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30 DE JUNHO DE 1994 2751

enquanto tal - e isso está na própria perspectiva do Governo - e punir directamente os danos contra a Natureza. Nós fazemo-lo, por via indirecta, através de uma intervenção administrativa que coloca a necessidade de cumprir e, se o agente não o fizer, há a punição.
Pode perguntar-me por que é que agimos da maneira que referi. Respondo-lhe que isto vem um pouco na linha daquilo que foi a minha primeira intervenção quando disse que uma das regras fundamentais do fim das penas é a da prevenção geral positiva, isto é, a da garantia da validade das normas: sempre que uma norma é violada, há a garantia de que ela é restabelecida. Ora, sabemos hoje que, infelizmente e a despeito do progresso que já foi feito nesse domínio, uma norma deste tipo certamente que não iria ser aplicada em muitas circunstâncias. Eu próprio, se é que posso dizê-lo, tive ocasião de confrontar esta questão com a Comissão, para não haver a ideia de que estava aqui com um estigma de opção política pura e simplesmente. Assim, foi reconhecido que deveríamos intervir numa perspectiva gradual de intervenção administrativa intermediária - nesta altura, não estão previstas situações de danos contra a Natureza nem de poluição, mas vão passar a estar - e, numa fase seguinte, abriremos claramente, para o crime em si não estar já condicionado por uma intervenção intermediária. Portanto, trata-se de uma estratégia de intervenção, obviamente discutível, que, na nossa perspectiva, resulta da garantia de afirmação da validade das leis. Isto é, o que está previsto, se for violado, tem punição clara e inequívoca para não cairmos em situações em que o que está previsto poderá, eventualmente, conduzir a que não seja suficientemente tutelado pela via punitiva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Ministro, admitiu, então, um referendo sobre o aborto?

O Orador: - Admiti que essa é uma área na qual é possível uma consulta à população. A única forma que conheço de consultas desse tipo à população é o referendo. O que entendo é que se formos para uma situação desse tipo, ela deve ser definida aqui, nesta Casa, com a oposição. É importante que se viermos a fazê-lo, não façamos um referendo que seja, ele próprio, motivo de contradição.

O Sr. José Magalhães (PS): - Fá-lo-emos em sede de Código Penal?

O Orador: - Não, não! Fora do Código Penal, como é evidente.
V. Ex.ª fez um esforço para não deixar sair um sorriso, mas eu antevi-o; sei o que V. Ex.ª pretendia. Claro que é fora do Código Penal!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador, lembro aos Srs. Deputados que, no final deste debate, haverá um período de votações dos diplomas já agendados e, também, a votação, na generalidade, da proposta de lei em apreço.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Justiça: A revisão do Código Penal, que já de si não é uma tarefa fácil, processa-se num quadro que torna ainda mais difíceis as opções a consagrar no texto final.
Podemos caracterizar esse quadro da seguinte forma:
Em primeiro lugar, a Comissão Revisora não dispôs, nem a Assembleia da República dispõe, de estudos e investigações criminológicos que permitam avaliar a produtividade e efectividade do sistema sancionatório;
Em segundo lugar, a Comissão Revisora não dispôs, nem a Assembleia da República dispõe, de estatísticas fiáveis e suficientes quer sobre os resultados da aplicação do actual Código Penal, quer sobre o volume, estrutura e evolução da criminalidade denunciada e do seu tratamento nas polícias, Ministério Público, tribunais e serviços de execução de penas.
Em terceiro lugar, à desordem dos modelos de política criminal, junta-se entre nós um quadro de crise económica e social, um quadro de insegurança, adverso aos consensos sociais que toda a lei penal exige.
Em quarto lugar, o sistema penitenciário encontra-se em profundas convulsões que uma ou outra obra, televisivamente propagandeada, não consegue esconder.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Foram, assim, péssimas as condições em que trabalhou a Comissão Revisora, e não foram melhores aquelas que se depararam à Assembleia da República.
Apenas de uma certeza se parte: a de que é necessário introduzir remédios naquelas distorções reveladas na aplicação do actual Código Penal e que dizem respeito à supervalorização dos crimes patrimoniais relativamente aos crimes contra as pessoas.
Mas, para que as alterações não corressem o risco de ser fruto da intuição e tivessem a garantia de acerto e credibilidade, teria sido necessário contar com o trabalho de um instituto de criminologia - escandalosamente inexistente, como referiu o Professor Figueiredo Dias -, instituto esse dotado de meios minimamente capazes para o estudo e investigação criminológicos.
Contudo, não só tais estudos são inexistentes, como as estatísticas que se fornecem sobre as penas de prisão aplicadas não correspondem à realidade, como pudemos constatar no debate havido com a Comissão Revisora.
A magistratura portuguesa tem sido injustificadamente acusada de optar, de uma forma excessiva, por penas curtas de prisão, voltando as costas às penas não privativas de liberdade.
Por um lado, é certo e está adquirido que as estatísticas sobre aquelas penas estão falseadas e que, por outro lado, durante os 12 anos de existência do Código não foram criados os mecanismos necessários para aplicação de penas, como o trabalho a favor da comunidade, a semi-detenção e o regime de prova, que agora se abandona por manifesta falência.
Ainda no que respeita a estatísticas, verifica-se a dificuldade em consegui-las sobre a ocorrência de crimes, uma vez que muitos não se conseguem detectar por não serem objecto de queixa, aspecto já aqui denunciado. E tudo isto acontece quando se vem assistindo, nos últimos anos, a uma progressão na criminalidade, com particular destaque para o aumento dos crimes violentos contra as pessoas.
A crise do sistema prisional, a sobrelotação das prisões, as violações sistemáticas dos direitos dos reclusos põem em causa o objectivo ressocializador da pena de prisão. De tal forma que aparece, com todo o sentido, a frase desesperada de Martinson: «What works? Nothing works ».
A verdade é que, relativamente ao direito penitenciário, nada se fez e nada se faz!
Nos estudos a que procedemos na preparação do debate sobre a proposta de lei, tomámos contacto com a ex-