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100 I SÉRIE-NÚMERO 4

vedo Gomes, António Sérgio outros de onde sairia a revista Seara Nova. É que a República, mais do que um nome, é uma vivência, a comunhão de um homem com seu vizinho.
Essa mesma vivência democrática, material, cultural e cívica não se atém às palavras, deve penetrar todas as nossas acções porque «nem iodo aquele que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus». . As palavras de nada contam quando não exprimem o que nos vai no peito. Também nem todo aquele que prega a fraternidade, o civismo, o vive e só a vida conta. O que são as palavras mortas perante a plenitude de um convívio cívico, uma comunicação de [palavras e bens, como impõe a democracia real, a República? Ser cidadão é ser irmão do seu vizinho e não há - não pode haver - cidadãos isolados. Toda a República é uma comunhão, uma partilha de ideias e de bens.
O conceito de democracia não é um privilégio dos letrados, uma vez que as letras mais não são do que uma forma de expressar a cultura humana vivida dia-a-dia à medida em que um homem vai progredindo na sua humanidade, enriquecendo-se e aos seus vizinhos, e destes recebendo a fatia correspondente às posses deles. Maior ou menor será essa fatia, conforme a riqueza intelectual, física e moral de cada um: de uns, recebe-se mais do que transmitimos, de outros, se recebe pouco ou nada, mas a fraternidade familiar, cívica e económica não se mede pela quantidade dos valores trocados, mas pela vontade e simpatia com que se comunicam.
Quão longe estamos deste ideal humano de fraternidade, de comunhão, sabemo-lo todos. Mas parece-me que caminharemos tanto mais eficientemente para ele quanto menos restrições se ponham aos contactos de homem com homem, de povo com povo, de nação com nação, de continente com continente. Isolar um homem é segregá-lo, manietá-lo na sociedade, amputar-lhe a humanidade; isolar um povo, seja uma aldeia, um país, um continente, é impedi-lo de se tornar melhor, dê contribuir para a melhoria dos outros povos, de outros homens. É que o benefício que alguém faz aproveita a quem o recebe, mas não aproveita menos a quem o dá. O exercício da humanidade é tanto dos que precisam como dos que dão e todos eles são partícipes da verdadeira humanidade.
Toda a comunicação é solidariedade, de cima para baixo e de baixo para cima. Daí que a comunicação restringida às palavras se volta em hipocrisia e egoísmo. Por isso é que instituições como a Fundação Calouste Gulbenkian se tornam em exemplo vivo, actuante, de verdadeira democracia, não só de palavras, mas de feitos na cultura, na sociedade, na economia, outras tantas facetas da mesma obra.
José de Azeredo Perdigão, homem de Direito e de preocupações sociais, republicano e democrata, marca uma fase importante na nossa vida de nação, na nossa República, comunicando-se, entrando mais e mais fundo na humanidade, tornando o mundo cada vez mais um. Ele foi conselheiro de um homem nascido na Arménia e que veio pousar a Portugal, aqui encontrando acolhimento, tranquilidade e saúde. Pode dizer-se que se tornou português pela comunicabilidade, por fraternidade; achou entre nós o bem-estar e retribuiu espalhando os seus tesouros e com eles fomentando a nossa cultura intelectual, moral e física. Sentiu-se melhor entre nós e contribuiu para a nossa melhoria, para o nosso bem-estar, para uma nossa sociedade melhor.
O republicano José de Azeredo Perdigão fica como um dos grandes obreiros da efectivação da verdadeira República, comunhão e solidariedade entre os homens, dessa solidariedade que se vive ainda e sobretudo quando se não apregoa. Vive-se a República nas múltiplas actividades da Fundação Calouste Gulbenkian, em todo esse espalhar de ideias e de bens em institutos, museus, congressos, conferências, exposições, sem olhar a quem vem, a quem vai, a quem aproveita.
É essa a grande lição comunitária, republicana, de Calouste Gulbenkian, de José de Azeredo Perdigão. E ele, que sentira o calor republicano nos joelhos de António José de Almeida e a mensagem republicana na sua voz, tornar-se-ia um dos grandes fautores dessa mesma República, harmonia, entendimento, solidariedade entre os homens, todos cidadãos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o representante do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Presidente da Fundação Gulbenkian, Srs. Membros da Administração da Fundação Gulbenkian, Ex.ma Família do Sr. Dr. Azeredo Perdigão, Srs. Convidados, Srs. Deputados: No termo do seu admirável estudo sobre Calouste Gulbenkian - coleccionador -, Azeredo Perdigão interrogava-se sobre como devíamos manifestar o nosso reconhecimento ao grande benemérito e logo responde: «Honrando hoje e sempre, o melhor possível, a sua memória, não só pela gratidão, mas também pela integral fidelidade ao seu pensamento e aos seus desígnios».
Do mesmo modo como o Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian proeurou, com devotado carinho, enaltecer o fundador daquela grande instituição e agradecer a sua obra e o legado que nos deixou, é agora a nossa vez de prestar a José de Azeredo Perdigão o preito comovido da nossa estima e admiração, sublinhando a enorme dívida que todos temos para com ele pelo exemplo que nos deu e pelo caminho que nos apontou.
«O homem...» - dizia Ortega y Gasset - «... não tem natureza, tem história». É a res gestae que individualiza e, afinal, permite compreender o que cada homem é. A natureza humana de cada pessoa e das comunidades que integra é dada no seu agere no sentido mais radical do termo. Santo Agostinho, em forma lapidar, escrevia «Deus cui hoc est natura quid fecerit (...)», o homem, feito à imagem e semelhança de Deus, resguardadas as devidas distâncias e respeito, não é compreensível por forma diferente.
A vida de cada um é ex ante incerteza e aventura; também angústia pela inevitabilidade de ter de agir e escolher, mergulhado que está na dinâmica inexorável do porvir. Mas se é risco, é igualmente liberdade. E a liberdade significa necessariamente responsabilidade, uma enorme responsabilidade para com Deus, para com a sociedade, para consigo próprio pela personalidade que ao longo do seu viver foi criando, pela forma como modelou a sua relação com o outro e com a sociedade de que faz parte.
Os moralmente mais débeis, timoratos ou distraídos desperdiçam oportunidades, perdem-se na azáfama do quotidiano, nas emoções fugazes, nas preocupações momentâneas. O seu ser, a sua personalidade, tendem apara a fungibilidade do despercebido e do anónimo.
Mas, noutros, o pequeno microcosmos humano agiganta-se e torna-se admirável farol que rasga horizontes e abre futuros. A descoberta dos valores mais elevados e perenes e a fidelidade que lhes é tributada na acção, embe-