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22 DE ABRIL DE 1994

2017
0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

0 Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Srs. Membros do Governo: 0 Plano Hidrológico Nacional Espanhol entrou na agenda política nacional e tornou-se num dos temas mais quentes do dossier ambiental.
Esse plano algo megalómano reflecte uma visão hoje porventura ultrapassada, sendo um documento típico de um Estado modernizador e tecnocrático e, além do mais, prepotente quanto à utilização dos rios que desaguam em Portugal. Tributário de uma filosofia, hoje contestada e mesmo recusada, das relações do Homem com a Natureza, o Plano Hidrológico Nacional Espanhol não se contenta em regular, ordenar, rentabilizar e distribuir melhor os recursos hídricos da Península.
A concepção desse plano é inspirada pela velha mania de dominar a Natureza, manipular as forças naturais e submetê-las a critérios meramente económicos e de índole utilitária. As experiências de gigantismo no domínio hidráulico que se têm feito um pouco por todo o mundo estão hoje manifestamente em crise e a ser repensadas e não se compreende por que é que na Espanha se está a fazer uma experiência desse tipo.
Essa estratégia de relacionamento do Homem e das sociedades com a Natureza e, no caso vertente, com os rios ibéricos é completamente inaceitável. Impõe-se nos dias que passam um espírito de cooperação com a Natureza; recusa-se cada vez mais, por ser perigoso e contraproducente a longo prazo, o espírito de violentar e manipular a Natureza e de sujeitá-la aos caprichos da vontade humana.
Os efeitos perversos gerados pelas grandes intervenções do Homem no meio natural em virtude, nomeadamente, de grandes obras de engenharia, são hoje sobejamente conhecidos, bastando deixar que o tempo faça o seu percurso e os ecossistemas possam reagir às agressões de que são alvo. Hoje é preciso - e estamos em pleno tema ambiental - um novo contrato natural. Um dos traços característicos da vida intelectual do fim de século é o regresso da grande tradição da filosofia contratualista ilustrada por Hobbes, Locke e Rousseau. Só que o contrato é agora pensado não à escala de uma sociedade mas à escala do globo, não se destinando a regular apenas as relações do homem com o homem - seja ele intrinsecamente bom ou mau por natureza, conforme as filosofias - mas as relações dos homens entre si e com a Natureza. Os rios têm de ser objecto desse novo contrato natural.
Os rios são para os homens componentes essenciais da Natureza e da sua própria vida; os rios são como seres vivos, têm história e memórias, fazem parte da identidade de civilizações, povos e nações. Milan Kundera, na sua obra-prima A Insustentável Leveza do Ser - e cito de memória -, condena a crescente fealdade que invade a Natureza, condena o ruído universal que se propaga por todo o lado e fala dos rios, invertendo a bela metáfora de Heraclito do fluir do tempo como as águas de um rio, figurando com isso a perpétua mudança do ser, dizendo que os rios é que permanecem e os homens correm permanentemente nas suas margens.
Vem tudo isto a propósito das repercussões vastas e temíveis do Plano Hidrológico Nacional Espanhol sobre os rios portugueses, mas sobretudo sobre um rio - o Douro.
É que o Douro não é um rio qualquer - se é que há destes rios. Além de uma identidade física bem marcada com o seu leito, margens e caudal, o Douro é referência de uma cultura, com as suas lendas, os seus mitos, as suas ficções, os seus valores estéticos e paisagísticos e as histórias dos homens que há milénios vivem nas suas margens. 0 Douro é rio que banha o país vinhateiro.
Desviar uma parte importante do seu caudal é como que uma profanação, assim a sentem os povos da região duriense. É, enfim, correr o risco de descaracterizar o rio.
Afinal retirar 12 % do seu caudal, nos cálculos mais modestos, para matar a sede das zonas desérticas da Andaluzia não é pequena coisa, se se tiver em conta que, nos últimos 20 anos, o Douro já perdeu 20 % do seu caudal.
Em anos hidrologicamente secos, as albufeiras das barragens poderão transformar-se em gigantescos charcos e a corrente ficar reduzida a um fio de água.
0 peculiar ecossistema da região duriense pode ser, a médio prazo, afectado, o prestígio dos seus vinhos atingido, as suas enormes potencialidades turísticas lesadas, sobretudo se tivermos em conta que outras ameaças pairam sobre o rio, nomeadamente a ameaça, nunca definitivamente afastada, do cemitério nuclear de Aldeadávila.
Os prejuízos na produção energética das suas nove barragens são os mais quantificáveis e evidentes. Há responsáveis que dizem poderem ser aqueles compensados financeiramente, mas esses são os mesmos que estão dispostos a tudo sacrificar em troca de mais umas verbas provenientes dos fundos comunitários ... !!!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso combater o Plano Hidrológico Nacional Espanhol, nomeadamente os efeitos sobre o Douro. É preciso fazer recuar o Governo espanhol. É preciso oferecer uma resistência tenaz à aplicação integral deste plano.
Não se está contra a ideia de proporcionar água para as necessidades humanas nas zonas mais secas da Ibéria. 0 que se recusa é que a água seja transferida da Ibéria húmida para a Ibéria seca para alimentar gigantescos e perdulários perímetros de rega.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 País acordou para este gravíssimo problema, depois de um longo período em que o Governo se empenhou em minimizá-lo, ocultá-lo da opinião pública, exibir um conhecimento que não tinha e mesmo ofender aqueles que despertaram o País para um assunto tão vital como este. Raramente se viu tanta presunção, ignorância e mistificação como nesta matéria.
Felizmente, o cenário mudou por completo. Graças, há que o reconhecer, ao novo estilo imprimido ao Ministério do Ambiente pela Sr.ª Ministra do Ambiente,...

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - ... estilo mais aberto e verdadeiro e graças, sobretudo, ao Sr. Presidente da República que fez do Plano Hidrológico Nacional Espanhol e do desvio do caudal do Douro um dos pontos fulcrais da Presidência Aberta sobre o Ambiente.

Aplausos do Deputado do PS Joaquim Silva Pinto.