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28 DE OUTUBRO DE 1993 99

pós-graduação, abrangendo algumas centenas de universitários. Que o Estado, hoje, como válvula de escape para a sua própria irresponsabilidade, se permita a proliferação de um «negócio de diplomas», comummente conhecido como «ensino superior privado», ao mesmo tempo que mantém uma deficientíssima cobertura do País nas áreas da educação pré-escolar e do ensino especial, áreas a que a Fundação tem vindo a dar um particular carinho - eis o que não pode deixar de ser relevado nesta oportunidade.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sras. Autoridades Convidadas, Senhoras e Senhores: O Estado salazarista, fruto das suas próprias orientações, nunca se preocupou «excessivamente» com a educação, com a ciência ou com a cultura - excepto em tudo o que tivesse a ver com a sua instrumentalização. Garantindo a alguns o aprender a ler, a escrever e a contar, ou um pouco mais, quando a pressão dos tempos a isso o obrigou, acabou por «permitir» à Fundação transformar-se num autêntico «Estado dentro do Estado», assumindo papéis que ao Estado deveriam competir, por vezes em rota de colisão ou em difícil convivência com ele. A Fundação era muitas vezes uma autêntica janela aberta para uma outra paisagem. Eram os tempos difíceis de antes do 25 de Abril de 1974. Eram os tempos, por exemplo, em que associações populares de cultura e recreio eram mandadas encerrar pela PIDE por organizarem ciclos de cinema- tornados materialmente possíveis pela utilização de máquinas de projecção cedidas em usufruto perpétuo pela Fundação!
Este exemplo parecerá a alguns, agora, uma simples caricatura- mas, se o é, é-o apenas na medida em que as caricaturas nos ajudam a mais facilmente apreender os traços essenciais de uma realidade. Mas é um exemplo que, em nossa opinião, ilustra bem as limitações e as potencialidades da acção da Fundação e do seu Presidente em tão difíceis circunstâncias. Atentas estas últimas, talvez as potencialidades nos surjam hoje como mais relevantes do que as limitações. E não deixa de ser significativo que o Presidente da Fundação viesse a integrar o Conselho de Estado emanado do 25 de Abril. De algum modo, expressando tal acto um reconhecimento da jovem democracia às vertentes democráticas da acção concreta desenvolvida no terreno pela Fundação, expressa igualmente, de modo implícito, um contrato entre partes, que só a queda do regime ditatorial tornara possível. Nesta relação, o 25 de Abril trouxe ao Estado e à Fundação responsabilidades acrescidas, e novas, nos domínios em que tinham vindo a funcionar por complementaridade ou por contiguidade. É legítimo afirmar-se que a Fundação soube assumir as suas responsabilidades- até quando, em rigor, deixaria de fazer sentido assumi-las, tendo em conta o cumprimento das expectativas dos cidadãos relativamente às tarefas do novo Estado democrático.
A Fundação continua, hoje, a merecer aos portugueses a credibilidade para a qual Azeredo Perdigão, decisivamente, contribuiu. Ainda hoje, Azeredo Perdigão e Fundação Gulbenkian continuam a ser sinónimos positivos e cremos que a História consolidará tal identidade. Não sabemos que melhor elogio se lhe pode fazer; não sabemos que maior honra e maior responsabilidade para os seus sucessores.
Aplausos do PCP, de alguns Deputados do PSD e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o representante do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Presidente da Fundação Gulbenkian, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: O nome de Azeredo Perdigão entrou na História. Vincou a sua passagem pela vida na República Portuguesa, ele que bebeu a mensagem republicana, democrática, com o leite que mamou, seguindo a tradição liberal de todo o século XIX.
Entre os seus ascendentes, homens que se bateram de armas na mão, sem nunca virar a cara ao perigo. É essa a frontalidade da sua vida, das suas atitudes, sabendo-se sempre aonde ele se encontrava e como falava. Essa frontalidade fora a de seu pai, o jornalista e constituinte da República, José Perdigão, fundador e director de A Beira, em Viseu. Era com desvanecimento que Azeredo Perdigão lembrava ter andado nos braços de António José de Almeida, na altura em que este fora a Viseu pregar a boa nova e a mensagem da República que aí vinha, na inauguração da estátua ao Bispo de Viseu, que, por antonomásia, é só um, que se chama António Alves Martins.
Como se vê, tudo nomes desta Casa, da ideia republicana, desde a monarquia liberal, gente cuja frontalidade não deixa lugar a dúvidas, sabendo-se sempre aonde estão, acreditando em si mesmos e no povo a que pertencem e em que se enquadram, e protestando contra todas as infalibilidades. Como se sabia também e em todas as campanhas eleitorais do nosso tempo, consentidas pelo funil censório, nos tempos negregados do fascismo a cujo leme estava outro beirão, qual a posição de José de Azeredo Perdigão e como se exprimia com clareza e sem bravatas em intervenções várias, na imprensa e nos tribunais. Lembro, por exemplo, uma entrevista sua ao Diário de Lisboa, nos tempos do MUD, em 1945.
Nesses luzeiros de esperança que eram as chamadas campanhas eleitorais, em que se via como que a luz de uma candeia ao longe, tentávamos romper os grilhões da tirania. De armas na mão? Muitos de armas na mão, mas sempre e sobretudo com aquela fé indomável de que não há tirania que sempre dure, porque os tiranos também se abatem, ou os leva à morte, desacreditados, desgastados, apodrecidos. Esses tempos, essas campanhas, ainda as mais controladas pelo inimigo, desembocaram no 25 de Abril de 1974. E foi uma festa tal que não teve ódios nem vinganças, nada de mesquinho.
Não esqueçamos que toda a democracia, mais do que um regime político, é uma vivência cívica, cultural, e que o lastro do saber, lançado na sociedade portuguesa pelas actividades da Fundação Gulbenkian, desde as suas pequenas bibliotecas itinerantes até às investigações agronómicas, tem contribuído, como as de nenhum outro organismo particular, para a cultura, para a democratização do povo português.
Não se poderá dizer que na medida em que um homem se cultiva, digamos, se a cultura, que ele se democratiza? O tirano pode ser um homem sabedor, de grande recheio intelectual, mas não é nunca um homem de cultura. Falta-lhe o elo de humanismo que o entrelaça e o liga aos outros homens. Falta-lhe o que os teólogos chamam a comunhão dos santos, a consciência da sua integração na humanidade.
Esse sentimento social, comunitário e republicano, José de Azeredo Perdigão herdara-o de seu pai. O jurista, o economista, estreara-se nas letras aos 15 anos, com uma tese sobre A Economia Portuguesa e, logo a seguir, sobre Lições de Economia Social. E natural é que o jurista para quem o Direito não é apenas a letra escrita, que pode ser a de um tirano, mas sim a vida, o convívio cívico de oportunidades iguais para todos os homens, entrasse naquele grupo de cidadãos intervenientes que foram Raúl Proença, João Sarmento Pimentel, Câmara Reis, Mário de Aze-