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10 DE MARÇO DE 1994 1541

na, uma declaração do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território que me chocou profundamente e que parece confirmar que o sentido de humor introduzido no seio do Governo pelo ex-Ministro do Ambiente e Recursos Naturais parece ter feito escola.
Algures no território nacional, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território terá produzido a espantosa declaração de que os alentejanos seriam uma espécie em vias de extinção.
Sr. Presidente, interpelo, pois, a Mesa no sentido de que seja inquirida qual a verdadeira extensão e veracidade desta afirmação, porque, como representante do Alentejo nesta Câmara e como alentejano, que muito me prezo de ser, não preciso, sequer, de recorrer a Torga para confirmar o facto de que os alentejanos e os transmontanos são o que há de mais genuíno na cultura portuguesa. Por isso, a estarem em extinção os alentejanos, questiono-me se não estará em extinção a própria «portugalidade».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, a Mesa vai ter em atenção a interpelação que fez.
De qualquer forma, a sua vivacidade é a prova clara de que os alentejanos não estão em vias de extinção.

Aplausos ao PS.

Sr.ª Deputada Isabel Castro, tem a palavra.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Representam mais de 50 % da humanidade, produzem 2/3 do total de trabalho realizado, ganham 10 % dos salários, detêm l % da propriedade.
Assim, telegraficamente, fazendo uso das frias estatísticas, poderíamos, como tantos outros e tantas vezes, na forte crueza dos números, iniciar um debate sobre as mulheres, definir o seu estatuto, compreender o seu papel crucial para o desenvolvimento da sociedade e situarmo-nos, no fundo, perante o novo paradigma que, num mundo interdependente, se coloca à humanidade neste final de século, paradigma inseparável da resolução da crise ecológica, do desenvolvimento da sociedade, da democracia e da participação, em si mesmos, e do modo como estes três factores se interligam.
Afinal, trata-se hoje de questionar o próprio sistema, um modelo industrialista imposto, durante décadas, como único e aceite como dogma; um modelo baseado no pressuposto falso do crescimento ilimitado, no dinheiro, como valor sagrado, no consumismo e no produtivismo, como valores e objectivos últimos, no primado do lucro e não da realização individual; um modelo que era suposto ter significado bem estar, riqueza, equilíbrio e nova geração de direitos e foi, ao invés, portador de mais pobreza, mais desigualdade, mais agressão, menos direitos; um modelo que, paradoxalmente, usou o desenvolvimento tecnológico não para libertar os indivíduos do trabalho mas, antes, para a ele os aprisionar; um modelo baseado na exploração desenfreada da natureza, no esbanjamento, na irracionalidade e na desigual partilha e utilização dos recursos que entende não como um património da humanidade, que são, mas como propriedade daqueles que o uso da força julgam legitimar; um modelo que destrói a diversidade e não admite a diferença, qualquer que ela seja; um modelo que sobrevive à custa da própria democracia, que gradualmente espartilha e sufoca, que põe em causa o direito de participação efectiva dos cidadãos e a tomada de decisão sobre os seus destinos, que cerceia o acesso a direitos humanos fundamentais, como a educação, a saúde, o ambiente, o trabalho, o planeamento familiar ou a fruição cultural, e atenta contra a própria possiblidade de desenvolvimento integral dos indivíduos e das mulheres, em particular, nas suas múltiplas expressões; um modelo que a Conferência do Rio e as mulheres activamente interventoras recusaram, porque caduco e ultrapassado, e que a Europa, no espaço da União, teima impor, exprimindo, na tradução do seu défice democrático, uma amputação e desvirtuamento da democracia, dos valores ambientais e, naturalmente, dos direitos das mulheres, nesta perspectiva considerados.
Mulheres, às quais o Tratado da União não confere, como uma leitura mais desatenta poderia fazer crer, nenhum novo estatuto, antes permite perpetuar as discriminações, renovando dificuldades na aprovação de legislação comunitária.
Mulheres, cujos direitos se confinam a preceitos inalterados desde 1957, como o artigo 119.º do Tratado de Roma, que estabelece a obrigatoriedade de os Estados garantirem o princípio da igualdade de remuneração para trabalho igual, entre mulheres e homens, numa perspectiva não de corporização de um direito, mas numa perspectiva economicista, de prevenir distorções na concorrência, através de mais baixo custo de mão-de-obra.
Mulheres, cujo sexo continua, de facto, a ser critério de remuneração de trabalho e factor de suporte concorrencial, não chegando, tão-pouco, o Tratado da União à adopção de um princípio geral de proibição de toda e qualquer discriminação em razão do sexo e à proclamação da igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
Mulheres, que ficam reduzidas a uma visão bem estreita, que só não lhes atribui novos direitos como as circunscreve nas suas discriminações ao estreito âmbito remuneratório, deixando a comunidade sem competências para agir para além deste.
Mulheres, cujas medidas para a igualdade se confinam a possibilidades e não a deveres, à adopção, pelo Conselho, de directivas aprovadas por maioria qualificada e de aplicação não imediata mas progressiva, em prazos que se não estabelecem, ou seja, em futuros que se não cumprem.
Mulheres, que são remetidas a palavras técnicas que não têm sexo e servem de máscara a quem as usa.
Mulheres, cuja cidadania se restringe ao velho patamar da assunção formal da igualdade e não ao novo de uma estratégia que o corporize.
Mulheres, como dizia Virgínia Veiga, Presidente da Associação de Direito e Economia Europeia, que Maastricht escreveu sem M de Mulher.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é pois neste contexto preciso de uma Europa geradora de exclusão, centralizadora, transgressora dos direitos humanos, massificadora e limitadora da democracia, de uma Europa que urge alterar radicalmente nos pressupostos em que se constrói e nos parâmetros que a norteiam, que vemos com grande esperança o papel das mulheres - que resistam à ficção da política, ao discurso das super-estruturas e que, com pés assentes na terra, saibam agir por uma mudança mergulhada no concreto, a qual, por isso mesmo, não pode escamotear as profundas desigualdades no espaço em que se situa.
Há desigualdades entre países e, dentro destes, no desemprego que, hoje, no feminino representa na Comunidade o dobro do dos homens e cerca de 70 % a mais no de longa duração; no salário que, em média, se situa, no caso das mulheres, em menos de 25 % do que o dos homens; no universo profissional pouco diversificado que, no