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2706 I SÉRIE - NÚMERO 85

no debate de hoje, é que os partidos sublinhem - e creio que isso será um consenso - que a política de cooperação portuguesa continuará a ser um vector essencial e uma base de consenso em relação à política externa do Estado português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate nasceu marcado por uma contradição. Longe de mim a ideia de negar o interesse do lema, mas choca o facto de, a poucos dias do final da Legislatura, o partido do Governo ter manifestado tamanho empenho em promover um debate sobre a política de cooperação.
Estamos, obviamente, perante uma missão de pré-campanha eleitoral. Os Deputados do PSD esboçaram um panorama triunfalista, marcado por miríficas realizações numa frente onde a prestação de serviços do Governo foi liliputiana. O Executivo deveria sentir vergonha pelo que não foi capaz de fazer e pelo que fez mal, no campo da cooperação, contudo, o PSD apresenta-se, transpirando euforia, com um discurso de grandezas que traz à memória velhas arengas imperiais.
Srs. Deputados, o desempenho do Governo na área da cooperação tem sido muito mau, sobretudo pela omissão.
O jornal Público, em suplemento especial intitulado «Vinte anos de cooperação pelintra», chamou recentemente a atenção para a soma de fracassos que o Executivo tem acumulado nessa área. Ora, o PSD pretendeu apresentar, neste debate, os fracassos dos últimos 10 anos como êxitos que tornariam os feitos da política de cooperação do cavaquismo credores da gratidão pública.
Ocorre que, na prática da vida, o Governo PSD tem avançado aos tropeções pelos caminhos da cooperação com as antigas colónias e perfilha, na sua mini-cooperação com outros países do Terceiro Mundo, as teses negativas cuja formulação teórica encontramos expressa nos relatórios da OCDE.
O matutino que citei qualifica de hilariantes os episódios que definem o quadro de cooperação com os PALOP. A palavra escolhida pode chocar, mas define uma situação humilhante. O quadro tem algo de alucinatório.
Obviamente, a contribuição de Portugal na área da cooperação teria, à partida, de ser condicionada pela penúria dos meios disponíveis. Somos um país pobre, de limitados recursos naturais e com um nível de desenvolvimento insuficiente. As limitações materiais não são, contudo, impeditivas de uma perspectiva correcta do que deva ser o papel possível e necessário de um Estado, como o português, na cooperação humanizada com países que, pela força da história, se mostram particularmente receptivos a ela.
A opção do Governo foi outra. O Governo e o seu partido perfilham uma concepção egoísta do desenvolvimento da humanidade. Adoptam, nomeadamente, um entendimento do chamado «diálogo Norte-Sul», que faz da ajuda aos países não desenvolvidos um exercício de retórica e uma ficção.
Os efeitos dessa política, por parte das grandes potências, têm aprofundado de ano para ano, com consequências dramáticas, o fosso que separa mais de quatro quintos da humanidade da minoria que controla e consome a quase totalidade dos recursos do planeta.
Portugal poderia, pelo menos, ter adoptado uma política séria e útil no que se refere à cooperação cultural, com incidência especial na área do ensino da língua portuguesa Mas isso não tem sido feito O Governo gasta as energias (e não só) na frente da propaganda, para inventar aquilo que, afinal, não leva adiante.
Srs. Deputados, em Luanda não existe sequer um centro cultural português. A sua instalação foi prometida e anunciada como iminente nos últimos 10 anos, em floridos exercícios de demagogia governamental.
Em Bissau, o Centro Cultural funciona num velho barracão colonial. Naquele país, quem dinamiza o ensino do português é o Centro Cultural Brasileiro. Há ali cidadãos portugueses com condições para o desempenho de actividades docentes, mas alega-se que falta verba para lhes pagar. A Rádio Bissau, em esforço louvável, transmite aulas de português, mas a responsabilidade é do Centro Cultural Francês. A maioria das escolas onde se ensina português nasceu de iniciativas em que a Embaixada e o Consulado não participaram.
A Guiné-Bissau não constitui, aliás, excepção. Houve tempo em que, na República de Moçambique, professores alemães davam aulas de português.
Os factos confirmam que a anunciada revolução cultural, que deveria ter sido desencadeada pela criação do Instituto Camões, não se perfila sequer ainda no horizonte da cooperação com os PALOP. O Instituto, aliás, não passa de um fantasma...
Srs. Deputados, os quadros do Instituto para a Cooperação Portuguesa são os primeiros a reconhecer que, além da carência de verbas, «falta dimensão prática» na tomada de decisões Por vezes, pedidos de bolsas ligadas a projectos urgentes ficam retidos largos meses na Secretaria de Estado da Cooperação.
Quanto à cooperação especificamente económica, o panorama não é mais animador O Instituto para a Cooperação Portuguesa tem pouca autonomia. Os fundos e recursos comparticipados no quadro internacional chegam através de uma pesada máquina burocrática que passa por diferentes ministérios. As grandes empresas, que, gulosamente, procuram lucros fáceis e rápidos em África, acabam sempre por levar vantagem na obtenção desses fundos, em prejuízo, claro, dos projectos com componentes sociais e culturais apresentados por ONG com outro conceito de cooperação.
O importantíssimo terreno da comunicação social na política de cooperação justifica o recurso à palavra desastre. As emissões internacionais da RTP e da RDP oferecem uma imagem pavorosa de Portugal. O futebol, as telenovelas e os concursos são os alicerces de uma pirâmide de estupidez. Um autêntico pesadelo!

Protestos do Deputados do PSD Nunes Liberato.

São opiniões, Sr. Deputado! A sua é diferente! Sr. Presidente, Srs Deputados: A política de cooperação do Governo - repito - está impregnada da hipocrisia que caracteriza o discurso oficial sobre o diálogo Norte-Sul O Governo, com a sua oratória ufanista, colabora alegremente na manutenção da farsa da ajuda ao Sul, não obstante as estatísticas demonstrarem que tal ajuda é ficcional, pois os países de África e da América Latina, globalmente considerados, são, apesar do seu atraso e pobreza, exportadores líquidos de capitais. Explorados, dão mais do que recebem, em consequência do pagamento do serviço da dívida e da engrenagem do intercâmbio desigual.