24 DE JUNHO DE 1995 3157
toriadores tinham mostrado que, entre nós, o Estado precedeu e até de algum modo criou a Nação, à qual impôs forte comando central e rígida hierarquia, justificados, primeiro, pela reconquista e, depois, pelos descobrimentos. A própria homogeneidade do Estado Nação para isso contribuiu, pois como bem nota Vasco Pulido Valente, ela não deparou com obstáculos étnicos, linguísticos, religiosos ou nacionais susceptíveis de enfraquecer a sua coerência interna, porque a ausência de vincadas diferenciações estruturais na sociedade civil impediu que nela se gerassem resistências significativas e que ela conseguisse muita autonomia perante o Estado.
O Estado devia para nós, sociais-democratas, estar ao serviço da pessoa, ou seja, das liberdades em relação. Não do indivíduo desencarnado, mas do ser que o homem a si próprio se vai dando no viver em relação com os outros. A pessoa existe antes do Estado e para além dele, a sua liberdade e os seus direitos não se esgotam no que este determina, exige a limitação do âmbito da acção do poder político e o respeito pela área do não deliberável, na feliz expressão de Helmut Schmidt.
Procurámos consagrar o que era permanente na realidade portuguesa, defendemos que o legislador constituinte deve ter presentes os valores que são a expressão da identidade de cada povo. Uma Constituição só é boa quando procura consagrar os valores e individualidade própria de cada Nação. Como sublinhava já Paulo VI, em 1967, "rico ou pobre, cada povo possui uma civilização recebida dos antepassados, instituições exigidas para a sua vida terrena e manifestações superiores da vida de espírito. Grande erro seria sacrificar estas àquelas. Um povo que nisso consentisse perderia o melhor de si mesmo, sacrificaria, julgando encontrar vida, a razão da própria vida".
15to não contraria a necessidade da gradual integração de novos valores, que enriqueçam os anteriormente adquiridos.
Consagrando a dignidade da pessoa humana como valor fundamental em que se baseia a República, a Constituição rejeitou os modelos transpersonalistas e reafirmou o primado que herdámos das matrizes do nosso humanismo: o Cristianismo; a civilização greco-romana, as liberdades e os direitos cívicos oriundos da Revolução Francesa, a exigência de justiça social que brotou dos movimentos dos trabalhadores no século XIX.
Mas consagrámos também o valor essencial da paz. Talvez não tivéssemos na altura presente a magistral oração de António Vieira, mas sabíamos que a guerra é o pior dos males. Não esquecerei ainda a liberdade, a solidariedade, os direitos humanos, políticos, sociais e culturais, até alguns embriões dos novos direitos de que agora se fala.
Lembrarei ainda, claro está, a autonomia das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, preconizada fortemente, diria quase exclusivamente, pelo PPD - quantos ataques isso nos valeu na altura - sem esquecer o apoio de algumas outras personalidades, a qual se revelou uma solução feliz para as aspirações e a realidade peculiar dos açorianos e madeirenses.
Aplausos do PSD.
De 1976 para cá, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em coerência com os novos princípios, fomos os primeiros a defender o fim do período de transição, pedindo uma revisão constitucional não condicionada. Queríamos o fim de um modelo económico dito socialista, datado, da irreversibilidade das nacionalizações, da intocabilidade dos limites materiais da revisão, dos monopólios do Estado, incluindo no ensino e na comunicação social. Ao contrário de outros, que tudo quiseram protelar ou mesmo evitar - recordo só como foi difícil a abertura da rádio e da televisão à iniciativa privada - nós antecipámo-nos, não andámos a reboque das modas estrangeiras, não agimos debaixo da pressão dos acontecimentos ou porque a participação em organizações europeias assim o exigia.
O PSD tem sabido que a política é a antecipação dos problemas e das soluções e congratula-se que outros, ainda que tarde, o venham a acompanhar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi também a fidelidade a princípios e a valores que, enterrados os anos 7O, nos permitiram ultrapassar os mitos dos anos 8O. Se Jurgen Habermas criticou a ciência e a técnica como ideologia, nós fizemo-lo defendendo que nem tudo o que é eficaz é bom.
Não seguimos os mitos ultra liberais de raiz anglo-saxónica, não acreditámos no pretenso "fim da História" e no pretenso "triunfo esmagador das ideologias neo-liberais".
Mas também a década de 9O nos apresenta novos problemas e desafios: a aceleração das descobertas científicas que tocam já hoje nas fontes da própria vida, exige a definição e protecção dos bio-direitos. A manutenção entre nós dos nossos cientistas e dos nossos criadores é vital para a nossa criatividade; são eles os descobridores de hoje, são eles os sucessores de Henrique o Navegador e de Vasco da Gama.
A interdependência e a mundialização das comunicações exigem resposta adequada que ultrapasse a nova tentação do proteccionismo que nada resolve, nos afasta dos desafios da megaciência e da competitividade e não permite, sequer, a luta contra o poderoso crime internacional organizado.
Os novos problemas ambientais, urbanos e suburbanos, a toxicodependência, a solidão, estão aí a desafiar-nos. Mas devido a uma nova lógica - a mediática - já não se julga que é bom o que é eficaz; agora, parece julgar-se que é bom o que passa bem nos media. Importa menos para esta lógica a realização dos problemas em si do que o chamado efeito de anúncio. Daqui resulta, obviamente, a sobrevalorização das questões instantâneas, das questões instrumentais, da luta pelo poder ou pela fama, e daqui resulta, em contraponto, também a necessidade de aproximar os eleitores dos eleitos e a própria reflexão sobre o papel do mandato representativo no futuro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é tempo de concluir. Foi decisivo o contributo dos parlamentares sociais-democratas e dos seus Governos para o desenvolvimento progressivo de Portugal. Há que dar agora resposta aos novos problemas, sabendo que toda a evolução traz novos problemas e que, ao contrário do que por vezes parece pretender-se, não há sociedades perfeitas e sem problemas. Há que dar, à luz dos valores hoje consagrados, resposta a esses novos problemas, seguindo o exemplo e o esforço dos Constituintes e dos que se lhes seguiram nas sucessivas revisões constitucionais. Com António Sérgio, viramo-nos para os jovens, procurando os caminhos de uma educação cívica e uma pedagogia do esforço. Não pensem, caros amigos que porventura me ouçam, que os direitos da pessoa (a paz, a liberdade, a democracia, o desenvolvimento, o bem-estar) são conquistas irreversíveis e garantidas. É preciso um esforço de todos em cada dia para os preservar, manter e desenvolver.
Abrimos os braços àqueles que vieram talvez um pouco mais tarde acolher-se aos valores que hoje vimos aqui partilhados por todos (e ainda bem); julgámos, sem falsas