17 DE FEVEREIRO DE 1995 1529
Em meu entender, era mais tempo de fazer o balanço do Ministério da Justiça dos últimos 10 anos! Talvez isso Fosse mais oportuno do que estar aqui agora, com um pedido de autorização legislativa, que é, sem dúvida, pertinente e se justifica, mas que, suspeito, V. Ex.ª não vai ter tempo de elaborar, em especial estando ainda apenas no domínio dos princípios.
Lamento dizer-lhe, mas confirmaram-se os receios que tínhamos há uns anos atrás, suponho que há sete ou oito anos, quando o Sr. Ministro da Justiça veio à Assembleia da República apresentar o seu plano. Nessa altura, receámos que o Governo não fosse capaz de levar à prática os desígnios ambiciosos e justos que tinha.
Os tribunais estão piores do que estavam! No mínimo, estão iguais, mas penso que estão piores, e o Sr. Secretário de Estado sabe isso tão bem quanto eu. Infelizmente, nada melhorou! Os atrasos judiciais agravaram-se. A falta de pessoal e as más condições do serviço agravaram-se. Os outros serviços do Ministério da Justiça mantêm-se graves, e posso dizê-lo com conhecimento de causa.
É inaceitável que, por exemplo, na Conservatória dos Registos Centrais demorem dois e três anos para darem resposta a questões de preceito. Um caso concreta e singular: um cidadão português emigrado na Argentina durante 20 anos, onde casou, mas não teve o cuidado de casar no consulado português. Regressou a Portugal definitivamente, casado e com filhos, e há três anos que espera, para regularizar a sua situação, que a Conservatória dos Registos Centrais emita cédulas pessoais dos filhos e certidão de casamento, para poder provar que a mulher, de nacionalidade espanhola, está em Portugal com legitimidade. Isto é inaceitável' Não há razão alguma - nenhuma! - quo justifique que um serviço público demore três anos a dar resposta a uma questão de preceito Ainda se tivesse sido necessário fazer investigações, diligências para a obtenção de provas, mas nada! O processo foi instruído na conservatória do registo civil da residência do requerente, seguiu para a Conservatória dos Registos Centrais e aqui não foi pedido qualquer esclarecimento, qualquer documento complementar! Porém, aquela família espera há três anos, sem qualquer indemnização nem pedido de desculpa. A resposta já veio de facto, após uma intervenção junto do Ministério da Justiça, mas veio seca, em duas linhas, sem o dever mínimo de dizerem «Lamentamos o atraso»!
É este o estado do Ministério da Justiça.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - E intolerável!
O Orador: - Assim se passa nas conservatórias dos registos prediais, nos cartórios notariais...
O Governo tem agora um projecto que considero inaceitável - e esta não é a opinião comum no meu partido -, que e o de ir mexer no que está bem. Contudo, trata-se de uma questão técnica e não política nem ideológica. Se, em Portugal, há um serviço público que mereça credibilidade é exactamente o serviço dos cartórios notariais, O que está em causa é, às vezes, a afluência a esse serviço Então, crie-se mais cartórios notariais. Por que é que se há-de alterar, de forma substantiva, um serviço que merece credito?! Não tem uma imagem degradada. Nunca teve! Os notários merecem crédito público, funcionam com crédito público, os senhores vão privatizar. Vão privatizar para quê?! Será que isso vai melhorá-los? Vai melhorá-los em quê?! Sc o problema tem a ver com atrasos, com demoras, devido à afluência excessiva, aumentem-se o número de cartórios notariais. Não precisamos de notários a auferirem 1400 contos/mês de reforma. Podem ler 700 contos! Podem ter os ordenados faustosos dos Deputados, que bem lhes chega!
Risos do PS e do CDS-PP
Mas não! O Governo mantém o numeras clausus de cartórios notariais, porque a pressão é essa, e, então, vai fazer a privatização, mas estou a desviar-me do debate. Penso que V. Ex.ª e o Sr. Ministro deviam vir aqui requerer um inventário, deviam transmitir a herança com benefício de um inventário É que temos de saber o que é que os senhores fizeram, porque, de facto, devem estar muito envergonhados com o pouco que produziram em relação ao que prometeram.
Passando à proposta de lei, devo dizer que ela e boa, com certeza. E digo isto porque a legislação em vigor - e o Sr. Secretário de Estado conhece-a melhor do que eu, porque, certamente, a estudou atentamente - é, de facto, uma coisa... Enfim, não sei quem a escreveu, mas pergunto-me se o que está escrito é português, porque não percebo. Tem uma linguagem. Parece ter sido escrito por alguém educado em Heidelberg e que deve falar alemão, pois põe o sujeito no princípio e o predicado no fim, com cinco linhas de intervalo Uma pessoa perde-se no meio disto. Não sabe o que está aqui! Tem normas horrorosas! É, pois, urgente, sem que seja essencial para o bem público, aperfeiçoar a legislação em vigor Neste ponto, estamos de acordo.
Só que, como já foi dito pela Sr.ª Deputada Odete Santos, os senhores pedem uma autorização legislativa para aperfeiçoar a legislação em vigor, mas não dizem em quê! Talvez não tenham de o dizer, porque, depois, a Assembleia pronunciar-se-á sobre a lei em concreto. Mas há normas que, de facto, não percebo.
Por exemplo, os senhores não dizem em que é que se traduzirá a proibição de exercer profissões. Esta linguagem é de tal modo ampla que dá ideia de que o presidente da câmara municipal ou o governador civil podem proibir, por exemplo, um advogado de advogar, um médico de ser médico, um comerciante de ser comerciante, um sapateiro de ser sapateiro, um alfaiate de ser alfaiate... Isto é dito em termos tão amplos, quando não é nada disto! A seguir, vêm os feirantes e... Bom, mas isto e outra coisa!
Há, depois, uma norma que me deixa perplexo. Sabemos, hoje, face à prática da justiça em Portugal, que as partes que os advogados representam têm prazos, e prazos improrrogáveis, salvo os três dias seguintes, com as respectivas multas. Passados esses 10 dias, nada mais pode fazer. Porém, depois de o processo dar entrada, está um, dois, três ou quatro anos numa gaveta, e posso dar-lhe, às dezenas, exemplos concretos. Ou seja, a pressa e enorme, mas o processo entra no tribunal e espera-se um ano pela primeira diligência. Um ano!... Talvez houvesse necessidade de rever isto e os senhores fazem-no, mas, curiosamente, de uma forma que não entendo bem É das poucas coisa concretas que vêm no pedido de autorização legislativa em que o prazo de interposição de recurso da decisão judicial passa para 10 dias, quando o prazo judicial é de oito dias. Isto é, em processo civil, em processo criminal, em processos que são volumosíssimos, com sentenças e acórdãos que têm dezenas de páginas, há oito dias para recorrer, o que me parece curto, mas o Governo não propõe o aumento do prazo. No entanto, aqui, na contra-ordenação, um processo de natureza simples, cujo despacho de sentença se dará em duas páginas ou pouco mais, o prazo passa para 10 dias. Não estou em desacordo; pelo contrário, estou de