982 I SÉRIE-NÚMERO 25
que a Comissão dará continuidade ao debate profundo sobre esta matéria. Que o vosso relatório seja, de facto, um balanço do Ano Internacional da Família.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro.
O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está a chegar ao fim 1994, o Ano Internacional da Família, assim proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1989.
Serviu a celebração desta efeméride para que se debatesse a família, face à sua transcendência relativamente às suas «capacidades e responsabilidades num mundo em transformação».
É legítimo e é positivo, pois, que a família esteja em discussão e que isso se faça com profundidade mas também com serenidade e bom senso, a fim de que os fundamentos essenciais da mais antiga instituição não corram o risco de serem postos em causa.
Antes do Estado existiu a família, como realidade sociológica, e foi sobre esse pequeno núcleo social que o Estado, mais tarde, se estruturou. Fica bem aos Estados, por isso, preocuparem-se com a família que, apesar de todas as transformações sofridas através dos tempos e consoante os lugares, continua a ser, e será sempre, a sua base jurídica mais importante, mesmo padecendo, como tem padecido, diversificados tipos de agressões.
De facto, desde a «Família patriarcal romana» e todos os seus exageros, passando pela «Família comunitária medieval» de moldura vincadamente cristã, até à «Família nuclear», típica da sociedade industrial, o rol das diferenças é grande.
Contudo, as adaptações que a família foi impelida a fazer perante as mutações políticas, económicas, culturais, ideológicas e sociais que emergiram no decorrer das sucessivas épocas deixaram sempre, com maior ou menor evidência, que a essência da família normal permanecesse de modo a cumprir minimamente, pelo menos, os seus valores fundamentais.
O advento do racionalismo, que alimentou filosófica e ideologicamente a Revolução Francesa, a qual rapidamente espalhou as suas influências pela Europa, fora e além Atlântico, logo seguidas do grande surto da industrialização, provocaram, talvez, o primeiro grande abalo na instituição familiar ante a sucessão e intensidade dos acontecimentos que, a partir daí, se desenrolaram.
O núcleo familiar, desde essa altura, começa a restringir-se, quer em relação ao número dos seus membros quer relativamente a atribuições que até aí foram seu apanágio. Pouco a pouco, começam essas atribuições a transferir-se para o Estado e, também, para as grandes empresas que a Revolução Industrial deu origem. São refeições que se deslocam de casa para os refeitórios e cantinas, os filhos que passam a ser educados mais nas creches do que na família, a escola que prolonga a sua frequência obrigatória, os socorros que passam para instituições especializadas, a última vertente da vida do Homem que também inicia a sua emigração do lar familiar para os lares de terceira idade.
A família, assim mais restrita, passa cada vez mais a ser um lugar de encontro íntimo de fim do dia ou apenas, até, de fins de semana, como refúgio de uma sociedade crescentemente consumista e massificada.
Todas estas transformações civilizacionais e culturais constituíram para a família do século XX o grande desafio em relação ao seu papel num mundo em aceleração crescente e um teste decisivo à sua autenticidade e solidez.
Daí justificar-se a preocupação dos Estados e das instituições, como a Igreja Cristã, que sempre tiveram na família o seu principal suporte e que para ela sempre pugnaram por garantir as melhores condições, para que cumprisse cabalmente a sua missão, resistisse à passagem do tempo, continuasse a ser o sítio da aprendizagem primeira da vida e o lugar da autêntica realização do Homem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, praticamente todos os Códigos Civis e todas as Constituições políticas consagram a igualdade de direitos entre os sexos. É justo que assim seja e a própria Igreja Católica acentua a ideia da «igual dignidade pessoal dos cônjuges».
E mesmo o facto de as legislações vigentes, incluindo a portuguesa, facilitarem com alguma ligeireza, em meu entender, o recurso ao divórcio, não deve assustar. São «sinais dos tempos»! O que é preciso é encontrar alternativas que, sem colocar entraves à liberdade de cada um decidir de acordo com a sua consciência e as suas circunstâncias, antes, reforcem a coesão, a autenticidade e a estabilidade do casamento.
Essas alternativas vislumbro-as, pelo menos, em dois campos fundamentais: por um lado, no que diz respeito a um forte investimento na formação humana e ético-moral e, por outro, no aprofundamento do papel do Estado na garantia mínima de condições materiais que facilitem a estabilidade familiar minorando as angústias da subsistência, sobretudo dos menos favorecidos.
Na verdade, é na família que se deve situar o mais real alfobre axiológico. A vivência e a interiorização dos valores deve ter aí o seu lugar privilegiado. Tudo deve ser feito pela sociedade e pelo Estado para que esse alfobre seja maximizado.
Porém, hoje em dia, um dos grandes perigos que a família corre é o aligeiramento que se tem generalizado em relação à problemática dos valores. Valores não só de características biológicas mas, sobretudo, culturais, ético-morais e afectivos, entre outras.
Como disse o Professor Manuel Patrício, «Vivemos, axiologicamente, sobre areias movediças. Essa difícil situação humana repercute-se com particular violência na educação, sendo factor de insegurança e angústia para os educadores (...)».
Ora, os primeiros educadores são os pais, com garantia prescrita nos preceitos constitucionais, por isso os primeiros, também, a dever ter uma transparente vivência axiológica, de modo a podê-la transmitir desde cedo aos filhos.
Mas aquelas «areias movediças» atrás referidas repercutem-se, também, na instituição cuja função fundamental se destina a complementar a educação familiar - a escola. Ali, «os educadores profissionais que são os professores» confrontam-se igualmente com inúmeras dificuldades no campo axiológico. Dificuldades que não resultam tanto de carências da sua formação profissional nem, tão pouco, da falta de condições materiais. São dificuldades provenientes de correntes exteriores à escola, de ventos que sibilam de escolas paralelas, transportando vírus perigosos para os valores fundamentais.
É ainda o Professor Manuel Patrício que enumera três perigos principais.
Primeiro, o perigo do niilismo que considera «no seu limite extremo, a própria negação dos valores». «À luz da treva total do niilismo», diz ele, «educar não faz sentido».
Segundo, o perigo do «neutralismo axiológico», isto é, «a ausência de referências axiológicas para o acto educativo (...) sob pretexto que é perigoso doutrinar, inculcar valores», por isso, pugna-se pelo esvaziamento axiológico da acção educativa.
Terceiro, o perigo do positivismo em que o dever e o direito se reduzem apenas ao facto. «Não há valores, há