2798 I SÉRIE - NÚMERO 86
bilidade e, mais grave, de impunidade. Sabemos que, actualmente, entram, na administração fiscal, requerimentos de reclamações a que a administração não dá qualquer resposta.
Ora, quando li o tema genérico do projecto de lei - «moralização da administração fiscal» -, julguei que o CDS-PP fosse mais profundo, porque ninguém tem reflectido sobre este assunto. Um contribuinte que faça, hoje, um requerimento de reclamação porque se sente lesado pela administração fiscal, como, por exemplo, um imposto cobrado erradamente, e que o apresente nos termos do Código de Processo Tributário, que - diz o Código - tem efeitos suspensivos, a administração fiscal não dá resposta a esse requerimento e o contribuinte só tem um outro mecanismo, que é o da impugnação.
Mas repare-se na inquinação de tudo isto. Mesmo que lhe assista o direito e tendo, não obstante a reclamação, efeitos suspensivos, o contribuinte é remetido para o mecanismo da impugnação, quando se diz: se a reclamação não tiver resposta no prazo dê 90 dias. A impugnação não evita a execução, porque o imposto, estando liquidado e não sendo anulado, tem de ser cobrado, não evita o processo executivo e, neste domínio, nem o contribuinte pode fazer oposição à execução. Então, para que a impugnação siga os seus trâmites, terá de prestar garantias à própria administração fiscal de um imposto que não deve.
De facto, quando li o título do projecto de lei do CDS-PP, pensei que íamos ter este aspecto mais aprofundado.
Em meu entender, no domínio do mecanismo dos impostos compensatórios, por exemplo, que tanto se falou, o CDS-PP faz alguma confusão no artigo l.º. Ou, então, não confunde e tenta harmonizar, isto é, chama a tudo juros, independentemente de eles terem natureza moratória ou compensatória. Como sabemos, a diferença, no âmbito fiscal, entre o moratório e o compensatório situa-se quando o contribuinte liquidou e não entregou - e aqui estamos perante uma obrigatoriedade moratória - ou quando o contribuinte não liquidou, por qualquer motivo, não cumpriu a obrigação que lhe competia nos termos da lei, e, por esse efeito, não entregou os impostos devidos no Cofre do Estado e aqui estamos perante uma situação compensatória, em que o Estado se sente no direito de ser compensado pela não percepção dos valores que, em que determinado momento, lhe conferia.
Aliás, a matéria não é pacífica entre os autores de direito fiscal, uma vez que uns tendem a entender os juros sempre como uma penalização e outros entendem apenas como uma compensação, a que o Estado tem direito a ser ressarcido pelo facto de não ter recebido as receitas.
Não sei se é um dado novo a questão da não distinção entre moratório e compensatório, mas penso que se pode aqui fazer um raciocínio novo. Podemos estar perante um espírito novo ao dizer que há apenas uma obrigatoriedade de ressarcir financeiramente, independentemente de ser moratório ou compensatório.
De facto, julguei que o CDS-PP vinha trazer uma coisa que existe ainda hoje no Código do IVA - e é vergonhoso que se mantenha ainda nos códigos! -, isto é, por que é que um contribuinte que não liquidou o seu imposto há-de entregar uma taxa de 24 %, calculada ao dia, e um contribuinte que tenha efectuado o pagamento do seu imposto e que convença a administração fiscal do erro dessa liquidação, quer graciosa quer judicialmente, e o Estado se sinta no direito de repor a este contribuinte a importância que recebeu indevidamente, há-de receber apenas 18 %?
Aqui, sim, estabelecer um plano de tratamento igual entre Estado e contribuinte numa relação de direito transparente e igualitária é introduzir, de facto, normas de moralização fiscal.
O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Muito bem!
O Orador: - Enquanto continuarmos com este tipo de questões, não há a preocupação da criação de um mecanismo capaz de tratar com o mesmo peso e a mesma medida contribuinte e Estado.
Ainda, neste domínio, gostaria de referir uma outra questão que tem a ver com a dispersão - porque, quando ouvi falar em «moralização fiscal», pensei que também iria haver algo neste domínio -, que actualmente existe, por exemplo, nas diversas normas aplicáveis. Mesmo que o CDS-PP pretenda introduzir um novo conceito de compensação monetária, então, este projecto de lei devia abordar a questão da adaptação dos diversos códigos à nova norma, mas não o faz. Quando muito, o que poderíamos ter era a aplicação de duas normas: uma, proposta pelo CDS-PP, e outra, pelo que, actualmente, se encontra nos diversos códigos.
Além disso, já se aperceberam que, no actual Código da Contribuição Autárquica, quem não pagar a contribuição autárquica não tem quaisquer juros compensatórios?! Não há qualquer norma no Código que estabeleça a obrigatoriedade de juros moratórios ou compensatórios.
Por outro lado, também não há no Código do Imposto de Selo, na Tabela Geral e no Regulamento do Imposto de Selo, qualquer norma que obrigue a juros compensatórios.
O Deputado Rui Carp acena com um livrinho. Sr. Deputado, eu conheço o que está escrito na lei. Verifique os códigos que acabei de referir e o Regulamento do Imposto de Selo e diga-me onde é que encontra a obrigatoriedade de pagamento de juros. Leia, por exemplo, o Código da Contribuição Autárquica e diga-me onde é que encontra essa obrigação de pagamento de juros.
O Sr. Rui Carp (PSD): - 24 % ao ano!
O Orador: - Diga-me qual é o artigo, porque, já agora, gostaria de saber.
Julgo que uniformizar tudo isto pressupõe um trabalho de maior profundidade e uma muito maior segurança.
Há ainda uma outra questão extremamente importante - e aqui dou total e manifesta razão ao CDS-PP em relação à apresentação deste projecto de lei. E vou dizer porquê. De facto, tenho a característica de gostar de aprofundar estas questões, de ver que implicações é que as coisas têm. Os Srs. Deputados, possivelmente, não se recordarão, mas chamo a vossa atenção para a redacção do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 492/88, que consagra o direito de o Estado, quando tiver uma importância a entregar ao contribuinte, perguntar a qualquer repartição de finanças ou a qualquer tribunal de execução fiscal se esse mesmo contribuinte ou se essa mesma entidade é devedora de impostos ao Estado e é-lhe conferido o direito a deduzir, na importância que por qualquer motivo tenha que repor a esse contribuinte, os impostos em dívida.
Ora, aquilo que o CDS-PP aqui nos vem dizer é que nas relações Estado/contribuinte e contribuinte/Estado se aplique o mesmo mecanismo. Quanto a este processo não podemos estar mais de acordo.
Em relação à compensação que o CDS-PP propõe para as autarquias locais já manifestámos a nossa opinião. Entendemos que tal preceito, tal como está escrito, não pode ser aceite, não funciona, ou, pelo menos, tenho dúvidas sobre a constitucionalidade deste mecanismo. Em todo o caso,