1012 I SÉRIE -NÚMERO 26
cão de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes) foram submetidos, hoje, a parecer da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente.
Todos estes projectos implicam alterações quanto às zonas estuarinas, com particular relevo para o estuário do Tejo, e, em geral, quanto às zonas costeiras. O quadro legal que se pretende alterar tem sofrido adaptações desde o século passado e é caracterizado essencialmente pelo princípio geral de direito público de que as margens, leitos e águas marítimas ou fluviais devem estar na titularidade e gestão do Estado. É essa a tradição marítima portuguesa, concluindo alguns não se poderem separar as margens das próprias águas, o que implica que a eventual desafectação de áreas de valência portuária dê lugar, quando muito, à sua afectação a outro organismo do Estado e defendendo outros que a aplicação desse princípio implica que, para a coerência da gestão integrada nacional das margens, leitos e águas do mar, se devam submeter, quer as margens quer os leitos quer as águas, à mesma disciplina jurídica.
O fundamento do princípio de que os espaços litorais devem ser submetidos à jurisdição das administrações portuárias de outros organismos do Estado resulta não só da sua afectação às actividades portuárias, mas também da necessidade de se estabelecerem zonas de reserva para o futuro e de acautelar zonas de influência ou condicionamentos portuários. Esse princípio histórico do nosso direito público resulta também da necessidade de garantir a evolução conjuntural de actividades ligadas ao turismo, ao recreio e à nossa tradição marítima em geral.
O desenvolvimento harmonioso do País e em particular da faixa costeira pressupõe a execução de uma política de ordenamento e gestão racional das zonas costeiras de forma integrada, que, em princípio, só instituições específicas e vocacionadas para esses problemas permitiriam prosseguir.
Na apreciação dos projectos de lei que se vai seguir estarão necessariamente em questão e em jogo áreas tão sensíveis como as ribeirinhas, cujos interesses muitos defendem só poderem ser eficazmente moderados pelo Estado, havendo outros que pretendem a intervenção dos próprios municípios. E, ralando em municípios, estará também em causa o papel das autarquias, essencialmente no que diz respeito à jurisdição sobre essas áreas ribeirinhas, sendo porém de salientar que as autarquias têm já um papel importante no nosso ordenamento jurídico, tendo assento nas estruturas com responsabilidades nas matérias, como é o caso, por exemplo, do órgão recentemente constituído - o conselho de bacia - e tendo também assento nas comissões técnicas de acompanhamento dos planos de ordenamento da orla costeira.
Finalmente, cabe também já aos municípios, dentro do regime em vigor, licenciar as obras e trabalhos nas áreas de jurisdição portuária, salvo as que forem promovidas pela administração indirecta do Estado e directamente relacionadas com a respectiva actividade, e, como é sabido, o licenciamento de actividades que decorram da própria lei.
É isso, Sr. Presidente, que hoje estará em jogo na discussão dos projectos de lei em questão.
O Sr. Presidente: - Na qualidade de autor do projecto de lei, para uma intervenção de cinco minutos, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira. Passados os cinco minutos iniciais, começará a descontar no tempo atribuído ao Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de começar a minha intervenção por manifestar alguma surpresa relativamente à visão de Estado do Sr. Deputado Cardoso Martins, visão essa que parece findar no Governo e nos seus corpos administrativos e não inclui os municípios, que são excluídos do âmbito da sua intervenção São conceitos que penso não serem partilhados pela Comissão que veio aqui representar e julgo ter-se excedido nas suas considerações.
Sobre o tema em debate, Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que se coloca hoje a esta Assembleia a oportunidade de debater uma situação já velha de décadas e resolver um conflito institucional que, por pessoas interpostas - neste caso, as administrações portuárias -, tem vindo a opor a Administração Central às autarquias.
Está em causa, na perspectiva do meu grupo parlamentar, a continuação da gestão das zonas ribeirinhas pelas administrações dos portos, nos casos em que as áreas sob sua jurisdição tenham perdido a vocação portuária. A questão coloca-se com crescente acuidade, na medida em que a evolução tecnológica do transporte marítimo e a reorientação e mudança de composição do comércio internacional geraram alterações dramáticas nos processos de exploração portuária, com redução do emprego a níveis baixíssimos, acumulação de equipamentos obsoletos e enormes excedentes de espaços e infra-estruturas.
Esta situação, no caso português, foi ainda agravada por uma separação jacobina entre porto e cidade, conduzindo ao desaparecimento progressivo dos grupos profissionais indispensáveis ao desenvolvimento das actividades e negócios marítimos e estrangulando a dinâmica e a capacidade de renovação portuária. Agora, esquecida que está, entre nós, a visão das áreas portuárias como plataformas comerciais e logísticas, conceito que o norte da Europa tão bem soube desenvolver na década de 80, subsistem apenas visões esquálidas e reducionistas dos portos como meros locais de trânsito de mercadorias, incapazes de acrescentar valor mesmo quando a tonelagem movimentada aumenta. E para o que sobra em absoluto - neste caso, o espaço - deixa-se uma vocação de finisterra turístico, de recreio e lazer. Ou a aventura do imobiliário, geradora de ganhos e perdas, sempre grandes, mas nunca compensando os impactes negativos sobre o interface ribeirinho, que se quereria livre como fronteira de trocas e não como área de demonstração de status.
É esta a perspectiva a que conduziu a última década de administrações portuárias, majestáticas e autónomas, bem como as políticas marítimas, incapazes de conduzir os debates necessários à elaboração das estratégias dos sectores comerciais, laborais e urbanos, elementos indispensáveis ao progresso dos processos de troca e circulação de mercadorias e serviços. E foi assim que as cidades portuárias portuguesas perderam protagonismo na centralidade sempre renovada da via marítima.
Entenda-se, pois, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que uma das razões que levam a bancada do PS a questionar a continuidade da gestão das zonas ribeirinhas urbanas pelas administrações portuárias decorre da falta de perspectiva, estudada e consistente, do futuro da actividade que, prioritariamente, estas entidades deveriam assistir.
Contudo, e antes do mais, está também em causa a necessidade de equilibrar a relação entre os poderes democráticos municipais eleitos e as administrações portuárias ditas autónomas; mas autónomas apenas na relação de extra territorialidade duvidosamente constitucional que diversos governos lhes têm permitido em relação às autarquias.
E falo em equilibrar, porque já existe, da parte da maioria das cidades portuguesas, a consciência dos portos