O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

24 DE JUNHO DE 1994 2687

chegar-se a este ponto, e transcrevo o anúncio lançado por uma rádio: «Se você é capaz de comer baratas para ganhar uma scooter, então sintonize a Rádio-Cidade».
Segundo o Expresso, de 28 de Maio último, têm chegado cerca de 300 postais por dia, e a scooter será ganha por um dos 10 sorteados que comer mais baratas. Isto é, 300 portugueses, por dia, manifestam-se dispostos a comer baratas para ganhar uma scooter. Foi a isto que chegou a contracultura do cavaquismo!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: De 1000 alunos do Conservatório de Música formam-se 12 em cada ano, sendo o ensino da música, da dança, do teatro e das belas artes, ao nível do ensino público, praticamente insignificante.
Mas, segundo o cavaquismo, vivemos uma democracia de sucesso, porque baixou a inflação, embora os aumentos dos salários e ordenados não chegue para a cobrir.
Todavia, esta é uma estranha democracia, em que o cavaquismo vai ressuscitando, de par com a anti-memória do fascismo e do colonialismo, lembranças desses anos de ignomínia.
Já se censurou oficialmente um romance de Saramago; «no meu país», disse a grande pianista Maria João Pires, «tenho cada vez mais um lugar fora dele»; instauraram-se restrições à expressão pública da opinião por parte dos funcionários da Administração Pública, que só podem falar autorizados pelos chefes; numa escola preparatória de Beja foram proibidas as mini-saias, os calções e as blusas de alças...
Como no antigamente, Cavaco Silva faz a apologia da Pátria e da Família, só lhe faltando acrescentar Deus, para ser igual à célebre fórmula do fascismo.
E a exemplo de Salazar, que não via alternativa para o seu poder, dizendo até que o poder corria o risco de «cair» na rua, Cavaco Silva também não se cansa de incensar a estabilidade, que é a sua permanência no poder, dizendo não existir alternativa para o cavaquismo.
Mas este é um profundo engano! Há alternativa para o poder cavaquista e para a contracultura, e mal da democracia se não houvesse!
O que importa é saber que a cultura não é uma flor seca dentro de um livro de Milton Friedman ou de Hayek, mas uma flor viva que cresce em qualquer democracia autêntica.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Presidente, Srs. Deputados: É do conhecimento de VV. Ex.ªs a minha recente demissão da presidência do Partido da Solidariedade Nacional, em cujas listas, com o coração inundado de esperança, fui, em Outubro de 1991, eleito Deputado a esta Assembleia da República.
Nesta Casa, surpreendi-me com a cativante e elevada elegância humana e política com que VV. Ex.ªs, praticamente sem excepção, quiseram honrar-me, sendo para mim, nesta hora, naturalmente dolorosa, um factor de estímulo e encorajamento.
Julgo, por minha parte, ter trazido a esta Assembleia, na medida do possível, a humilde mas sincera nota do estremecimento interpelativo que o belo mas maltratado projecto do PSN indiscutivelmente reclama.
Quando alguns arrivistas sem escrúpulos tudo fazem para matar o sonho maravilhoso de 1991, como mandatário e eco dos que em mim confiaram, venho reafirmar a minha firme determinação em servir Portugal e os portugueses. Quero dizer-lhes que, apesar as inúmeras dificuldades, umas naturais outras artificialmente criadas, me esforcei por ser fiel ao meu projecto humanista, que era também o de agitar as águas paradas de um sistema perigosamente inchado de certezas que se vêm revelando trágicas.
Quero continuar a ser a voz dos que, sem voz porque lha rouba o sistema, estão aos poucos a perder a própria alma. O Estado e a economia capitalista são duas faces do mesmo processo de racionalização que, como Max Weber o assinalou, caracteriza a época moderna pós-feudal. Importa, porém, que a civilização racional não se circunscreva ao «homo oeconomicus» e coexista com a solidariedade.
Se é, como afirmava categoricamente o Prof. Jean Fourastié irreversível o processo de terciarização do mundo, fácil é de prever que Portugal, com uma débil estrutura industrial, há-de ser dos países da Europa onde a inadequação ocupacional se vai fazer sentir com maior violência.
E o que vejo? Um esforço que acredito sincero, mas voluntarista em demasia, para manter a taxa de desemprego a um nível prestigiante (facto que diz bem do carácter fatalista que o desemprego tem na mente dos governantes).
Todavia, o desemprego, se é uma realidade inevitável e inerente ao actual sistema, é porque o sistema carece de ser urgentemente reformulado. A falange dos reformados, pela idade e pela tecnologia, vai aumentar vertiginosamente, sem que se tenha preparado e desenvolvido um sério programa de reconversão ocupacional e sem que se tenha realizado um esforço para reformular o insolvente sistema de segurança social, diversificando as opções contributivas, aliviando a carga das empresas, animando um sistema de mutualidades, etc..
O actual sistema de segurança social assemelha-se a um moribundo que se mantém vivo, porque ligado à máquina: desligada a fonte de vida artificial, sobrevêm instantânea a morte certa. Só que, com essa morte, morrerão em tragédia cerca de dois milhões de portugueses, que vegetam, hoje, numa vida sem horizonte...
Quero que os portugueses saibam que, seja qual for o meu futuro político, se o houver, me manterei fiel a esta chama de amor pelos que sofrem e que me fez, em 1991, percorrer, em cruzada solitária mas profundamente solidária, o pais de lés-a-lés. Importa ter presente que nem tudo é mercado na vida humana, ao invés, é o próprio povo português a penalizar os políticos, mostrando antipatia ou desinteresse.
Nas últimas eleições europeias, por exemplo, não houve vencedores, porque todos os partidos saíram delas derrotados. Dois terços do eleitorado não votou - facto este que deve ser fonte de reflexão e de interpretação, visando uma resposta rigorosa e honesta, dado que, desta forma, é a própria democracia que está em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu que, como presidente do PSN, convivi de perto com a dor da solidão e da marginalização institucional, gostaria de aproveitar ainda esta oportunidade regimental, tentando alertar para os perigos que o nosso actual sistema democrático vem acumulando. Sempre que o sistema, tomado de obsessão maioritária, se fecha sobre si mesmo, afastando, como se de impertinência se tratasse, as novas ideias corporizadas, quer por associações/movimentos cívicos, quer mesmo sob a forma de partidos, está a deixar consumir-se por um autismo letárgico e anestesiante, que lhe poderá ser fatal.
O sistema democrático não pode tornar-se, como diz Hayek, refém dos interesses particulares. E o nosso sistema democrático foi demasiado longe ao garrotar os chamados pequenos partidos, inviabilizando por via legal o seu alimento democrático, já que, para essa lei (a dos partidos e do financiamento das campanhas eleitorais) o voto só tem