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20 DE MAIO DE 1994 2399

Poderá mesmo dizer-se que, nos primeiros tempos, o fazia com uma frequência pelo menos semanal, qual apóstolo que tomara a peito a missão de espalhar pelo país a boa nova, simplesmente a nova não era tão boa como isso e a grande massa dos utentes mais gastadores viu-se confrontada com o espectro da transformação, sem mais, do gratuito em oneroso, ao mesmo tempo que se sentia naturalmente angustiado com o espectro da perda de emprego próprio das épocas de recessão. Certamente, por isso, foi posto um ponto final à frontalidade e ao apostolado do Ministro.
A certa altura, os noticiários deram conta de que o Primeiro-Ministro, ouvido pela imprensa, moderara os ímpetos reformistas do Dr. Paulo Mendo, esclarecendo que qualquer alteração do sistema de financiamento da saúde não estava para breve.
E a partir daí o Ministro deixou de falar no assunto, aparecendo agora principalmente sob as vestes do justiceiro que percorre o país a resolver processos disciplinares, o que, sem dúvida, demonstra, de certo modo, o regresso à ocultação e ao ilusionismo.
E foi pena, porque o Dr. Paulo Mendo tinha razão, senão nas soluções que propunha, ao menos no diagnóstico que fazia, o qual se pecava por alguma coisa era por ser demasiado sintético.
Omitia, na verdade, a referência à acumulação dos défices, sistematicamente ignorados nos orçamentos anuais que, sendo em si mesmos insuficientes, eram e são geradores de novos défices, numa espiral só comparável à do Orçamento de Estado dos gloriosos anos 70 e 80.
Omitia ainda a referência ao «calote» como sistema normal de financiamento dos cuidados de saúde, com o Estado a dever e a impor prazos de pagamento inaceitáveis nas relações entre particulares.
Omitia, ainda, as restrições de despesas impostas muitas vezes sem critério, afectando a fiabilidade e a eficácia dos cuidados prestados.
Também aqui, portanto, uma política de escamoteamento da realidade em que foi temporariamente aberta uma brecha, reconhecemo-lo, mas que parece ter regressado à ordem do dia.
E no que respeita, por último, ao emprego, a situação também não é muito diferente. Todos estamos, com efeito, recordados do longo período negro em matéria de estatísticas do emprego e da permanente querela entre os dados do INE e os do Instituto do Emprego.
Aceitamos, no entanto, a questão como ultrapassada e aquilo que hoje mais nos preocupa é a definição de uma política clara em dois domínios fundamentais: o que respeita à formação profissional nas suas articulações fundamentais com o combate ao desemprego, a título imediato e uma perspectiva de médio e longo prazo, e o que se refere à necessidade de inventariação dos aspectos que nos regimes do contrato individual de trabalho e das relações colectivas constituem motivos de rigidez fomentadores de situação de desemprego.
Seria bom saber o que pensa o Governo nesta matéria e em que medida é que a preocupação- sem dúvida, louvável! - de preservar e, porventura, desenvolver os esquemas próprios da concertação social não acaba por se traduzir em certo escamoteamento dos problemas. Escamoteamento que, em última análise, dificulta a formação de consensos mais alargados e o conhecimento das mais profundas tendências dos próprios interessados e dos portugueses em geral.
De qualquer modo, o tema será mais detalhadamente abordado em intervenção autónoma a cargo do meu colega de bancada, Deputado Ferreira Ramos.
Passo, pois, ao segundo defeito grave que, em nosso entender, afecta a posição do Governo, em matéria de política de protecção social: a fragilidade e a instabilidade das soluções delineadas.
Quanto à primeira, a fragilidade está necessariamente ligada ao primeiro defeito detectado, ou seja, à permanente tentativa de ocultação da realidade, tornado evidente sobretudo no que respeita à segurança social e à saúde.
É claro que onde não se faz o diagnóstico da situação e onde não se assume, com clareza, tal diagnóstico não é possível apresentar soluções completas para os problemas existentes. A intervenção reduz-se, assim, a soluções pontuais, simples remendos, muitas vezes, sem coerência e que, ao fim e ao cabo, não serão nunca susceptíveis de, ao menos, abrir o caminho à superação dos problemas existentes numa perspectiva de médio e longo prazo.
Foi o que aconteceu com as medidas disfarçadas, repete-se, que foram tomadas em matéria de segurança social e que constam dos diplomas publicados em 25 de Setembro de 1975.
Servem, sem dúvida, para corrigir alguns dos defeitos maiores das práticas eleitoralistas dos anos anteriores, mas não vão além da tentativa de remendar o sistema existente, mantendo as causas fundamentais da sua inviabilidade a prazo: a distribuição pura aplicada sem limites a todos os níveis remuneratórios e nenhuma indicação clara sobre o papel que, em cumprimento da lei, o Estado se dispõe efectivamente a assumir, em termos de financiamento da segurança social.
Por outro lado, procuraram deslocar o peso da responsabilidade pelas situações existentes para os chamados trabalhadores independentes e para os gestores de sociedades, em termos que distorceram a realidade e que, aliás, tiveram já de ser corrigidos.
Mas, não assentando num plano global destinado a resolver os problemas de fundo previamente detectados e enunciados perante o País, as medidas tomadas vão, também, ser entendidas como expressão de uma enorme instabilidade. É o que vai acontecer, quando os beneficiários interessados perceberem que as novas regras aplicáveis à actualização das pensões mínimas regulamentares, definindo-as como prestações não contributivas, limitam de forma drástica os efeitos daquilo que, tão sistematicamente, vinha sendo publicitado como um dos principais resultados da segurança social. Resultado que não era mais, aliás, do que uma simples reafectação de recursos internos do próprio regime geral, sem implicar qualquer esforço do Estado e que, de qualquer modo, representava e representa a debilitação, a prazo, do sistema.
É, também, de instabilidade que se trata, quando, em Setembro, se apontava nitidamente para um sistema articulado com os seguros privados e, em Outubro, com o projecto de orçamento, acabou por se onerar fiscalmente a possibilidade de tal articulação.
Quanto à saúde, o escamoteamento da realidade é, sem dúvida, a causa principal da enorme instabilidade das políticas adoptadas pelos sucessivos ministros.
Perante um problema sério de debilidade financeira, que o Ministro Arlindo de Carvalho escondia e que o Ministro Paulo Mendo revelou, o primeiro tinha uma política que alguns «iniciados» conheceram e que era