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1550 I SÉRIE - NÚMERO 46

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, é para solicitar à Mesa, se os Srs. Deputados também estiverem de acordo, que dê início ao debate com a apresentação de um outro projecto de lei, visto que o Sr. Deputado José Vera Jardim se ausentou da Sala para ir buscar uns documentos e estamos à espera que volte.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Com certeza, Sr. Deputado.
Então, perante o acordo da bancada do Partido Socialista, vamos continuar o debate.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, na qualidade de subscritora do projecto de lei n.º 377/VI.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: São mais de 100000. Ao certo, desconhece-se o seu número. Vieram de longe, de muito longe. De Cabo Verde, de Angola, da Guiné-Bissau, de S. Tomé e Príncipe, de Moçambique. Mais recentemente, do Brasil. Começaram a chegar na década de 70, das então ainda colónias portuguesas. Traziam as mãos vazias. Fugiam da fome, da seca, da guerra. No olhar, o sofrimento mas também a esperança de um futuro melhor.
Eles são os imigrantes clandestinos. Os que, durante anos, ergueram as pontes que outros cruzaram. Os que, durante anos construíram as casas que outros habitam. Os que, durante anos, fizeram as estradas que outros, em carros velozes, percorrem. Os que, durante anos, edificaram as escolas que os meninos de outros frequentam.
Eles são os imigrantes clandestinos. Vieram de outras latitudes em busca de apoio. Laços históricos e culturais uniam-nos. A língua era o património comum. Eles são os imigrantes clandestinos. A maioria não tem instrução formal nem formação profissional.
Contratados por autênticos negreiros, eles trabalham nas mais duras condições. Pagos ao dia, muito deles têm horários violentos, são sujeitos a salários miseráveis, sem condições de segurança, sem qualquer tipo de protecção legal ou social. Sem folgas. Sem férias. Sem subsídios nem de Natal.
Eles são os imigrantes clandestinos. Os que trabalham sem direitos, os que vivem nos estaleiros das obras ou segregados em ghettos nas periferias das grandes cidades, ou nos seus bairros mais pobres. Marginalizados. Em bairros de barracas.
As suas mulheres e o seus filhos, embora mais vulneráveis pelas precárias condições em que vivem e pelo clima que lhes é hostil, não têm qualquer tipo de assistência médica nem são abrangidos pelos cuidados básicos de saúde. Estão totalmente abandonados.
Na escola as suas crianças, mal dominando a língua portuguesa, têm dificuldades de integração e estão condenadas ao insucesso escolar.
Eles são os imigrantes clandestinos e este o universo em que se movimentam.
Em Outubro de 1992, um processo extraordinário de legalização da sua condição de clandestinos foi decretado. Pretendia-se, ao fim de décadas, pôr cobro a uma situação chocante.
Reconhecia-se no diploma que a manutenção de situações de ilegalidade dos imigrantes era ofensiva para Portugal. Afirmava-se ter consequências fragilizadoras perante o desenvolvimento das relações de trabalho. Assumia-se ainda que, pela magnitude do problema, este teria de ter uma resposta excepcional, reconhecendo-se explicitamente que, por razões históricas, o tratamento aos cidadãos originários de países de língua portuguesa era admissível.
Eram, pois, por fim - dir-se-ia-, a preocupação eminentemente social de integração na sociedade portuguesa dos imigrantes e a necessidade de prevenir a marginalização e marginalidade, que norteavam esta decisão.
O processo iniciou-se e, à partida, muitas foram as reservas colocadas. O prazo era exíguo, múltiplas as situações que escapavam ao previsto: dificuldades previsíveis na obtenção de documentos por pane dos trabalhadores, escassez de postos de recepção, horários desajustados, impreparação dos funcionários destacados e a ausência de uma grande campanha de informação adaptada aos seus destinatários e de medidas geradoras de confiança eram apontadas com apreensão.
O processo terminou não sem que, antes, muitos dos que, com mais atenção, o tinham seguido, nomeadamente Os Verdes, tivessem deixado de alertar o Governo para as dificuldades do processo e para o clima de insegurança e medo que, à boa maneira de Schengen, tinha sido criado: as rusgas entretanto multiplicadas, as notificações, os incidentes com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a «inexplicável coincidência» da aprovação de um novo regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros. Razões estas que nos levaram, por fim, a apresentar um projecto de prorrogação do prazo previsto e que o Governo e a sua maioria obstaculizaram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, concluído o processo e feito o balanço em Dezembro, o número de pessoas abrangidas pelo processo de regularização extraordinária é, independentemente do rigor dos números que não pode obter-se, largamente inferior ao desejável e abrangeu cerca de metade do número estimado de imigrantes, sendo, por isso mesmo, alarmante a situação. Alarmante não por catastrofismo ou para fazer jogos eleitoralista, mas por realismo perante uma situação que não pode nem deve ser escamoteada.
Milhares de pessoas ficaram de fora. Eles são os imigrantes clandestinos. Não os novos mas os antigos. E ignorá-lo seria hipocrisia pura.
Eles são imigrantes clandestinos e tolerá-lo é aceitar a segregação de seres humanos, que continuarão a viver amputados dos seus direitos humanos, em Portugal.
Eles são imigrantes clandestinos e condescender é legitimar a existência de uma reserva de mão-de-obra barata que, mergulhada no terror, sobrevive. Eles são imigrantes clandestinos e não lhes dar nova oportunidade é ser cúmplice do apanhei social a que continuarão remetidos. Eles são imigrantes clandestinos e mante-los como tal é mante-los indefesos e facilitar a banalização da violência, do abuso e do arbítrio que contra si se abatem. Eles são imigrantes clandestinos e nós não queremos que o sejam mais.
Queremos que sejam cidadãos por igual, seres humanos que, como nós, possam viver, livremente e à luz do dia, sem ser acossados pelo medo, com direitos e a possibilidade de os exercer.
É, pois, uma situação que não pode ser silenciada, uma responsabilidade a que o Governo não pode furtar-se, fingindo-se de avestruz, metendo a cabeça na areia, fazendo de conta que está tudo bem, limitando-se a falar friamente da necessidade de cumprir a lei ou a evocar artifícios legais a que, supostamente, milhares de pessoas pudessem recorrer como forma de se desresponsabilizar do processo que, hipoteticamente, assim teria fim.
Sr. Presidente, Deputados: A situação dos imigrantes tem de ser resolvida sem ficções nem mentiras. Com uma poli-