O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

10 DE MARÇO DE 1994 1543

de crianças e de outros homens, seus aliados no sofrimento da opressão, nasce ao sabor das conveniências do sistema económico, aligeira-se e caminha para o desaparecimento quando o poder político começa a subtrair-se à obediência do poder económico.
Assim, o problema feminino é um problema de direitos humanos, que só conhecerão a plena realização com uma verdadeira democracia; não é um problema de seres com cabelos compridos, porque há seres calvos que têm muito menos dentro da cabeça do que as mulheres de cabelos compridos.
A luta por um sistema democrático que não se limite a um enunciado meramente formal da liberdade e da igualdade, a luta pela democracia participativa cuja realização exige a erradicação do desemprego, da pobreza, da exclusão social é, assim, inseparável da luta das mulheres contra as discriminações.
A este propósito, e para além de muitas mulheres que se destacaram na luta pela liberdade, umas quase anónimas, como Mariana Janeiro, Catarina Eufemia, Alda, a operária têxtil, remetida ao isolamento na linha de fabrico para que a sua palavra não fosse ouvida, gostaria de recordar hoje e aqui Clara Zetkin para sempre ligada à luta das mulheres no sentido correcto do rompimento da exploração.
Clara é recordada com emoção por Aragon nos Sinos de Basileia e de quem este diz: «O que ela diz tem valor porque milhares, milhões de mulheres aparecem nas suas palavras. Ela formou-se como elas não na calma do estudo e da riqueza mas nos combates da miséria e de exploração. Com ela, o problema social da mulher não se coloca diferentemente do problema social do homem».
Em 19 de Julho de 1889, essa jovem mulher de 32 anos, mãe de duas crianças, viúva, sobe à Tribuna da II Internacional, em Paris, e inicia o seu combate político afirmando que o problema das mulheres que trabalham não é senão uma parte da questão social. E acrescenta: «O movimento feminino burguês limita a sua acção pela emancipação à luta contra os privilégios, ao poder do homem e da família, no Estado e na sociedade». E censura-lhes a renúncia à luta contra a escravidão de classe de que é vítima a grande maioria das mulheres.
No essencial, ainda que num ou noutro ponto (que não os atrás anunciados), Clara revisse a sua posição, as afirmações então produzidas continuam plenas de actualidade.
Quando nós afirmamos, em cada Dia Internacional da Mulher, que da lei à realidade vai uma grande distância, que não conseguimos realizar a igualdade consagrada na lei, estamos a reconhecer que não se trata de uma mera questão cultural e que não basta a luta pela mudança de mentalidades.
Que liberdade e igualdade pode haver numa Europa em que os pobres atingem milhões?
Que liberdade e igualdade plenas pode haver numa Europa de desempregados, arredados da participação na vida política?
Como pode, na verdade, conseguir-se a realização da igualdade no nosso país, quando as mulheres aumentam, de uma forma assustadora, o número de desempregados, de trabalhadores com salários em atraso, quando se assiste ao desmantelamento do aparelho produtivo em obediência a interesses supranacionais?
Como pode falar-se em democracia paritária sem discutir-se ao mesmo tempo o modo de tomar efectivo para todas- mas todas mesmo- as mulheres aquela paridade?
Será que as trabalhadoras do Vale do Ave se reconhecem nas reivindicações da paridade quando não recebem salários, quando se vêem forçadas a recorrer ao trabalho clandestino dos filhos, quando não dispõem de rede pré-escolar para as crianças, quando mandam os filhos à escola sem pequeno almoço, quando os recebem em casa à hora do meio dia sem que a escola lhes tenha fornecido o almoço?
A Assembleia da República tem produzido diversas leis, adoptando medidas positivas para combater as discriminações da mulher e, na verdade, a luta pela democratização do sistema político não dispensa, como é óbvio, a adopção daquelas medidas.
Uma dessas leis - a relativa à protecção das mulheres contra a violência - está ainda por regulamentar há três anos. A violência é, de facto, um dos problemas preocupantes na nossa sociedade, nomeadamente a violência sexual, que se alastra de tal forma sobre o sexo masculino que a legislação penal tende a neutralizar o género nos crimes sexuais, o que é típico de sistemas em que se acentua o défice democrático, em que se degradam as condições sociais.
A prostituição masculina, o uso de homens na pornografia, a violência sexual contra os homens têm também atrás de si as mesmas razões que levaram à opressão sexual da mulher e urge tomar medidas no campo social para impedir a multiplicação de vitimações.
Não estando, apesar de tudo, esgotados os meios legislativos destinados a adoptar medidas positivas contra as discriminações, o PCP vai entregar hoje na Mesa mais um projecto de lei que revoga um decreto regulamentar do Governo que quase anula os direitos das uniões de facto perante a segurança social.
A terminar, apenas queremos recordar, em especial ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, que o 8 de Março não ficará recordado pelo alargamento da Comunidade Europeia, pois esse dia devem-no as mulheres portugueses ao 25 de Abril e, mais longinquamente, a Clara Zetkin que, em 1910, num congresso internacional em Copenhaga propôs o dia do ano de 1857 em que, pela primeira vez, operárias têxteis de Nova Iorque fizeram greve como o dia simbólico de exigência dos direitos das mulheres e da expressão de solidariedade e amor pela paz.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra à Sr.º Deputada Ana Maria Bettencourt, o Sr. Secretário Lemos Damião vai anunciar as escolas que hoje nos visitam, às quais expresso, desde já, uma saudação especial.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à nossa reunião plenária alunos da Universidade Portucalense; da Escola C+S de Souto da Carpalhosa de Monte Real; da Escola de Tecnologia e Gestão de Barcelos; da Escola Secundária D. Duarte de Coimbra e da Escola Secundária da Pontinha.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Gostaria de iniciar esta intervenção consagrada à participação política das mulheres, manifestando a minha solidariedade às mulheres vítimas do desemprego e da exclusão social em Portugal, em especial em Setúbal, onde a situação é muito grave.
Há dois dias, quando preparava esta intervenção, telefonei para o serviço sueco equivalente à Comissão para a