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10 DE MARÇO DE 1994 1545

gressiva e avaliada, com um horizonte temporal limitado, como é o caso do SPD na Alemanha.
As baixas taxas de acesso e sobrevivência no mundo político das mulheres resultam, em parte, das práticas partidárias e conteúdo dos discursos políticos pouco motivadores de adesões femininas. Estudar essas práticas e os seus tabus e compreender quais os aspectos que afastam as mulheres seria, sem dúvida, um passo importante. Produziram-se recentemente em França alguns depoimentos e histórias de vida de mulheres políticas reveladores, de modo cru mas interessante, da vida nos partidos. Têm originado debates muitos vivos que, estou certa, serão importantes para a democracia.
As mulheres participam com maior frequência no trabalho político e acção humanitária, que se ligam a áreas como a saúde, a educação, a cultura e as questões sociais. Este trabalho pode e deve constituir um modo de recrutamento político de mulheres. A desvalorização destas áreas conduz muitas vezes ao desinteresse pela participação.
A solução de problemas como a exclusão social, grande drama do nosso tempo, e um desenvolvimento equilibrado, exigirão um trabalho inovador e um grande empenhamento político nestes sectores. Incompatível com essa desvalorização e com a valorização, a meu ver, excessiva dos sucessos e pseudo-sucessos no campo económico, Martine Aubry, ex-ministra do Trabalho em França, tem razão quando diz, no seu livro recentemente publicado, «uma sociedade está bem doente quando prefere os que excluem os homens àqueles que lhes restituem a dignidade».

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.º Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD):- Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção, queria saudar muito vivamente V. Ex.ª e desejar-lhe as maiores felicidades no exercício destas novas funções. Ao mesmo tempo, gostaria de sublinhar o grande entusiasta que a causa que hoje aqui nos convoca sempre teve em V. Ex.ª, enquanto político e Deputado desta Casa.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Laurence da Arábia terá afirmado alguma vez que «Quem fala duas línguas perde a sua própria alma». Vem-me esta frase a propósito de mais uma evocação parlamentar do Dia Internacional da Mulher. Muitos questionam o seu interesse, outros a sua legitimidade. Qual o sentido de trazer a esta Câmara uma intervenção política especificamente sobre mulheres, quando se foi eleito para representar todos os cidadãos e representá-los numa perspectiva universalista, ecuménica por assim dizer. Qual o sentido de usar para seres humanos duas linguagens distintas? Não perderá a alma própria de um Deputado, quem intervier neste tema? E, sobretudo, como intervir de modo a que essa alma não fuja?
Penso que vale a pena aceitar o desafio. Perder a alma nesta circunstância não me parece qualquer risco!
Comemorar este dia é dar por adquirido que, em 1994, caem sobre as mulheres constrangimentos obstruidores do exercício da cidadania plena. E não estando em causa as leis (no essencial prestáveis) é porque os males se verificam no estatuto- estatuto social e político, situação profissional, no mercado de trabalho.
Um sindicato feminino italiano fez recentemente um inquérito interno sobre esta questão. Queriam as promotoras saber que ideia tinham as suas sindicalistas sobre o contrato de trabalho e qual a sua atitude perante a contratação.
Algumas das perguntas mais significativas eram: «Para quem contratas? Para ti ou para outros? Contratas/negoceias sempre ou só quando pensas que tens razão?» E, no final, pedia-se uma definição de contrato de trabalho.
Verificou-se que as respostas tinham quase todas natureza dúplice. Aliavam à definição jurídica clássica de contrato como negócio jurídico, uma outra de «pacto de reciprocidade entre duas pessoas, e dotado de preocupações sociais».
Mas, sobretudo, as respostas evidenciavam uma acentuada procura de legitimação pessoal num mercado de trabalho percepcionado como hostil.
Esta atitude é sintoma de um desajustamento perverso entre as políticas sociais existentes e a mais de metade da população a que se aplicam. Mas desajustamento porquê? Os números com que a economia trabalha desconhecem os domínios em que as mulheres realizam a maior parte do seu contributo social: a produção informal, a produção de subsistência, a produção doméstica e a de voluntariado.
Disto mesmo se dava conta a Conferência das Nações Unidas de Nairobi, em 1985, e avançava com uma proposta para terminar com a invisibilidade deste trabalho nas estatísticas e nas contas nacionais. «Não é possível (...)», concluía-se, então, «(...) continuar a planificar os recursos humanos e as políticas de ajustamento às crises económicas sem ter em conta este manancial disponível».
Alguns países aceitaram o repto. Em Espanha, um conjunto de inquéritos levados a efeito entre 1990 e 1991 permitiu concluir que 67% do número de horas de trabalho realizado pela globalidade dos cidadãos é não remunerado: guarda de crianças e de idosos, outras prestações familiares e trabalho de voluntariado. Deste, cerca de 64% é realizado por mulheres. A sua tomada em consideração nas contas nacionais traria ao PI B um acréscimo de 126%.
Foi-se mais longe e aplicou-se este critério a vários sectores de actividade. Descobriu-se, entre outras coisas, que apenas 12 % dos cuidados de saúde prestados naquele país é prestado por profissionais. Ou seja: que a política de saúde dá por adquirido que 88 % dos recursos disponíveis são estáveis e inesgotáveis, quando é cada vez mais evidente que deixaram de ser. Mais mulheres nas universidades e exercendo actividades diferenciadas significam menor disponibilidade para assegurar algumas tarefas de que depende a subsistência doutros no quotidiano.
O modelo familiar em que a política social se baseia está, pois, cada vez mais ultrapassado. Esperamos que este Ano Internacional da Família contribua para evidenciar este aspecto e para lhe encontrar sugestões oportunas para a mudança.
Também o mercado se estrutura como se os trabalhadores pudessem exercer iguais actividades e rotinas e os mesmos horários. No entanto, parte cada vez mais elevada da população activa é constituída por mulheres, a quem incumbe uma actividade de guarda de crianças quase sempre não articulável com os seus próprios horários de trabalho.
Mesmo nos países escandinavos, que registam o mais elevado grau de equipamentos sociais para as mães trabalhadoras, esta regra existe. Por aqui se entende o que torna complexa a concepção do contrato de trabalho e fragilizante a condição de trabalhadora. Apesar de todos os avanços conseguidos, há uma estrutura social, decerto bem menos crua, de contornos mais suaves do que há trinta ou vinte anos atrás, que continua a ser adversa.
Uma estrutura social que não depende das ideologias, dos programas partidários nos países democráticos e, de algum modo, todos a têm perpetuado; uma estrutura social que conta com a nossa cumplicidade e nos traz, porventura,