22 DE ABRIL DE 1994
2021
riços dos rios e contemplam apenas aspectos quantitativos relativamente a uma das múltiplas utilizações possíveis da água, a produção de energia eléctrica. Os convénios são acordos de âmbito muito limitado, não abrangendo as bacias hidrográficas no seu conjunto, sendo ainda omissos no que respeita à qualidade da água
Não consta ainda dos textos dos convénios, de forma explícita, a garantia de caudais que a Espanha se obrigue a deixar escoar para Portugal, para além de uma referência aos caudais mínimos de estiagem e de uma outra, algo ambígua, aos caudais «necessários aos usos comuns». Os caudais considerados no cálculo do potencial hidroeléctrico a partilhar não constam do texto dos convénios, mas apenas das actas das reuniões da comissão luso-espanhola. Estas actas têm valor jurídico controverso, podendo implicar recurso à arbitragem do Tribunal Internacional de Justiça, conforme estipulam os próprios convénios.
Acresce que, à luz dos convénios, existe uma disposição que, embora proibindo explicitamente o desvio de água de troços colaterais dos troços transfronteiriços dos rios, é omissa sobre o que se passa a montante dos troços fronteiriços.
Dizia o Eng.º Veiga da Cunha: «Se tivesse havido há vinte anos» - e não há 10 anos, como há pouco foi referido - «a clarividência de celebrar com a Espanha um bom acordo de utilização dos recursos hídricos transfronteiriços, este acordo seria, por certo, muito mais favorável do que um acordo agora negociado». Devo referir, a este propósito, que esse engano de 10 anos na citação há pouco feita pelo Sr. Deputado trazia alguma «água no bico». Mas, se atentar no texto original, verificará que o Eng.º Veiga da Cunha fala de há 20 ou mesmo 30 anos.
Partilhamos da reflexão que acabei de citar, pois houve falta de iniciativa nacional para conseguir celebrar convénios de âmbito mais vasto, quando há duas ou três décadas era relativamente pequena a pressão sobre a utilização da água.
Ao contrário de outros, que recentemente despertaram para as potencialidades de apenas explorarem uma campanha de «agit/prop», em torno de uma questão séria para os portugueses, assumimos a nossa quota-parte de responsabilidade por não termos atacado decididamente um problema que o antigo regime deseurou e o PREC esqueceu. Maior responsabilidade haverá, porventura, a partir do momento em que - não o esqueçamos - a Espanha lançou, em 1982, os primeiros documentos de trabalho com vista ao plano hidrológico espanhol e não lançámos um decisivo grito de alerta aos governos da altura.
A cimeira ibérica de Maiorca colocou pela primeira vez ao mais alto nível a discussão sobre o problema, tendo os chefes de governo decidido a criação do grupo de trabalho que funciona, envolvendo os ministérios do ambiente dos dois países. Acompanhamos com ansiedade e expectativa a evolução dos trabalhos, sabendo-se do contributo importante que também vem sendo dado por técnicos e organizações especializadas não oficiais, bem como das acções de sensibilização que têm vindo a ser desenvolvidas pelo Governo em Bruxelas, mas considerando que Portugal exige não poder ser prejudicado no reflexo de eventuais intervenções unilaterais nas três maiores bacias compartilhadas exclusivamente por Estados da União Europeia.
0 fórum de negociação política aberto - prenúncio de atitude razoável da Espanha, a corrigir mão de um processo onde se exigia maior transparência do país vizinho para com Portugal - tem de ser explorado com grande firmeza e eficiência política, para que seja possível compensar as desvantagens com que nos confrontamos, fruto das razões que anteriormente referi de modo sumário.
Julgamos que um acordo global é premente, cobrindo as bacias hidrográficas transfronteiriças e as múltiplas utilizações da água, quer no plano quantitativo, quer no qualitativo, bem como a definição de organismos mais eficazes no acompanhamento e gestão dos acordos a estabelecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejamos que este debate, que oportunamente foi decidido agendar, sobre a problemática dos recursos hídricos, decorra em moldes profundos, sem a demagogia fácil a que a oposição nos vem, infelizmente, habituando, quando, em outras ocasiões, nos debruçamos sobre um assunto tão importante, vasto e complexo como o dos recursos hídricos.
0 Governo tem já hoje traçados, claramente, os princípios políticos que orientam o sector, tendo vindo a concretizar os passos básicos para lhe dar corpo. Permitam que os reproduza sumariamente, sendo um assunto que toca a todos os portugueses e, também, antecipando o calisto argumento niilista - convenhamos, aliás, algo preguiçoso e pouco imaginativo -, com que o Partido Socialista, particularmente, nos costuma brindar nestes debates, e brindou hoje, conforme vimos, na intervenção do Sr. Deputado José Sócrates.
A primeira linha que o Governo definiu, claramente, informa-nos da declaração de prioridade à política de recursos hídricos, no âmbito da política ambiental; da reestruturação ocorrida no Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, com a criação do Instituto da Água e das direcções-regionais do ambiente e recursos naturais; da abertura concretizada do sector do saneamento básico à iniciativa privada, através da revisão da lei de delimitação de sectores e da criação do regime de concessões; da recente aprovação de três diplomas essenciais, o planeamento dos recursos hídricos por bacias hidrográficas e a nível nacional, o licenciamento extensível a todos os utilizadores da água e o regime económico e financeiro, com a introdução dos princípios do utilizador/pagador e do poluidor/pagador.
Este novo quadro político e legislativo é, em si coerente, substituindo dezenas de diplomas - alguns em vigor há mais de um século - e incorporando alguns dos conceitos e princípios mais actualizados no sentido de uma boa gestão dos recursos.
Temos consciência de que o quadro traçado exigirá ainda grande esforço até estar integralmente aplicado e de que o caminho a percorrer encerra alguns riscos e dificuldades. Nomeadamente, espera-se que todos os utilizadores da água venham prontamente a contribuir para o recurso que consomem ou utilizam, a começar pelos mais representativos, como sejam, designadamente, os produtores de hidroelectricidade. Só a efectiva e pronta aplicação do princípio da universalidade pode permitir atingir a situação desejável da futura autonomia financeira das bacias hidrográficas, único modo de possibilitar uma gestão eficiente daquelas e a realização das obras e infra-estruturas necessárias.
A nosso ver, é desejável que não sejam os portugueses a«financiar a água» enquanto contribuintes, mas apenas na justa dimensão da utilização e dos consumos de cada um.
Preocupa-nos ainda a funcionalidade da gestão cometida às direcções-regionais do ambiente, quando se tra-