30 DE JUNHO DE 1994 2749
trabalho precários, ameaça de despedimentos ou, mesmo, despedimentos efectivos, vêm agora juntar-se alterações ao Código Penal que aprovam sanções e limitam despenalizações nos crimes contra a honra e a reserva da vida privada. Parece-me razoável inferir-se uma linha de actuação do Governo, que é a de dificultar a acção de jornalistas, nomeadamente do jornalismo de investigação, quando os escândalos públicos se sucedem e a comunicação social tem um papel relevante na sua detecção e publicidade. Tornar o direito à privacidade quase absoluto, quando as personalidades públicas têm deveres para a sociedade que podem tornar interesse público e legítimo a divulgação de certos factos da sua vida privada, limita não só os direitos dos cidadãos de apreciarem e julgarem os comportamentos dos detentores dos cargos públicos como também os direitos de informar e de ser informado.
Pergunto: por que razão são as penas tornadas mais elevadas exactamente quando se trata de queixas de figuras com cargos públicos? Tratar-se-á de «públicas virtudes, vícios privados »? E ainda quando o interesse público ou a prova da verdade da imputação deixaram de excluir a punição? Pretende-se que «toda a verdade seja castigada»?
Sobre a interrupção voluntária da gravidez, sabe-se que, apesar da Lei n.º 6/84 - a do actual Código Penal -, o número legal de abortos ocupa uma parte não significativa dos abortos provocados em Portugal. Por várias razões, entre elas, porque as mulheres continuam a confrontar-se com falta de informação, falta de organização dos serviços, falta de comparticipação convencionada, incapacidade de resposta dos serviços quando surgem situações de objecção de consciência, falta de cobertura legal para situações de necessidade de IVG contempladas na maior parte dos países da Comunidade Europeia.
Perante as alterações propostas, faço a seguinte pergunta, Sr. Ministro: onde andou o Governo nestes últimos 10 anos? Não se apercebeu da realidade social? Não ligou aos estudos efectuadas, nomeadamente os coordenados pela Associação de Planeamento Familiar? A proposta de alteração do Código Penal nesta matéria surge como se não tivesse havido 10 anos de experiência, de estudos, de propostas, bem como de sofrimento e de riscos escusados para muitas mulheres.
Assim sendo, pergunto-lhe ainda: se a maioria das malformações do feto só se pode detectar, segundo estudos efectuados, em exames posteriores às 16 semanas, por que permanecem estas como limite para o IVG? Se as causas económico-psico-sociais são responsáveis por um grande número de IVG's, por que não são tidas em conta? Por que não se alarga para 22 semanas o prazo de IVG's por violação, atendendo à morosidade característica desta situação? Já agora, está o Sr. Ministro atento ao que se passou recentemente, na Espanha dos Reis Católicos, em que o IVG nas primeiras 12 semanas passará a depender da decisão soberana da grávida? Porquê, contrariando o sentido das suas palavras introdutórias, Sr. Ministro, se continua a impor a condenação ao ilícito a quem apenas precisa de medidas e de legislação à altura dos tempos que vivemos, à altura da própria Comunidade Europeia?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, da apreciação que fizémos da proposta de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República para revisão do Código Penal, a primeira conclusão que retiramos, no que se refere a matéria ambiental, é a de que fica revelada uma manifesta falta de vontade política para incluir como matéria penal as questões ambientais. Como alguém já disse, até parece que o Governo tem vergonha de punir em matéria ambiental! E passo a referir algumas questões sobre as quais gostaria que o Sr. Ministro nos esclarecesse.
Em primeiro lugar, consideramos que, em matéria ambiental, a proposta de lei é demasiado limitada e não considera a autonomia do Ambiente como um valor fundamental no Código Penal. Por outro lado, esta proposta de lei exclui expressamente a responsabilidade criminal das pessoas colectivas em matéria ambiental.
Passo agora às perguntas propriamente ditas.
Desde 1976, a Constituição portuguesa contempla de forma muito significativa as questões ambientais e ecológicas; existe, desde 1987, uma Lei de Bases do Ambiente que prevê claramente a figura de crime ambiental; desde 1977, o Conselho da Europa emite recomendações aos governos para que considerem matéria penal as questões de Ambiente; após a ECO 92, o Governo português declarou-se extremamente empenhado em defesa das questões ambientais. Perante tudo isto, se, em Portugal, temos legislação adequada, como é a da Lei de Bases do Ambiente, por que razão não se avança mais em termos de Código Penal para que, efectivamente, se possa criar um tipo autónomo de ilícito criminal em matéria ambiental?
Por outro lado, sabemos que a acção das empresas, designadamente a das indústrias, é a que mais contribuiu em termos de danos para o Ambiente. Assim, por que é que as entidades colectivas não são consideradas em termos de responsabilidade penal na proposta de lei do Código Penal que nos é presente?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raúl Castro, quanto à questão dos adiamentos, o que eu disse foi que, infelizmente, não podemos resolvê-la apenas através da alteração do Código de Processo Penal pois, neste momento, temos uma questão de constrangimento constitucional, que era importante que pudesse ser superada. Evidentemente que, nas alterações a introduzir ao Código de Processo Penal, iremos tentar conseguir alguma melhoria que possa permitir que não se mantenha esta situação que, como tive ocasião de dizer, por vezes é vergonhosa. Mas o receio que temos é o de que, sendo tão limitada a margem de constitucionalidade de que dispomos, possamos vir a encontrar um obstáculo decisivo à possibilidade de intervir nesse domínio. Todavia, fá-lo-emos em sede de revisão do Código de Processo Penal porque temos claro que, neste momento, este é o problema de maior constrangimento no processo penal actual.
Por outro lado, V. Ex.ª disse que a multa deixa de ser suspensa, mas deve haver um lapso porque não é assim: a multa pode continuar a ser suspensa.
Quanto à questão de 12 anos constituírem o limite de idade a partir do qual o Ministério Público não pode dar início ao processo oficiosamente, V. Ex.ª sabe quais são as razões que estão por trás desta limitação, as quais, até hoje, têm impedido que o Ministério Público o faça, independentemente de qualquer idade. Ora, é justamente essa tutela de interesses contraditórios que aqui surgem que nos fez optar pelo limite de 12 anos para permitir que, a partir daí, também já exista alguma vontade pessoal do jovem que