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Em cinco distritos do País há mais de 17 000 trabalhadores com salários em atraso, somando nos últimos dois meses as dívidas aos trabalhadores 2,5 milhões de contos,; São alguns milhões que faltam nos orçamentos das famílias portuguesas! Com a consequente redução do consuma dos assalariados, e das suas famílias, que, por ser - essa reduto - um objectivo importante da política de direita na lógica, da intensificação da exploração capitalista, determina a contenção salarial. Os custos salariais no corrente ano atingiram mesmo uma redução a 81,3 % relativamente ao ano longínquo do 1980!
Mas é também à custa dos direitos sociais dos trabalhadores e suas famílias que o Governo pretende reduzir o consumo: à custa de cortes nos cuidados médicos, no ensino, no alojamento social, nos transportes, na segurança social, nas actividades culturais e de recreio.
Quanto à habitação, os resultados dos censos 91, revelam a situação dramática em que vivem muitas das famílias Em alojamentos clássicos com uma divisão, com uma divisão, vivem 50 634 famílias, correspondendo a 114 178 pessoas. E em alojamento do mesmo género com duas divisões vivem 223 164 famílias, correspondendo a 558 552 pessoas. Situação dramática é a que, neste aspecto, vive no distrito de Lisboa que concentra ainda 75 % da habitação degradada do País. Situação que afecta de uma maneira grave a população jovem: 50 % da população residente nos bairros degradados tem menos de 20 anos.
Mais tarde, quando anos acumulados de sofrimento lhes der conhecimentos que o ensino não lhes proporciona, as crianças de hoje, aquelas que cedo começam a vida, »s que são vítimas da exploração do trabalho infantil, as que não puderam frequentar um jardim de infância, as que tiveram um aumento de abono de família para todo o ano de 1994, correspondente a seis pacotes de leite, as que viram morrer irmãos com menos de um ano de vida (em Lisboa 20 % das trabalhadoras com vínculo laborai precário perderam filhos naquela faixa etária), as crianças que hoje. fazem parte das elevadas taxas de analfabetismo (17,6 % em Cascais, 17,4 % em Alenquer, 21,8 % no Alentejo, 14% na Região Centro, 15,3 % na Madeira), mais tarde essas crianças e adolescentes hão-de traduzir em palavras comuns as palavras amargas do poeta Jorge de Sena que não, puderam aprender. «Neste vil mundo que nos coube em sorte por culpa dos avós e de nós mesmos tão ocupados em esperanças de salvá-lo».
Mas neste universo português, com que por ara nos defrontamos, já nem temos a certeza de poder acompanhar Jorge de Sena na constatação, aliás também amarga, de que a vida se passa ocupada nos descontos para a reforma na velhice. Vem aqui também a propósito registar a inusitada alegria com que o Governo se apresentou na Conferência do Cairo ostentando uma taxa de crescimento demográfico quase reduzida a zero. Satisfeito, ao que parece, por dar um tão grande contributo aos objectivos de redução da população do mundo!
A situação é, no entanto, por isso mesmo dramática. Com que população activa vamos contar, a curto e a médio prazo, para o desenvolvimento do País? E a praticamente nula taxa de crescimento demográfico deve-se precisamente às gravíssimas condições em que vivem as famílias portuguesas, ao alastramento da exclusão social em que os casais não querem envolver os filhos desejados que não deixam de ser, por isso mesmo, pela exclusão, um projecto adiado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa tal situação, assistimos a retrocessos no estatuto dos membros da cédula familiar, nomeadamente, como é óbvio, no estatuto das mulheres. Em momentos de recessão recupera-se o mito da mulher no lar, a mulher a quem se atribuem muitas das tarefas que são autênticos deveres do Estado, a mulher que deixa assim de fazer parte das taxas de desemprego por ser remetida ao lugar de doméstica. Daí até à menoridade e à inferioridade da mulher vai um passo Daí até à violência física e psíquica sobre a mulher, até por mera reprodução dos comportamentos violentos na sociedade relativamente aos trabalhadores, vai um passo ainda mais pequeno. Mas esta viagem, ao arrepio dos vários modelos familiares reconhecidos e dignificados por Abril não é uma viagem sem regresso. E no regresso que se avizinha, cada vez com mais premência e urgência, está o caminho da reconquista da democracia com a luta pelas transformações económicas, sociais e políticas que, criando novas relações na sociedade, transportem para as famílias a pureza das relações afectivas vividas em democracia.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Este debate encerra o Ano Internacional da Família, decidido, em 1982, pelas Nações Unidas, com o objectivo de chamar a atenção para as profundas mudanças ocorridas na evolução demográfica, na organização do trabalho, nos progressos com vista à aproximação do estatuto social entre mulheres e homens.
Mais do que afirmar um modelo ideal de família importa avaliar a realidade concreta e os constrangimentos que as sociedades modernas colocam à realização humana de cada um dos seus membros, ou seja, promover, de facto, a democracia na base da sociedade.
Os funcionalistas, como Parsons, sustentaram que a família nuclear resultante da industrialização é o modelo ideal para o suporte afectivo, baseado em distintos papéis no seu seio e na vida activa só possível pela manutenção da secundarização da mulher no mercado de trabalho e na sociedade.
Nas décadas subsequentes, todos os teóricos, não importa a sua perspectiva ideológica, criticaram este modelo totalmente ultrapassado pela realidade.
O próprio Parsons, em 1964, reconhece que os papéis da mulher e do homem são eminentemente complementares e de igual valor, lamentando que a identificação da mulher com o trabalho doméstico, economicamente invisível e socialmente desvalorizado, concorra para conflituar com os valores mais individualistas e igualitários das sociedades modernas.
Leach, em 1967, foi o primeiro a chamar a atenção para o facto de serem emocional mente mais intensas as relações entre marido e mulher e entre pais e filhos nas famílias modernas isoladas, que acumulam tensões e conflitos, suspeições e medos do mundo exterior, em que cada um dos seus membros espera e exige demasiado dos outros.
Outros autores da década de 70 sustentaram que os dramas familiares, vividos na mais oculta intimidade, são fonte de descontentamento, o que, aliado às exigências de relações de competitividade, torna algumas famílias claustrofóbicas, opressivas e repressivas, com consequências graves para todos, individualmente, mas, particularmente, para as crianças e para os jovens, profundamente afectados no seu desenvolvimento pelas disfunções familiares.
E esta aparente contradição de que a família é - tem de ser - o ambiente seguro para crescer e para todos os seus