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3152 I SÉRIE - NÚMERO 92

sovietes e de uma república socialista, com a consequente dissolução dos partidos burgueses, pondo termo à promessa de instituição de um regime democrático.
Se tudo isto se passava extra muros, dentro da Assembleia Constituinte, que era então a única sede de poder verdadeiramente democrático, resultante da livre vontade do povo português, expressa em sufrágio directo, secreto e universal, viviam-se então os grandes momentos de debate e contraditório políticos ao mais alto nível, que Portugal não conhecia, desde há longos anos, mais precisamente desde o golpe militar de 1926.
Com a instalação da Constituinte, retomava-se a prática democrática, apesar de algumas manifestações verbais de autoritarismo por parte daqueles que se julgavam donos da Revolução de Abril de 1974 e do destino de Portugal e dos portugueses. Apesar da censura na imprensa, na televisão e na rádio, que se encontravam ao serviço dos revolucionários, todos quantos se deslocaram às galerias, onde hoje se encontram os nosso homenageados e convidados, puderam assistir a debates de grande elevação filosófica, ideológica e técnica sobre os problemas fundamentais do País e as alternativas para as normas constitucionais que estavam em gestação.
Hoje, quando relemos tais debates, poderemos encontrar alguns excessos de linguagem e radicalismos oratórios, por exemplo, do Deputado da UDP Américo Duarte, mas também nos deleitamos com magníficas peças oratórias, de fino recorte literário e de grande densidade política e cultural, que causa admiração, por, em face de circunstâncias adversas e o tumulto da rua, ter sido possível um trabalho profícuo, de grande qualidade substantiva e formal e de enorme responsabilidade nacional, como foi a elaboração do texto constitucional, próprio de um Estado moderno de Europa Ocidental, como então dizia.
Como disse o Presidente do Grupo Parlamentar do CDS, Dr. Victor Sá Machado, na declaração de voto sobre o texto constitucional, formulada em nome dos 16 colegas de bancada, provavelmente num dos mais delicados momentos da história recente, quando foi o único partido a votar, com espanto de todos os outros partidos, contra a Constituição de 1976, na votação final global, por motivos eloquentemente expressos: "Das mãos do povo português recebemos nós, os Deputados à Assembleia Constituinte, o encargo exaltante de, em seu nome, elaborar a lei fundamental, que consagrasse os direitos e as liberdades que aos portugueses foram devolvidos pela revolução democrática de Abril (...) uma lei que restituísse aos portugueses a sua dignidade de homens livres, a responsabilidade de cidadãos participantes, o direito de, por si, criarem as suas instituições e escolherem o regime em que pretendem viver, os homens que hão-de governá-los, a proposta política que melhor corresponda às suas aspirações, e de o fazerem sem compromissos ou hipotecas. Uma lei, enfim, para enraizar, estruturar e defender a democracia".
Era esta a tarefa dos constituintes e, perante os graves condicionalismos históricos, que já referi e que temos de realçar hoje, vislumbramos e sublinhamos a qualidade dos contributos que cada um deles trouxe para a redacção final da lei fundamental.
Esta qualidade de trabalho devemo-la, sem dúvida, ao excepcional naipe de constitucionalistas, juristas, economistas, sociólogos, engenheiros, médicos, gestores e outros profissionais que tomaram assento na Constituinte: Mário Soares, Diogo Freitas do Amara], Adelino Amaro da Costa, Jorge Miranda, Vital Moreira, Carlos Mota Pinto, Barbosa de Melo, Marcelo Rebelo de Sousa, José Luís Nunes, Medeiros Ferreira, Mário Pinto, Francisco Pinto Balsemão, João Bosco Mota Amaral, Alfredo de Sousa, Mário Sottomayor Cardia, entre outros, são nomes que, sem preocupação de ordem e sem pretendermos ser, bem longe disso, exaustivos, e também sem um mínimo menosprezo para ninguém, acodem de forma evidente à nossa memória colectiva, quando reflectimos sobre como foi, apesar de tudo, possível, em menos de um ano, elaborar um texto que, apesar de alguma sobre ideologização, cedo denunciada e hoje praticamente esbatida, continua, ainda hoje, a ser a referência legislativa fundamental.
A democraticidade do seu trabalho afere-se, antes de mais, pelo sucesso do percurso histórico do regime. Não é, evidentemente, da "democracia de sucesso", tão propalada há quatro anos, que falo. É, antes, do sucesso de um regime, nascido do irreversível apodrecimento do Estado Novo e herdeiro de um Portugal em profunda crise no seu próprio âmago, numa dolorosa e traumática fase de transição para a democracia plena, na qual muitas vezes o extremismo foi a regra e o respeito pelos valores democráticos a excepção.
Não nos esquecemos dessa época e, por isso, não esquecemos também o fundamental papel da Assembleia Constituinte e dos seus Deputados no ultrapassar dessa crise nacional.
Com efeito, só a sua democraticidade intrínseca e serena, apesar da vivacidade dos debates e da extrema sensibilidade da época, impediram que Portugal resvalasse para uma previsível e temida guerra civil. Só a serenidade, a firmeza das convicções e a coragem física que os constituintes demonstraram ao longo de um ano, deram a Portugal uma Constituição que, apesar de não ter correspondido, no seu início, a todas as premissas e aos anseios de todos os portugueses, prefigurou um Estado de Direito democrático e possibilitou a pacificação e a normalização da vida portuguesa, bem como a adaptação da nossa sociedade a uma nova realidade política.
Permitiram, por fim - e por isso me refiro e no sentido em que o faço -, o sucesso da nossa democracia, que gradualmente foi derrubando os antagonismos radicais, as trocas de insultos, as vontades de exclusão política, de que, por exemplo, o nosso Partido foi alvo, na Constituinte, dando antes lugar ao debate político, mais ou menos vivo, por vezes exaltado, mas que contém em si o respeito pelo adversário, pela legitimidade da sua presença no espectro político e, mais ainda, pela vontade de que é necessária a existência de adversários políticos - e este é um modo de estar político, que hoje pacificamente se aceita e deseja -, porque, só assim, o verdadeiro poder em democracia se exerce, com uma oposição instituída, reconhecida e respeitada pelo Governo.
Por isso, hoje, todos saudamos a presença dos adversários e nenhum de nós entende que seria melhor que eles não existissem ou que, existindo, fossem excluídos do jogo democrático.
Sr. Presidente, Srs. Constituintes, Srs. Deputados: Se assim é, em muito o devemos a VV. Ex.ªs, que hoje estais aqui presentes.
Mas também, com pelo menos igual importância, porque eram homens e mulheres não treinados nem habituados à vida parlamentar democrática, e que, apenas pela sua formação cívica e dimensão humana, se encontraram, de repente, dentro das quatro paredes deste Palácio de S. Bento e souberam conviver com os seus adversários políticos, aprenderam mutuamente a conhecer-se e a