20 DE MAIO DE 1994 2397
Tudo factores, que nos são próprios (aqui sim, somos, de certo modo, originais), a somar àqueles que são comuns a todas as economias neste fim de século e que explicam a existência de desemprego que não depende apenas da evolução da conjuntura, mas que está ligado às mudanças gigantescas impostas pela evolução tecnológica e pelas novas oportunidades ligadas à mundialização do comércio.
E tudo se complica ainda mais quando sabemos que a mudança acabou por ter que se fazer num contexto europeu que, apesar de tudo, vai continuar depressivo - ao menos no que toca ao emprego -, o que significa que a saída da emigração acaba por estar menos garantida do que em oportunidades passadas de reestruturação produtiva. Isto, apesar de todas as consequências, mais ou menos práticas, da liberdade de circulação, conquistada com a instalação do mercado único e teoricamente reforçada com o estabelecimento da cidadania europeia.
Ora, é perante esta situação de crise, num contexto de mudança profunda, traduzida, sobretudo, por uma evolução alarmante da variável do emprego, que se foi chegando, um pouco por toda a parte, à necessidade de reavaliação das políticas sociais, principalmente das políticas de protecção social e de educação.
No fundo, a questão que, em termos gerais, aparece colocada nos chamados Livros Branco e Verde, organizados no âmbito comunitário, é a que consiste em saber se é ou não possível compatibilizar a mudança estrutural em curso, a recuperação da conjuntura e a criação de emprego com o modelo de Estado social consolidado na Europa na sequência da II Guerra Mundial.
Questão sem dúvida dramática, principalmente para quem lhe vai sentir os efeitos, mas que não pode mais ser escamoteada.
E entre nós? O que se passa entre nós, neste domínio? O panorama é sobretudo muito confuso, com versões oficiais a sobreporem-se a iniciativas individuais, por isso decidimos, CDS-PP, tomar a iniciativa desta interpelação.
Na sequência do que tem vindo a passar-se um pouco por todo o lado vamos isolar a questão em torno das políticas de protecção social, no seu sentido mais estrito, ou seja, a que respeita directamente à segurança social, à saúde e ao emprego.
O nosso intuito é, fundamentalmente, o de tentar desvendar o que se passa, quais são, neste domínio, as verdadeiras intenções do Governo e, ao mesmo tempo, avançar com algumas sugestões de simples enquadramento, apesar de todos os constrangimentos que, no nosso sistema político são inerentes, primeiro à condição de simples Deputado e, depois, à de Deputado da oposição.
Quero com isto dizer que o nosso sistema e condições de trabalho favorecem o discurso parlamentar crítico, em detrimento do discurso e do trabalho construtivo. É sem dúvida, o discurso crítico, indispensável ao regime democrático, mas arrisca-se a não ser suficiente.
E feito este desabafo, direi que a posição do Governo nesta matéria parece-me dominada por três características fundamentais.
Ao contrário do Engenheiro Guterres, e apesar de ser cristão/católico como ele, não direi que se trata de três pecados capitais ou veniais, até porque não sei se depois de ouvidos os responsáveis estaremos na disposição de perdoar... Direi, sim, que se trata de faltas graves que, além do mais, impedem o claro delineamento de soluções indispensáveis.
São elas: primeiro, a tentativa permanente de escamoteamento dos problemas que afectam os três sectores, com claro destaque para a segurança social; segundo, a fragilidade estratégica e a instabilidade das soluções pontuais que, apesar de tudo, têm vindo a ser tentadas ao longo dos governos do Professor Cavaco Silva; terceiro, a marca eleitoralista que tem dominado grande parte das medidas tomadas, sobretudo, repito, em sede de segurança social.
Comecemos, pois, pela primeira falta: a tentativa de escamoteamento da realidade em matéria de segurança social.
Há ou não entre nós um problema sério com a segurança social? Está ou não esgotado e a chegar ao fim das suas forças o sistema de distribuição, sem dúvida iniciado com o alargamento da Previdência aos rurais, em 1969, continuado em finais de 1973 com a redução dos períodos de garantia para concessão de pensões e que atingiu a sua plenitude com a universalização das prestações, própria de um sistema de segurança social consagrada depois de 25 de Abril de 1974?
Pela nossa parte, concluímos no sentido da afirmativa e estamos em crer que os sobressaltos sentidos no Verão do ano passado, com atrasos de pagamentos de prestações em quase todo o país, não podem ser consideradas como um problema passageiro, fruto de uma situação orçamental particularmente deteriorada, mas já ultrapassado com o auxílio das medidas entretanto tomadas em Setembro.
Os números estão aí a demonstrar que há uma questão de fundo a resolver, no âmbito do nosso sistema de segurança social. Aliás, esses números foram trazidos à reflexão da Assembleia em relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, datado de 6 do corrente mês de Maio, que teve como relator o Deputado do PPD/PSD, Branco Malveiro.
Como resultado da acção conjugada de vários factores, nesse relatório identificados, desde a evolução demográfica aos saldos dos movimentos de emigração, passando pelo envelhecimento da população, pelos desequilíbrios entre sociedade urbana e sociedades rurais e pelo refluxo das populações vindas das antigas províncias ultramarinas, chegou-se a uma situação em que o número de pensionistas cresceu entre 1970 e 1992 de 165 OOO para 2,3 milhões e em que no mesmo lapso de tempo o ratio entre trabalhadores activos e pensionistas passou de 11,3 para 1,7.
Quer dizer, enquanto nas vésperas do alargamento da velha previdência aos rurais havia, em Portugal, 11 trabalhadores no activo para cada pensionista, no fim de 1992, volvidos cerca de 15 anos sobre a passagem a um regime de segurança social com sistema de distribuição pura, não chega a haver dois trabalhadores no activo para cada pensionista.
Nesta linha, as despesas correntes do nosso sistema de segurança social (apenas as registadas no orçamento anexo ao Orçamento de Estado) subiram de 371,1 milhões de contos, em 1986, para 1120,7 milhões de contos no Orçamento do Estado de 1993, o tal que se não mostrou, mesmo assim, suficiente para satisfazer todas as solicitações que foram dirigidas ao sistema.
Por sua vez, é sabido que o Estado, através do seu Orçamento, não cumpre, neste domínio, aquilo a que está vinculado pela Lei de Bases da Segurança Social e apenas a partir da aplicação desta começou a contribuir de modo visível para o financiamento do sistema, sendo certo que não tomou ainda a seu cargo, como devia, a totalidade dos regimes não contributivos e a acção social.