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24 DE JUNHO DE 1995 3155

Aplausos do PS, do PSD e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Viviam-se tempos em que tudo parecia em aberto, em que tudo parecia possível, em que o pragmatismo - tantas vezes capa que esconde o oportunismo - não ganhara foros de valor primeiro e em que o realismo - argumento de arremesso de tecnocratas conservadores - se não sobrepunha à utopia, que sempre esteve por detrás das transformações que vão no caminho de um mundo melhor.
A distância que nos separa do dia 2 de Junho de 1975 permite que olhemos esses tempos, não diria sem paixão mas com serenidade. Quando a política se despe da paixão para assumir contornos de coutada de especialistas, abrem-se as portas ao divórcio entre os cidadãos e as instituições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição de 1976 foi o compromisso possível entre as várias correntes políticas que, rompidas as comportas, vieram à superfície na sociedade portuguesa.
Por um lado, aqueles que haviam combatido a ditadura em nome da liberdade e para quem a liberdade, sendo sinónimo de cidadania, significa que só a vontade popular, expressa através de instituições democráticas, pode legitimar o exercício do governo; por outro, os que, havendo combatido sem tréguas a ditadura, acreditavam que o futuro seria obra de uma vanguarda e que, na adjectivação da democracia e da liberdade acabavam por pôr em causa a democracia e a liberdade, em nome das quais não haviam poupado sacrifícios; e por outro ainda, os que tinham, no mínimo por omissão, aceite a ditadura e os que, por se terem apercebido até que ponto a intransigência do antigo regime punha em causa os próprios interesses das oligarquias dominantes, haviam apostado numa política de transição.
Não foi por isso um mar de rosas a Constituinte de 1975 e, para aqueles que entendam desajustado afirmá-lo aqui e agora, repetirei apenas que, se recuso a retórica de pompa e circunstância, não se espere de mim que esconda a realidade sob o manto opaco dos cerimoniais de conveniência.
Não foi um mar de rosas a Constituinte de 1975, foi um duro combate desde o primeiro instante. Assegurar o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos no único quadro possível, o de um regime democrático, era para nós o objectivo essencial. Para isso se fizera o 25 do Abril, para isso continuava a lutar a maioria do povo português e os militares que tinham sabido permanecer fiéis ao espírito e ao sentido da revolução dos cravos. Militares a quem quero prestar a minha homenagem e expressar também o meu pesar pela ingratidão com que a Democracia os tem tratado, num escandaloso contraste com a generosidade demonstrada para com os servidores do antigo regime.

Aplausos do PS, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Quiseram os constituintes dar aos direitos e liberdades um conteúdo que lhes retirasse o carácter de privilégio que tantas vezes assumem. Na sua generosidade, acreditavam na bondade dos seus propósitos. tal como acreditavam que a mera inscrição nos textos desses propósitos era a garantia da sua realização. De muitos deles resta apenas o sonho que a realidade desmentiu. Mas ficou o mais importante, a primeira e maior conquista da Assembleia Constituinte: a Democracia. Por essa conquista se poderá dizer dos constituintes que bem mereceram de Portugal e da República e dessa conquista podem, sem falsas modéstias, orgulhar-se.
Lançar as fundações da Democracia foi a grande tarefa da Assembleia Constituinte e o sucesso que alcançou o seu mérito. Agora, exige-se de nós que saibamos aprofundá-la, porque só, tornando-a expressão autêntica da participação dos cidadãos na vida colectiva, a poderemos defender.
Não poucas das soluções então adoptadas foram-no por razões de conjuntura e pela necessidade de contrariar 5O anos de cultura antiparlamentar e antipartidária. A realidade é hoje diferente e há que procurar novos caminhos, em que a cidadania não se limite à escolha daqueles que são supostos representar o povo, na realidade de governar em seu nome.
Não é mais possível ignorar que o sistema democrático, tal como se foi afirmando, conduziu a um afastamento crescente entre cidadãos e instituições. Os fenómenos de exclusão social, a xenofobia, a insegurança no emprego, os horizontes que se estreitam para a grande maioria dos jovens e os nacionalismos exacerbados são o reverso de um processo de desenvolvimento, em que o sucesso individual foi promovido ao primeiro plano e em que a proclamação dos direitos do indivíduo esconde, com frequência, a negação dos direitos do cidadão.
Falar de crise das instituições democráticas tornou-se um lugar comum, quase diria uma moda. Mas, como em tudo, há que separar o trigo do joio, distinguir aqueles que, reconhecendo o muito de verdade que existe nessa afirmação, buscam respostas que assegurem a sobrevivência da Democracia e os que, arautos da crise, nela depositam a esperança no retorno a um regime autoritário.
A crise da democracia representativa é um problema real, mas o regime democrático continua a ser o único capaz de assegurar os valores da cidadania.
Não se trata por isso de recusar a democracia, mas de a aprofundar pela participação quotidiana dos cidadãos. Só que essa participação não se alcança por decreto, exige uma reforma profunda do sistema, que não se confunde com operações de cosmética, intervenções pontuais e desarticuladas, que se assemelham ao desespero de querer mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.
Não é a reforma do sistema eleitoral desacompanhada de uma reforma da instituição parlamentar que conduzirá a uma maior aproximação entre representantes e representados. Do mesmo modo que, nem uma nem outra podem ignorar as opções que vierem a ser tomadas no domínio da descentralização, instrumento privilegiado de participação quando o princípio da subsidariedade seja aplicado nos sucessivos níveis da intervenção política. Assim como não haverá verdadeira participação sem uma informação não manipulada por grupos de interesses político-económicos ou sem uma profunda reforma da Administração Pública, indissociável do conhecimento concreto do seu funcionamento por parte dos cidadãos e da autonomia responsável dos seus agentes.
Também só a renovação dos Partidos lhes permitirá desempenhar o papel de formação e mediação da vontade popular, que deverá ser o seu. E, diga-se ainda, do muito que haveria para dizer, que não é a redefinição avulsa do estatuto dos titulares de cargos políticos e dos partidos, feita a um ritmo marcado, não pelas exigências do debate sério que a complexidade dos problemas impõe