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2398 I SÉRIE - NÚMERO 74

E onde o Estado não cumpre, os contribuintes sentem-se, ao menos moralmente, autorizados a não cumprir, e em parte por isso as dívidas de contribuições subiram, entre 1985 e 1992, de 95,2 para 253,1 milhões de contos, constituindo hoje um dado do comportamento empresarial a selecção da segurança social como o primeiro financiador das empresas, sempre que há dificuldades a enfrentar. Solução que conta, ao que parece, com o beneplácito do próprio Primeiro-Ministro.
E sendo assim no presente, a situação não se apresenta com boas perspectivas em termos de futuro. Isto é, os dados que a condicionam não são susceptíveis de melhorar.
Assim, em estudo encomendado há já uns anos pelo Governo aos Professores Diogo Lucena e António Borges, da Universidade Nova de Lisboa, mas não revelado até agora à Assembleia, concluía-se que, a manterem-se os dados da questão, em termos de enquadramentos institucionais fundamentais, o défice acumulado da Segurança Social passaria de 1,6 % do PIB, em 1987, para 338,3 %, em 2050.
Num comentário aparecido num jornal diário na Primavera do ano passado- o ano de todas as crises, pelos vistos! - afirmava-se, a dado passo, que «quatro anos volvidos sobre a apresentação do estudo a realidade confirmava a ideia de que as despesas crescem exponencialmente, enquanto que as receitas permanecem num regime de quase estagnação», ou correm mesmo o risco de se reduzir em função da crise sofrida pela economia, acrescentamos nós.
E perante tudo isto, que atitude tomou o Governo? Até ao ano passado, enquanto a contribuição do Orçamento do Estado pôde ser contida em limites razoáveis, o Governo ignorou a situação, ou melhor, iludiu a situação e, mais do que isso, contribuiu periodicamente para o seu agravamento, com maior ou menor intensidade, conforme o calendário eleitoral. Quanto ao estudo, encomendado aos professores referidos, entendeu que algumas das conclusões tiradas eram discutíveis e, por isso, considerou aconselhável continuar a protegê-lo no segredo dos gabinetes ministeriais.
No ano passado, preocupado, sobretudo, com a evolução da situação orçamental, em geral, e com o salto dado pelo próprio orçamento da segurança social, o Governo tomou medidas de contenção e desfez boa parte do que até então tinha feito no sentido do agravamento, impondo um limite, um tecto, às actualizações das pensões mínimas regulamentares.
Fê-lo, porém, com recurso às mais puras técnicas de ilusionismo de que foi possível lançar mão, sem nunca admitir que a situação já era grave e podia conhecer desenvolvimentos mais graves ainda.
Basta ler o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, obra-prima de ilusionismo político, pela qual, desde já, felicito os seus presumíveis autores, hoje nossos colegas parlamentares, o ministro Silva Peneda e o secretário de Estado Vieira de Castro.
E lembro-me bem da entrevista dada pelo Sr. Primeiro-Ministro em que perguntado sobre o sentido das medidas tomadas, teve artes de apenas referir a única, eventualmente, não restritiva, demonstrando por A mais B que ela constituía a principal razão de ser do diploma, sobrepondo-se nitidamente às restantes oito que a acompanhavam, essas propriamente restritivas.
Perante actuações como esta dou por mim a interrogar-me sobre se as preocupações do Sr. Presidente da República, ou melhor, do Dr. Mário Soares, com o prolongamento da permanência da maioria, terão alguma razão de ser e se, ao fim e ao cabo, o Professor Cavaco Silva não está a pensar em abandonar o cargo, na primeira oportunidade...
O estilo mantém-se, é claro, com a nova equipa do Ministério do Emprego, como o demonstraram já os novos Ministro e Secretário de Estado, em intervenções produzidas perante esta Assembleia.
Portanto, escamoteamento total das questões e problemas, na área da segurança social, ou seja, navegação à vista, pura e simplesmente!
Passemos então à saúde, onde o panorama apresenta-se de modo diferente, há que o reconhecer, com o Ministro Paulo Mendo a abrir uma brecha no muro do silêncio sobre as intenções e rumos da política a seguir no sector, mantido pelos anteriores titulares.
Naturalmente impressionado pelos défices acumulados da instituição hospitalar, que geriu até vir para o Governo, e que somaram, até ao fim de 1993, um montante próximo dos seis milhões de contos, o Sr. Doutor Paulo Mendo apresentou-se como o defensor, no Governo, do plano de financiamento da política de saúde que, pouco tempo antes, apresentara numa reunião organizada pela SEDES na cidade do Porto e que, em termos resumidos, deu à estampa no jornal Público do dia 14 de Novembro de 1993.
Tratando-se, porém, de um plano que punha - não sabemos se continua a pôr - os utentes, ou boa parte deles, a pagar os mesmos actos e os mesmos bens que até agora têm utilizado e recebido gratuitamente, o Sr. Ministro teve que justificar mudança tão radical e, por isso, teve que revelar a actual situação dos serviços públicos que têm a seu cargo a prestação dos cuidados de saúde em Portugal.
E fê-lo nestes termos meridianos e elucidativos que passamos a citar: «Partindo da conclusão que o actual sistema de saúde, apresentando embora numa muito boa relação custos-benefícios, está esgotado por um sub-financiamento crónico, por uma estrutura administrativa centralizada, pesada e asfixiante, por um serviço nacional de saúde falsamente monopolista, sujeito às leis e carreiras da função pública, servido por hospitais e centros de saúde sem real autonomia, sem mecanismos de avaliação e de responsabilização».
À parte da conclusão já tirada sobre a relação custos-benefícios que, como pensamos demonstrar, conduz precisamente a uma das maiores debilidades do plano do Ministro, o diagnóstico é, sem dúvida, feito por quem sabe e não quer esconder o que sabe.
São, com certeza, hábitos que vêm ao Dr. Paulo Mendo do Governo da Aliança Democrática, presidido por Sá Carneiro, onde serviu com Luís Barbosa, do CDS, no Ministério da Saúde.
De qualquer modo, são palavras corajosas que estavam a fazer falta, mas que estão muito longe do discurso redondo e ilusionista feito pelo Ministro Arlindo de Carvalho, que tantas vezes nos levaram a duvidar, com certeza injustamente, da sua capacidade para equacionar e entender os problemas.
É claro que o texto citado foi escrito pelo Dr. Paulo Mendo e dado à estampa na imprensa, antes do seu regresso ao Governo, mas a verdade é que o tempo que mediou entre os dois acontecimentos foi curto, e verdade é, também, que o Dr. Paulo Mendo continuou a defender as mesmas teses e a fazer o mesmo diagnóstico depois de ser Ministro.