1542 I SÉRIE -NÚMERO 46
feminino, ainda se concentra em profissões como o ensino, a enfermagem, o trabalho de secretariado, os serviços domésticos não raro pouco qualificados e mal remunerados.
A essas desigualdades juntam-se obstáculos na concretização de direitos dos cidadãos e das mulheres em particular o desajuste de horários, de preços, de férias e de características dos equipamentos sociais de apoio específicos, muito particularmente, enquanto mães; a escassez de soluções sociais ajustadas à realidade actual; as dificuldades de acesso à habitação que a expressão cada vez mais plural das suas opções familiares encontra; a penalização de que é objecto pela escolha da maternidade; as discriminações de que ainda é socialmente alvo pelo livre uso do seu corpo e da sua sexualidade.
Em Portugal, como na Alemanha, as mulheres sabem que a desigualdade e os obstáculos referenciados não constituem questões arrumadas, de outras gerações, do passado, fora de moda e que são paradoxalmente, mais do que nunca, dos nossos dias.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito se tem falado ultimamente na participação das mulheres nos órgãos de poder e se partido há que, sem constrangimentos, o possa fazer, é o caso de Os Verdes, defensores de uma diferente partilha do poder para que, nos Parlamentos, não faça mais sentido continuar a perguntar por que razão 90 % dos seus membros têm de fazer a barba todas as manhãs.
Esse poder que existe quer questionar-se, desafiar-se e transformar porque se exigem outros valores, outro sentido para o desenvolvimento, outro futuro.
A mudança que se reclama não é, pois, linear nem de fachada. Tem uma dimensão cultural mas é, obviamente, mais radical, profunda e global, é económica, social e política. É uma questão de modelo de desenvolvimento, de requalificação de conceitos, em que democracia é indissociável da participação de mulheres e homens, em igualdade, juntos, a moldar um futuro mais democrático, ecologicamente equilibrado e, por isso mesmo, mais profundamente humano.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O CDS-PP quer que o sentido das comemorações deste dia passe para lá da rotina, dos usos e da linguagem conhecida que, ainda que com bom sentido, frequentemente os comemoradores oficiais usam.
Pela parte do Parlamento, a comemoração deste Dia Internacional da Mulher, que ontem passou, merecia que fizéssemos um balanço sereno e rápido sobre a forma como contribuímos para o seu significado.
Devo dizer que serão raras as sessões legislativas em que tanta coisa se tenha feito em prol do significado que está ligado a esta comemoração. Lembro que esta Câmara adoptou iniciativas legislativas em matéria laborai profundamente inovadoras, ainda que tenha de confessar a reserva com que o CDS-PP as encarou e, por outro lado, também emprestou todo o seu significado à realização do recente Parlamento Partidário cujo balanço, do ponto de vista do CDS-PP, é, apesar de tudo, positivo.
Julgo que esta comemoração em que se lembra os direitos das mulheres, as suas lutas e funções sem qualquer redução será sempre útil, pelo que rejeitaremos palavras de rotina, de esquecimento, simplesmente emblemáticas.
Devo acrescentar, com toda a consciência do que faço - e certamente que a causa das mulheres, que hoje saudamos, não me levará a mal -, que vou aproveitar algum do tempo que é concedido especialmente para o efeito para lembrar outro acontecimento também ligado a este dia e cujo profundo significado ainda não estamos em condições de apreender. Repito que assumo todas as consequências por falar do estado em que se encontram as negociações sobre o alargamento da União Europeia.
Do ponto de vista do CDS-PP, o país assistiu com grande desconhecimento de causa do medo como Portugal interveio nessas negociações e apenas conhece os novos aderentes à União tratados pela propaganda oficial como países de grande capacidade contributiva. O país desconhece o que nessas negociações foi concedido a Estados que aderem à União em condições de poder afirmar que, com esta adesão, a União tem mais a ganhar do que eles próprios e que não poderemos deixar de conhecer tudo o que nela está implicado.
Como esse desconhecimento não se verifica só da parte da opinião pública, mas também desta Câmara, fazemos votos para que o Governo possa, brevemente, explicar todo esse processo que já causa agitação nos meios especialmente ligados aos assuntos em causa- a agricultura e pescas -, que urgem uma rápida e clara clarificação.
Julgamos que não retiramos o mínimo de dignidade a esta intervenção e a esta saudação à causa das mulheres utilizando o tempo que lhe está destinado para fazer este aviso e para pedir este esclarecimento.
O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reflexão sobre o sentido da luta das mulheres pela sua emancipação, sobre as razões da sua opressão, sobre os objectivos a prosseguir conhece os mais variados matizes. Em nossa opinião, alguns dos caminhos ensejados procuram tomar invisível, ou ingenuamente esquecem, as verdadeiras causas da discriminação.
A norueguesa Tove Dahl, num livro recentemente editado em português, O Direito das Mulheres, aliás, de leitura indispensável, analisa criticamente', posições ideológicas sobre a questão feminina de uma fornia muito discutível e, aliás, errada no que toca à posição do movimento feminino marxista. Se, por um lado, aquela autora critica com justeza o feminismo liberal que reduz as causas da discriminação da mulher a um mero problema cultural, de mentalidades, por outro, tem uma perspectiva reducionista sobre as análises feitas através dos tempos, por homens e mulheres, interpretando a história à luz das concepções de Marx.
Com efeito, não é verdade que - e passo a citar - «a tradição marxista aluda apenas a determinados aspectos da vida das mulheres».
Que a discriminação da mulher sempre foi um problema de direitos da pessoa humana (afirmação que agora começa a surgir com insistência, e veja-se, por exemplo, a intervenção de Eliane Polky, da Universidade de Bruxelas, no Seminário Construir a Igualdade), que a discriminação da mulher se inseria rum problema mais vasto de opressão dos desfavorecidos pela classe dominante, sempre foi afirmado pelo Partido Comunista Português.
De facto, não podem ignorar-se os diversos estudos de etnólogos e sociólogos que, debruçando-se sobre o passado, vieram revelar a estreita ligação entre a condição da mulher e a propriedade e a concentração de riquezas.
A célula familiar evoluiu com os movimentos de estruturação do sistema económico. A penalização das mulheres,