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1552 I SÉRIE - NÚMERO 46

nos jornais. Tudo a propósito de um caso acidental e exemplar que, aliás, tem menos a ver com a imigração do que com o exercício de direitos humanos fundamentais mas que serviu para alargar um debate que, em muitos casos, estava por fazer, sobre a nossa imigração, os nossos imigrantes, as condições em que vivem, as condições em que estão ou não inseridos na sociedade portuguesa.
Algumas conclusões, pelo menos prévias, podem extrair-se desse debate.
A primeira é a da grande desinformação que existe na sociedade portuguesa sobre os problemas da imigração. Aliás, muitos dos intervenientes no debate confessaram, explicita ou implicitamente, uma enorme falta de informação.
A segunda conclusão é a de que o Governo, para além de um discurso muitas vezes demagógico, tem imensas dificuldades em levar a cabo uma verdadeira política de imigração.
Ficámos a saber que em Portugal, país tradicional de emigração e que tem no estrangeiro cerca de 4,5 milhões de portugueses, quem dirige os problemas da imigração é, tão somente, o «ministro das polícias», cuja palavra-chave, em matéria de imigração, é a de que não entra nem mais um em Portugal. Quanto ao resto: zero, nada!
O PS foi o primeiro partido a apresentar, nesta Câmara, um projecto para regularização da situação de clandestinidade em que se encontravam dezenas de milhares de imigrantes. Apresentou-o logo no início da legislatura e só em Outubro de 1992 o Governo veio a apresentar a sua própria proposta de decreto para a regularização extraordinária.
Sempre o PS afirmou que em volta destas matérias da imigração se devem gerar os mais amplos consensos possíveis. São matérias que devem ser afastadas da discussão meramente político-partidária e encaradas como elas são, ou seja, como matérias fundamentais para a segurança, para a política externa e para a coesão da sociedade portuguesa. Como tal, é exigido e exigível, a todos os partidos, um grande consenso nacional.
Como decorreu o processo de legalização dos clandestinos? Infelizmente, decorreu mal. Assim, malgrado os avisos lançados pelo Partido Socialista e por outras forças políticas, nesta Assembleia e fora dela, malgrado os avisos lançados pelas associações de imigrantes e de igrejas, católicas e outras, e pelos movimentos sindicais sobre os defeitos da lei e das estruturas que estavam montadas, a verdade é que o processo foi levado a cabo sem olhar a esses vários avisos e acabou por correr mal.
Por que é que dizemos que correu mal? Dizemo-lo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque os números falam por si. Em meados de 1992, o Sr. Ministro da Administração Interna afirmava, na comunicação social, que existiam em Portugal cerca de 80 a 100000 clandestinos. Já então, a enorme disparidade entre os 80000 e os 100000 dá bem a ideia da falta de informação que, naturalmente, o Ministério tinha e, infelizmente, continua a ter sobre o número de clandestinos existentes em Portugal.
Ora, para este número de imigrantes clandestinos, quais foram os resultados da operação de legalização? O Ministério contava, a certa altura, legalizar cerca de 70 000 pessoas, mas esses números não foram confirmados no final do processo. Apenas foram concedidas 38 500 autorizações de residência, o que significa que há um enorme fosso entre as 38 500 autorizações de residência conferidas e os 80 a 100000 imigrantes clandestinos existentes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, nestes 38 500 já estão incluídos todos aqueles que já antes da abertura do processo de legalização extraordinária tinham feito pedidos para legalizar a sua situação em Portugal e cujos processos estavam jazendo no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que não lhes dava vazão. Com efeito, encontravam-se nesse serviço cerca de 22 500 pedidos de legalização à espera de despacho, que iam saindo muito lentamente porque as estruturas não tinham capacidade de resposta.
Assim vejamos: se tirarmos dos 38 500 - número oficial dado pelo Ministério da Administração Interna- os 22 500 que já lá se encontravam na abertura do processo, chegamos à conclusão que nem 20 000 pessoas terão sido abrangidas pelo processo de regularização extraordinário.
É certo que muitos daqueles que já tinham entregue pedidos de regularização antes da entrada em vigor da lei tomaram a entregar pedidos e, portanto, este número pode não ser definitivo e ter algum defeito- defeito que não sabemos calcular. Em todo o caso, esta não foi, efectivamente, uma operação com êxito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se as contas são o que são, e estou a falar das contas do Sr. Ministro da Administração Interna, cujo cálculo, aliás, não é muito afastado dos que normalmente fazem as próprias associações de imigrantes ou as organizações ligadas à Igreja que têm acompanhado toda esta questão, se os números do Ministério da Administração Interna são verdadeiros - e temos de aceitar que sejam - terão ficado por legalizar um mínimo de 40 000 e um máximo de 60000 imigrantes. Repito, fiz as contas sempre usando os números dados pelo Sr. Ministro da Administração Interna!
Trata-se, portanto, de um processo que falhou nos seus objectivos de legalizar uma grande parte dos clandestinos que se encontravam em Portugal. Efectivamente, legalizou bastantes, mas apenas uma percentagem que não ultrapassou - segundo os números de que nos estamos a servir - os 50 % de clandestinos existentes em Portugal na altura.
O processo de legalização decorreu assim porque tinha erros e deficiências várias, já indicados na intervenção antecedente, sobres os quais se tem também gerado um grande consenso.
Desde logo, houve deficiente esclarecimento da população visada. É o caso dos muitos anúncios e spots que foram transmitidos na televisão durante a tarde, sem que a maior parte dos visados os pudessem ver; houve pouco ou quase nenhum apoio às associações de imigrantes para que se pudesse, no terreno e activamente, criar um clima de confiança essencial à condução de operações deste tipo; houve um reduzido número de postos de recepção- basta dizer que só na fase final do processo e mediante a meritória acção, aliás, de algumas autarquias, entre as quais é de salientar a Câmara Municipal de Lisboa, se pôs à disposição de algumas associações certos locais para que pudessem distribuir folhetos, alertando os imigrantes para a necessidade da sua legalização - que, além do mais, não se encontravam nas freguesias, nas localidades ou nos sítios onde os clandestinos vivem.
Em suma, um processo tipicamente burocrático, afastado daqueles a quem se dirigia, numa posição que, durante quase todo o período da legalização, foi apenas a de estar à espera que os imigrantes se decidissem a ir aos poucos postos que havia para esta operação. Além do mais, o número de funcionários era exíguo e os funcionários tinham pouca preparação para uma operação deste tipo.
Não somos, aliás, só nós que o dizemos, nem só outras forcas partidárias ou associações de imigrantes! É a própria directora do serviço que conduziu esta operação - chamado Gabinete Técnico - que, em declarações a um jornal diário, veio dizer que se tivesse de conduzir um outro processo de legalização o faria com outros meios, de outra maneira e melhor, evitando os muitos erros que foram fei-