102 I SÉRIE-NÚMERO 4
institucionalismo - o pluralismo não se restringe à organização do Estado. Não há possibilidades de garantir os pressupostos necessários a uma verdadeira democracia sem pluralismo social, isto é, sem uma multiplicidade de instituições autónomas, cuja sobrevivência não dependa da discricionariedade de um apoio estadual. O modo como cada ordenamento jurídico trata as instituições sem fins lucrativos, associações ou fundações, constitui, aliás, uma verdadeira pedra de toque para se avaliar se os propósitos de apor limites à actividade do Estado representam afinal, uma filosofia e um programa do Governo, ou uma simples imagem de retórica.
As fundações constituem uma das manifestações essenciais de vitalidade e da autonomia social e da capacidade de inovação e progresso da sociedade civil.
A existência da Fundação Gulbenkian e o seu modo de estar na sociedade portuguesa é, a par da sua contribuição para a cultura, uma das mais preciosas dádivas do seu fundador e também daquele que foi o seu primeiro presidente. A qualidade e a nobreza de carácter dos seus sucessores, são, aliás, penhor seguro de que assim continuará.
Por último, gostava de referir que este homem poderoso e inteligente reconhecia, a humildade do ser criado perante o seu Criador e proeurou viver simplesmente segundo as suas leis. Também aqui se revelou a sua grandeza.
Azeredo Perdigão foi um homem culto e de fina sensibilidade perante a arte e as vidas artísticas. Não cumulou erudição, mas os conhecimentos vastos que adquiriu, com largueza de fontes e horizontes, permitiram ao seu espírito agudo compreender as coisas e as pessoas, avaliar bem, separar «o trigo do joio». Se lhe dissessem que era um homem de sucesso, certamente franziria o sobrolho, desagradado por ser apreciado por critérios que se lhe afigurariam puras análises de hebdomadários cronicadores de mundanidades sociais. E, na realidade, o seu êxito deverá ser avaliado não por índices materiais, crematísticos, diria, mas por ter feito render os seus talentos e realizado muito das potencialidades com que Deus o dotou, pondo-as ao serviço do País. Essa foi a sua vocação. Esse foi também o seu exemplo e a razão por que rendemos homenagem à sua vida e obra.
No termo da sua longa e laboriosa carreira, num dos momentos de lucidez que a doença lhe permitiu, Azeredo Perdigão poderia resumir, com serena tranquilidade e justiça, sintetizando tudo: Combati o bom combate! Nós, por nossa vez, poderemos dizer: Morreu um Homem! A sua memória e exemplo viverão!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Ministro Adjunto, em representação do Primeiro-Ministro, Srs. Embaixadores, Srs. Ministros da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Exmos. Familiares do Doutor Azeredo Perdigão, Sr. Presidente e Srs. Administradores da Fundação Calouste Gulbenkian, Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, na 1.ª reunião havida depois do falecimentos do Doutor José Azeredo Perdigão, aprovou por unanimidade a proposta, por mim apresentada, de a Assembleia da República evocar, em sessão solene, a memória de Azeredo Perdigão, prestando, assim, uma homenagem, aliás extraordinária no contexto da praxe parlamentar, ao homem público que marcou como poucos a vida nacional da última metade do século XX.
A todos pareceu que a Assembleia da República não podia assinalar a triste ocorrência pela forma que costuma usar por ocasião do perecimento de portugueses ilustres. Pelo contrário, julgou-se necessário levar aos anais da história parlamentar uma cerimónia que exprimisse, de modo solene, a admiração e o apreço públicos pelo cidadão, pelo jurisconsulto e advogado, pelo projectista e construtor da Fundação Calouste Gulbenkian e pelo seu primeiro presidente, um presidente que soube estar atento ao mundo e ser prospectivo no meio das muitas mudanças e surpresas que agitaram seu o tempo de vida.
O povo português - que se sente devedor a Azeredo Perdigão de inestimáveis serviços nos domínios da educação, da saúde, das ciências, da cultura e das artes - exigiria dos seus representantes parlamentares, com certeza, assim se entendeu, um especial gesto de deferência, de simpatia e gratidão para com o Homem chegado ao fim de uma vida longa e laboriosa e para com a grandeza da obra que amorosamente realizou e deixa aos sucessores e vindouros. Por outro lado, um gesto assim correspondia também ao desejo de muitos Deputados - uns, porque pessoalmente tocados pela excepcionalidade da figura do homenageado; outros, porque beneficiários de apoios prestados pela Fundação a estudos e trabalhos seus. Daí, este solene in memoriam!
Na oportunidade, cumpre-me renovar aos familiares do Doutor Azeredo Perdigão as nossas condolências assim como agradecer, em meu nome pessoal e em nome da Assembleia da República, a presença dos convidados e dos cidadãos. Com o testemunho presencial de VV. Ex.ª a sessão, além de maior solenidade, ganhará também outra ressonância nos círculos representativos da vida política, diplomática e pública do País.
Os oradores que me antecederam souberam desenhar e tornar patente, em estilos e segundo sensibilidades culturais diferentes, a excepcional envergadura moral, intelectual e cívica de Azeredo Perdigão. Pelas palavras proferidas hoje e aqui, poderá talvez compreender-se mais facilmente o acontecimento que imprimiu à vida de Azeredo Perdigão uma trajectória nacional e que é o facto inicial de haver cativado Calouste Gulbenkian a dispor em favor de Portugal da maior parte da sua imensa fortuna. A chave desse início primordial há-de encontrar-se, decerto, nos riquíssimos dotes de inteligência, de probidade e de sageza de Azeredo Perdigão, na sua extraordinária competência profissional, na sua superior sensibilidade estética, na sua enorme cultura, na sua requintada finura de trato, etc., etc., qualidades, todas elas, impressiva e eloquentemente postas em destaque nesta sessão.
Por mim gostaria de lembrar, uma vez mais, o aprumo moral e a coragem cívica de Azeredo Perdigão, as quais, aliás, o terão ajudado a passar incólume através das calmarias, das tormentas e turbulências que alternadamente dominaram o mundo político português durante a sua vida pública. É de crer que o austero Calouste Gulbenkian não haja sido indiferente a tais qualidades.
Este lado do carácter de Azeredo Perdigão está exemplarmente patenteado na carta que dirigiu à Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática, em Novembro de 1945, e que foi publicada no Diário de Notícias, a 3 do mesmo mês. Pelo que se depreende do texto, o então Ministério do Interior, procedendo em contrário de promessas antes anunciadas, começara então a exigir a apresentação da lista das adesões às resoluções tomadas na reunião do Centro Republicano Almirante Reis, que se realizara a 8 de Outubro.