dificuldades reais do empreendimento que conduziram ao adiamento sine die da aprovação de legislação sobre a acção popular. Não são dificuldades que a vontade política não pudesse ter superado; digamos antes que de, entre os entusiastas da acção popular, há uns que são mais entusiastas do que outros. Há quem tome iniciativas e apresente propostas e há quem, reconhecendo o seu interesse, prefira ir adiando a sua consagração.
O agendamento, promovido para hoje, dos projectos de lei relativos ao exercício do direito de acção popular constitui motivo de congratulação, à qual juntamos sinceros votos de que desta vez não se desperdice a oportunidade de concluir um processo legislativo, tão relevante como este, para a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A regulação legal do direito constitucional de acção popular permitirá um enorme salto em frente na participação democrática dos cidadãos, na renovação da prática da Administração e dos tribunais e na defesa de direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados. Não será, porém, um salto no eseuro. A concretização legislativa do princípio subjacente à acção popular, ou à tutela de interesses difusos, tem já algum caminho trilhado, que vem de longe. Os primeiros afloramentos legislativos desta ideia têm muitos anos e, entre nós, existem exemplos consagrados em diversos diplomas. O debate já realizado é suficiente para que se possam tomar decisões com relativo grau de segurança.
Já no Código Administrativo de 1878 se previa uma forma de acção popular, embora supletiva, em caso de inércia das autarquias face à lesão de interesses colectivos; também no Código Administrativo de 1940 se prevêem formas limitadas de acção popular.
Porém, o direito de acção popular de que hoje falamos deve a sua consagração à Constituição de 1976 e o seu alcance aos aditamentos introduzidos, por unanimidade, na revisão constitucional de 1989.
O incumprimento do dever de legislar sobre a acção popular, imposto pela Constituição, não se: deve a falta de iniciativa Logo na I Legislatura, mais precisamente em Novembro de 1978, o Grupo Parlamentar do PCP, através do projecto de lei n.º 146/1, propunha a regulação legal do direito de acção popular, fazendo-o extravasar os termos acanhados em que o Código Administrativo o consagrava e alargando o seu âmbito, por forma a concretizar e potenciar o empenhamento de todos os cidadãos na vida pública, a assegurar o respeito da legalidade pela Administração e a defender o património do Estado.
Esta iniciativa, apesar de sucessivamente renovada, nunca obteve aprovação, permanecendo incumprido até à data o dever constitucional de legislar sobre a matéria.
Entretanto, a falta de um regime geral do exercício do direito de acção popular foi sendo parcialmente suprida pela proliferação das suas expressões específicas em alguns domínios, particularmente naqueles em que a sua existência se foi revelando mais necessária.
Foi, assim, reconhecido e direito de acção às associações de defesa do consumidor, como representantes dos consumidores em geral; foi conferida às associações de defesa do ambiente a legitimidade para propor acções necessárias à prevenção ou cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação do ambiente, para recorrer contenciosamente dos actos administrativos que violem as disposições legais que protegem o ambiente e para se constituírem assistentes nos processos crime contra o ambiente e o equilíbrio ecológico; foi conferido a qualquer cidadão, bem como a qualquer associação de defesa do património, legalmente constituída, o direito de acção popular de defesa do património cultural.
A segunda revisão constitucional, em 1989, veio ampliar os contornos do direito de acção popular em termos que convém explicitar.
Trata-se, desde logo, de um direito que pode ser exercido por todos os cidadãos individualmente considerados ou por pessoas colectivas, conferindo, independentemente de qualquer interesse individual ou de qualquer relação específica com os bens ou interesses em causa, legitimidade processual activa a todos os cidadãos. O direito de acção popular vai, assim, muito para além da tutela de interesses difusos, que, sendo interesses da comunidade, se projectam em cada cidadão, mas que exigem para a atribuição de legitimidade processual activa não um inte-