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2704 I SÉRIE - NÚMERO 85

portugueses e africanos é muito incipiente e o Governo tem feito muito pouco para incrementar esse relacionamento científico.
Falta da parte do Governo uma política mais consistente de apoio à investigação e de partenariado universitário e científico. Essa política é urgente e vital por duas razões: primeiro, como forma de cativar os jovens portugueses para o conhecimento da realidade africana e, segundo, porque as elites políticas africanas, que têm a sua legitimidade assente na luta de libertação ou as que foram formadas nos sistemas de ensino do bloco de Leste, abandonarão naturalmente o poder nos próximos anos, dando lugar a uma nova geração de elites africanas que necessitam encontrar, nos seus países, meios de atingir uma formação académica e técnico-profissional.
Por outro lado, a importância que o Governo atribui à preservação da nossa memória colectiva (que é, em parte, comum a esses povos) é ainda insuficiente. Basta olhar para o estado dos nossos arquivos e centros de investigação dedicados a essa área, desprovidos de condições e meios. Sublinho em especial o caso do extinto Arquivo do Ministério do Ultramar, posto - vá-se lá saber porquê - à guarda do ICE, com ordem de despejo do edifício que ocupa, guardado em condições precárias que não garantem a sua conservação, inacessível aos investigadores. E esse é um arquivo decisivo para a história contemporânea quer de Portugal quer dos países africanos de língua portuguesa.
Importa agora olhar para os novos condicionalismos de uma política de cooperação para o desenvolvimento. É à sua luz que é necessário formular uma política. Identificaria três.
Em primeiro lugar, a cooperação multilateral ganha uma importância crescente, com duas consequências políticas significativas. Desde logo, Portugal é cada vez mais actor de cooperação num quadro multilateral. Depois, parte significativa dos financiamentos disponíveis para a ajuda pública ao desenvolvimento, no quadro multilateral, multiplicam os actores de cooperação, rompem - saudavelmente, sublinho - as lógicas tradicionais das esferas de influência herdadas da ordem colonial e colocam, portanto, novos desafios e exigem a formulação de um novo tipo de políticas. Por isso, aos governos ficam lançados dois desafios: primeiro, o da maior selectividade da sua ajuda bilateral, concentrando-a em projectos distintivos e estruturantes do relacionamento; e, segundo, o do apoio a dar às ONG portuguesas. Creio que uma análise serena da cooperação portuguesa mostra que, apesar do caminho percorrido, essa transformação ainda não foi interiorizada.
Em segundo lugar, o relacionamento Estado a Estado não é mais a sede por excelência da cooperação. É crescente, e de incentivar, o desenvolvimento de agentes privados de cooperação envolvidos em projectos não financiados pelo Orçamento do Estado, de impacto muito directo no bem-estar das populações, e estes são, portanto, actores privilegiados que, directamente em contacto com os povos e os governos, constituem hoje pilares da cooperação portuguesa.
Em terceiro lugar, sublinharia uma nova exigência, que é cada vez mais acentuada, a de associação do esforço de ajuda ao desenvolvimento a movimentos de retorno dos fluxos da cooperação e à defesa da criação ou aperfeiçoamento de um Estado de direito e à observância dos direitos humanos.
Mas, naturalmente, a política de cooperação é exercida através de um conjunto de instrumentos dos quais depende a sua eficácia e operacionalidade. E era sobre eles que agora gostaria de reflectir.
O primeiro instrumento é naturalmente orçamental. Em Portugal, não há, autonomizado como tal, um orçamento para a Cooperação. O Governo nunca o apresentou.
Esta é uma medida que deve ser adoptada, em minha opinião, por duas razões e, desde logo, como primeiro instrumento de racionalização e coordenação política.
A coordenação política, necessária à realização desse orçamento, será um primeiro factor de racionalização de recursos que evita a dispersão de meios e a multiplicação de iniciativas. Depois, porque a apresentação de um orçamento para a cooperação tem um efeito pedagógico, ao visibilizar o esforço que os portugueses dispendem na ajuda pública ao desenvolvimento e esse efeito é necessário para manter uma opinião pública sensibilizada e interessada na política de cooperação para o desenvolvimento.
Em Portugal, o esforço de ajuda pública ao desenvolvimento atinge já níveis expressivos e não é concebível que, para além de pequenas variações, ele possa vir a alterar-se significativamente. A nossa discordância não reside nos montantes globais da ajuda mas na política que é exercida com esses meios, como adiante explicarei.
Para além do instrumento financeiro, importa analisar o dispositivo de administração dessa ajuda. E aqui sublinho algumas deficiências e algumas discordâncias.
A reforma do Ministério dos Negócios Estrangeiros contemplou a fusão da DGC com o ICE de modo a criar um «único interlocutor institucional (...) no âmbito do planeamento, coordenação, acompanhamento e avaliação da política de cooperação.» C resultado da experiência não me parece positivo, não porque a ideia em si seja errada mas porque a sua execução e enquadramento orgânico são deficitários.
A transição provocou níveis de prestação de serviço precários e o modelo adoptado falha porque o novo Instituto da Cooperação Portuguesa carece de alguns instrumentos fundamentais que lhe confiram uma efectiva capacidade de coordenação. Citaria dois.
O ICP não tem assento no Conselho de Garantias, por onde passa o essencial da política de relacionamento económico - seguros de crédito, garantias financeiras e seguros de investimento -, quando, antes, tinha representação na Comissão Nacional de Garantias de Crédito. Como é que se garante, então, que esse instituto esteja capaz de fazer a coordenação da política económica de cooperação? O ICP não tem representação nos órgãos próprios do ICEP. Como é que se garante, então, que esse instituto seja capaz de fazer a coordenação da política de promoção do investimento empresarial?
Dessa reforma consta ainda a transferência da tutela do Instituto Camões para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. A ideia é boa, a experiência é um desastre. O atraso na publicação da lei orgânica mostra o escasso interesse que o Governo e o Ministério dos Negócios Estrangeiros tiveram em aplicar esse instrumento de política de cooperação. Não há para isso outra explicação. A lei tem lacunas graves, tem uma má definição de tutelas, causa em grande parte da abulia funcional em que vive esse instituto e da confusão de competências entre as suas diversas áreas. Os meios não existem ou são dramaticamente precários. O efeito político é, por isso, muito reduzido.
Uma palavra sobre os agentes de cooperação.
A importância da sociedade civil no desenvolvimento de acções de cooperação é cada vez maior. Essa participação coloca ao Estado novos desafios políticos. Em pri-