1532 I SÉRIE - NÚMERO 43
das coimas. Este balancear legislativo radica, afinal, na medida da culpa do Governo quanto à ampla descriminalização em que teimou, nomeadamente quando estão em causa valores atinentes ao homem como ser social.
Hoje, o comportamento de quem, infringindo normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, provoca morte e doença não é encarado pela comunidade com indiferença ética e não pode ser punido apenas com uma coima.
As condutas de quem discrimina trabalhadores e trabalhadoras no acesso ao emprego e na valorização através do trabalho não se caracterizam pela neutralidade ético-social e não podem ser apenas punidas com contra-ordenações.
Os que, intencionalmente, com o puro objectivo do lucro ilícito, deixam de pagar salários aos trabalhadores despertam a mais viva censura e repulsa num Estado de direito democrático e não podem ser apenas punidos com coimas.
Sente-se, nas contradições existentes nesta autorização legislativa, uma tentativa de justificar a recusa de penalização de determinados comportamentos com o agravamento de sanções pecuniárias. Acontece, porém, que desta forma se agrava a injustiça, descaracterizando-se o ilícito de mera ordenação social. Enquanto uns encolhem os ombros, pois para eles é, mesmo assim, mais fácil abrir a bolsa e pagar as coimas do que encarar a censura do Direito Penal, outros, menos afortunados (no sentido exacto do termo fortuna), sofrem com o agravamento das sanções, pelo facto de as suas condutas, que a comunidade eticamente não sanciona, estarem equiparadas aos que, de facto, cometem crimes.
Enquanto não se encontrar o justo equilíbrio no movimento de descriminalização e de despenalização, o ilícito de mera ordenação social não cumprirá cabalmente os seus objectivos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata vai votar favoravelmente a proposta de lei n.º 119/VI, que configura uma autorização legislativa, por razões que passo a expor sumariamente, mas que, no fundo, se reconduzem às acabadas de expor pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça e que nos merecem total concordância.
Em minha opinião, em algumas das intervenções já feitas nesta Câmara, não se terá tomado na devida conta o artigo 2.º da autorização legislativa, que marca o seu objectivo, define o programa político-criminal do diploma e em relação ao qual são medidas instrumentais as demais elencadas, isto é, medidas que só recebem, em parte, o sentido se as interpretarmos, as lermos, em conjugação com o artigo 2 º, que marca a teleologia geral da reforma.
Este artigo aponta três objectivos fundamentais: o reforço da eficácia do sistema das contra-ordenações, por um lado; por outro lado e de certa maneira, o reverso, ou seja, o reforço das posições de defesa do arguido no processo de contra-ordenações; em terceiro lugar, um objectivo derivado ou secundário, que é a introdução dos necessários ajustamentos intra-sistemáticos, no que toca ao direito de mera ordenação social, e transistemáticos, quanto ao direito ambiente em relação ao direito das contra-ordenações, designadamente, ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, como ordenamentos subsidiários do direito das contra-ordenações.
Em nosso entender, este conjunto de objectivos é salutar, de apoiar e razoável.
O direito das contra-ordenações, como foi recordado, é um instrumento privilegiado de uma política de descriminalização e está, portanto, na linha dos grandes horizontes de política criminal subjacente ao ordenamento português. a começar pela Constituição da República. Mas, para isso, torna-se necessário, em primeiro lugar, aumentar a sua credibilidade, isto é, aumentar a adesão da própria colectividade ao sistema das contra-ordenações, o que tem como pressuposto o reforço da eficácia, porque a comunidade não se revê num sistema que não tenha a eficácia adequada à gravidade das situações. Os fenómenos de que ultimamente temos sido testemunhas, de respostas inorgânicas da sociedade a certas manifestações da criminalidade, mais não fazem do que comprovar a veracidade desta evidência da política criminal em geral.
No entanto, se, por um lado, se impõe o reforço da eficácia, como reverso, impõe-se o aumento das condições de defesa dos arguidos. Nesse sentido, vai também todo um conjunto de medidas que são elencadas.
Em rigor, e vistas bem as coisas, talvez nem todas estas medidas fossem necessárias, em boa hermenêutica jurídica, se se levasse em devida conta a ideia de que, como dizem normas do direito das contra-ordenações, o Código de Processo Penal e o Código Penal são diplomas subsidiários. Mas a verdade é que é preciso fazer alguma concessão à realidade e atender a que nem sempre a law in action se adequa à law in books. Pela experiência que temos, torna-se apreensível o facto de muitas vezes as contra-ordenações serem aplicadas por pessoas sem a necessária formação jurídica, sem quadros jurídicos, sem, no fundo, uma teoria geral do Direito, pessoas que nem sequer são juristas, não têm a cultura jurídica necessária para, para além do que a lei das contra-ordenações directamente oferece, «dar o salto» para os Códigos Penal e de Processo Penal e, mesmo, para os princípios fundamentais do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
Como sabem, há serviços da Administração Pública, por exemplo, na segurança social, onde as contra-ordenações são aplicadas por licenciados de serviço social e, noutros domínios, por pessoas também sem preparação jurídica. Por isso, talvez haja vantagem em descodificar um pouco o carácter mais hermenêutico das normas do Direito Penal e do Direito Processual Penal, convertendo-as em normas mais simples e actualizadas, na lei das contra-ordenações. Isto vale para algumas das propostas feitas nesta autorização legislativas e cuja necessidade, em termos teóricos puros, talvez possa ser questionável, mas cuja oportunidade pragmática não podemos deixar de saudar.
Se os objectivos são estes, se as contra-ordenações se transformaram, hoje, num instrumento imprescíndivel de política criminal, longe vão já os tempos em que, nos idos de 1979, foi publicado o primeiro decreto-lei que criava o ilícito de mera ordenação social. Lembro-me que um semanário de Lisboa, numa rubrica então muito na moda, chamada «A figura da semana», atestava mais ou menos isto. «O leitor já ouviu falar em coima e contra-ordenação. Não ouviu? Nós também não! Mas uns Srs. Professores de Coimbra, numas lucubrações filosóficas, descobriram isto. Tenha a certeza, leitor, de que a generalidade dos portugueses vai continuar a viver e a morrer sem nunca ouvir falar de coimas». Esses tempos estão definitivamente ultrapassados, as coimas e as contra-ordenações são uma figura do Direito Constítucional português e da prática de to-