26 DE NOVEMBRO DE 1994 673
fessor de Contabilidade Pública para apreciar tecnicamente propostas políticas, cujo sentido convenientemente escamoteou,...
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - ... chegando mesmo a dar notas ao estilo do Professor Rebelo de Sousa Quer dizer, no termo da discussão, sairemos daqui todos como entrámos, ou seja, coisas mesmas opiniões, em alguns casos fruto das mesmas convicções, noutros nem isso, mas apenas opiniões filhas da atitude politicamente mais correcta ditada por quem de direito.
Quanto a nós, esforçamo-nos por pensar sobretudo pela nossa cabeça e chegámos, sem dúvida, à conclusão de que nada neste debate, nem durante as reuniões da Comissão de Economia, Finanças e Plano que o precederam, foi dito que nos fizesse mudar de opinião sobre a proposta em discussão convencendo-nos a votá-la favoravelmente.
Antes pelo contrário, o modo como certas questões não foram elucidadas ou esclarecidas, ou só o foram formalmente, convenceu-nos de que a atitude acertada é realmente a de votar contra o Orçamento e contra as Grandes Opções do Plano, que, repetindo o que têm dito invariavelmente, não se mostraram capazes de inspirar um Orçamento diferente, confirmando, de resto, a opinião dos que as consideram antes como uma moldura académica capaz de todos os enquadramentos.
Com efeito, o que esta proposta veio demonstrar, antes de mais e na sequência do que acontecera já com o tapeto do ano passado, foi que o Orçamento passou, sobretudo; a constituir um exercício da arte de disfarçar, cada vez mais diz cada vez menos acerca da realidade da política económica geral e das políticas sectoriais que o Governo se propõe implementar no próximo ano.
Trata-se de um documento em que se pretende, sobretudo, demonstrar à Comissão Europeia que o País está a cumprir com os objectivos traçados para chegar com o primeiro pelotão às metas da União Económica e Monetária.
O que o Orçamento, portanto, constitui é uma oportunidade formal em que a despesa é tratada do modo mais conveniente para não inviabilizar um resultado previamente fixado com a Comissão: agora o limite do déficit do sector público administrativo, como já foi o tecto das despesas sem juros. No entanto, não necessariamente para melhor revelar a verdade da situação e para desvendar aquilo que são e serão ainda mais no futuro, os verdadeiros estrangulamentos da economia portuguesa mas para esses objectivos comunitários e também cada vez mais para desvincular o Governo dos controlos da Assembleia conferindo-lhe crescente margem de manobra na chamada cozinha orçamental.
E claramente o que acontece com a situação da Segurança Social onde são necessários mais 180 milhões de contos para acorrer a necessidades que não sabemos ou não terão sido, apesar de tudo, calculadas por defeito, sem que o Governo queira tomar posição sobre os verdadeiros problemas de fundo deste sector chave da política social, principalmente porque pretendem evitar a todo o custo que daí possa resultar o aumento do déficit do Orçamento.
Recorre-se, portanto, ao disfarce; o Governo adquire os créditos malparados que a segurança social tem sobre os contribuintes pelo valor preciso dos 180 milhões necessários e com o recurso aos processos e técnicas da Contabilidade Pública e ao conceito útil da consolidação orçamental consegue-se neutralizar completamente a operação. Brilhante, sem dúvida, sobretudo para Bruxelas ver!
O mesmo com as necessidades do Serviço Nacional de Saúde. Que fazer para avaliar a pressão sobre os serviços sem influenciar o déficit! Felizmente aqui também há dívidas, muito embora o devedor seja o próprio Estado e, assim, adquirem-se tais dívidas - ali até ao montante de 70 milhões- aliviando-se a tal pressão sobre os serviços e joga-se com a figura consagrada da regularização das situações do passado para fazer mergulhar os gastos respectivos abaixo da linha da despesa, fazendo-a financiar por crescimento da dívida que não se traduz - estranhamente! - em crescimento do déficit.
Verdadeiros malabarismos, portanto, facilitados pela multiplicação dos fundos e dos serviços autónomos e pela repetição das abençoadas contas em atraso que já em 1985 serviram para adequar convenientemente o primeiro Orçamento deste Governo, o de 1986.
Quer dizer, sendo preciso, ou conveniente, porque há eleições ou por qualquer outro motivo que até pode ser louvável e indiscutível, gastar mais sem afectar o déficit, bastará comprar e não pagar para criar a necessidade de em actos futuros regularizar situações do passado e, por essa via, fazer a despesa sem consequências deficitárias.
O calote, que até aqui era uma fonte substancial de receita passou agora a ser fonte de receita e instrumento contabilístico a usar conforme as conveniências! Belo exemplo da Administração Pública a quem tem de organizar e fazer aprovar os relatórios e contas das empresas como espelho de uma situação que serve de base à liquidação dos impostos!
Trata-se, pois, Srs. Deputados, de um Orçamento em que se disfarça o déficit e em que se procura fugir ao controlo parlamentar, como o demonstra a facilidade crescente com que se recorre a rubricas genéricas - outras aquisições, outros serviços, outras despesas correntes, para não falar da estafada dotação provisional - com que, mais ou menos despudoradamente, tenta atribuir-se ao Ministro das Finanças, no já tão comentado artigo 61.º da proposta, a possibilidade de endividar o Estado sem limite e sem controlo.
Mas este recurso à técnica do disfarce e da ocultação tem consequências negativas sérias que não se traduzem apenas na sistemática sobreposição dos critérios formais à realidade e na diminuição do controlo parlamentar. A mais séria dessas consequências é, sem dúvida, a que se traduz na ocultação e no adiamento da identificação dos problemas que cada vez mais se vão revelar - repetimos - como verdadeiros estrangulamentos da política orçamental.
Estamos a falar das funções sociais do Estado, nas áreas da segurança social e da saúde.
Na primeira, o que sucedeu em 1994 com o desequilíbrio do Orçamento do Estado provocado sobretudo pelos déficit do orçamento da segurança social, deveria ter constituído um aviso sério para que se iniciasse o levantamento do problema com identificações rigorosas das questões e com abertura à discussão pública que, ao menos, evitasse a situação constrangedora, como a que, ainda esta semana, sucedeu com a reacção atabalhoada do Governo à divulgação por um semanário de um relatório preparado no âmbito da Caixa Geral de Aposentações.
E, sobretudo, para que não venha a repetir-se o que nesse relatório começa por se dizer quando se faz o diagnóstico da situação e que não resisto a citar: «foram concretizadas as medidas mais fáceis desinseridas de uma visão alargada do problema, mas não aquelas que poderiam contribuir para um efectivo saneamento da situação. Pelo contrário, alguns benefícios atribuídos sem consideração do respectivo impacto estrutural agravaram mais os problemas