990 I SÉRIE - NÚMERO 25
mais pequenas, onde, entre vários males, existe a dificuldade de uma convivência sadia no seio da família, porque se atropelam os pequenos territórios individuais, pela falta de espaço onde preservar o mínimo de intimidade necessária.
Ouso juntar-me àqueles para quem as crises da família, a começar pela conjugal até à dispersão dos seus membros, está muito ligada à falta de um espaço apropriado para morar e onde também os idosos se isolam cada vez mais, através de barreiras fictícias.
Afinal, que progresso procuramos, se nele não cabe a inteligência do nosso próprio bem-estar?
Não só ao Estado se pode atribuir o dever de proteger e favorecer o desenvolvimento dos anseios da família, também às empresas cabe, como dever e farol do seu estatuto de dignificação, considerar os seus trabalhadores não mais como recurso humano mas como potencial de desenvolvimento e, por extensão, assumirem-se não apenas como empregadores de homens e de mulheres mas como sistemas de desenvolvimento de capacidades, que levem à dignificação humana e ajudem decididamente a não ter o trabalho como um inimigo do bem-estar.
Para além disso, as empresas têm a obrigação de não discriminar o homem e a mulher, quer nas tarefas, quer nos salários, deixando aberta, por via indirecta, a categorização social, não contradizendo os anseios colectivos, que dão à família a expressão da complementaridade de funções, na igualdade de direitos e deveres.
Para além destas preocupações, existem aquelas que se prendem com o crescimento desordenado das zonas fortemente urbanizadas, onde, entre montanhas de cimento, se não descobre como fazer vivificar o convívio e a simpatia entre as famílias.
Também os jovens casais, estão praticamente impossibilitados de comprar ou alugar uma casa, ou, se o fazem, têm de hipotecar fortemente o seu rendimento para a renda ou para o crédito à habitação, precisamente, no país, que, pertencendo ao clube dos Doze, regista a maior percentagem de rendimento destinada à habitação.
Os curtos três meses concedidos a um dos membros do casal para acompanhar o recém-nascido não são, de maneira nenhuma, suficientes para essa complexa e essencial tarefa, estando Portugal, também nesta matéria, atrasado em relação a outros países da União Europeia.
O Sr. José Puig (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - A dureza dos horários de trabalho nas grandes cidades e as distâncias a percorrer até aos serviços, negam aos país o mínimo de tempo que seria exigido para o convívio diário com os filhos.
A maneira como se está hoje a viver nos grandes centros urbanos é um sinal da mais pura irracionalidade.
Assim, também nos campos, com a desertificação e o desmembramento da sociedade rural, se vê perder dia a dia a unidade das grandes famílias, grandemente depositárias de valores e de tradições que enriquecem a cultura de um país.
Vivemos um ano comemorativo da família, direi mesmo que vivemos um ano comemorativo da nossa mais sagrada pertença: a nossa família! Uma idealização mais que necessária para reflectirmos sobre a nossa condição humana no Portugal em que queremos, inteligentemente, viver.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O minuto e meio de que disponho não me permitirá falar de uma família numerosa, mas vou tentar falar de numerosas famílias.
Começo por dizer que a minha intervenção está profundamente marcada pelo drama a que assisti, ontem, numa reportagem televisiva da autoria de José Barata Feio, possível devido aos trabalhos do Rui Araújo, do Samuel Costa e da Sofia Leite, que devia ser vista por todos os Srs. Deputados, em especial, pelos da maioria, pois questiona a situação dos trabalhadores e das famílias em geral que são confrontadas com uma sociedade cada vez mais selvaticamente subordinada à lei do lucro e, por isso mesmo, afectada por uma grande crise de desemprego. Nela aparecia, por exemplo, a família Pereira, com o pai e a mãe analfabetos, ambos desempregados, não se sabendo qual o destino do filho e da filha.
Falar hoje da família, não só no nosso país mas em lodo o mundo, exige que pensemos que, no seio da família, especialmente as mulheres são pressionadas, no sul, para não terem filhos e, no norte, para os terem, e, ainda por cima, confrontadas com a oposição da igreja que nem no nariz permite que se use o preservativo. Esta e uma questão de grande importância, porque não permite o planeamento adequado e, por outro lado, não coloca o desenvolvimento harmonioso da sociedade como a questão fulcral para abordar estes temas, nomeadamente, o da família. É que as mulheres nem no norte nem no sul têm condições para responder às pressões de que são objecto.
É evidente que a família tradicional é questionada na sociedade de hoje, que está em transformação, mas também o é pela desagregação social, consequência do desenvolvimento tecnológico que, por sua vez, não responde ao desenvolvimento social; e igualmente questionada pelo próprio percurso de independência e de emancipação da mulher, que implica que esta assuma outro papel na família, que a estrutura social não e capaz de assimilar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na abordagem deste tema, é necessário que os direitos sociais e económicos dos cidadãos e das famílias sejam considerados ao nível dos direitos humanos, o que é decisivo para o futuro. Sabemos como isso é difícil - de que serve concentrar o poder económico e político? -, mas só dessa forma, tratando os direitos sociais e económicos como direitos humanos, pode abrir-se um rasgão no véu que encobre o futuro, a tal "réstia de azul", de que falava ontem um desempregado na Suíça.
Quero referir uma iniciativa recente da UMAR, do tribunal de opinião, que, a propósito do Ano Internacional da Família, colocou questões de grande importância, destacando o facto de as próprias leis, que fazem parte do acervo da nossa legislação, não serem postas em prática pelo Governo, designadamente, as que têm a ver com a interrupção voluntária da gravidez, com a existência de creches públicas, com a regulamentação da lei contra a violência sobre a mulher, com as questões do trabalho infantil, etc.
É evidente que a resposta para os problemas que, hoje, atravessam as famílias e os cidadãos passa, com certeza, pelo afastamento do PSD do Governo e pela abertura de novas perspectivas, de uma nova política que tenha em conta os homens e as mulheres para que possa existir, finalmente, um governo de pessoas para pessoas.
Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.