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3598 I SÉRIE - NÚMERO 98

Sr. Deputado. Faz parte da vida das pessoas, dos homens e dos povos, e essas pinceladas de utopia, se o forem, só enobrecem quem, em 1976, elaborou a Constituição da República, que hoje continua, no essencial, a ser a mesma,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E que vai continuar a ser a partir de hoje, compreendamo-nos sobre isto.
O Sr. Deputado falou na questão dos grupos económicos. Como o Sr. Deputado sabe, os grupos económicos não se realizam por decreto nem num momento qualquer, e nós, pelo menos por isso, não chegámos tarde à economia de mercado, já estamos nela há bastante tempo. Gostaria que reflectisse que a economia de mercado e os grupos económicos criam-se na sociedade e que a Constituição deve reflectir o tempo em que é feita, o tempo em que existe. E há 20 anos, como há 10 anos, o nosso sistema financeiro não era o que é hoje, a liberdade financeira que existe hoje não existia, o que era uma condicionante real, pelo que foi preciso criar essa liberdade financeira que hoje existe. A própria área comercial, a comercialização e o sistema comercial, a distribuição pelo país, era corporativa no essencial, e a transição tem sido bem difícil, como o Sr. Deputado sabe. Até porque, como o seu próprio partido reflecte de maneiras diversas quase todos os dias, toda essa transição, a sua raiz corporativa, como, aliás, o país em geral e a sociedade, não se podia fazer por decreto de um dia para o outro. Mas, mais, não era só na Constituição que isto não se poderia realizar de um dia para o outro; apesar da pressa e da ambição que reconheço a Sá Carneiro, ele não teria possibilidade de realizar esta transição. O mesmo não se diria, todavia, do cavaquismo, que poderia ter realizado uma economia de mercado e contribuído bem melhor para a criação dos grupos empresariais, que o senhor defendeu, do que o fez. Bastaria referir a questão das privatizações.
As privatizações verdadeiramente, na fase cavaquista, foram lentas, não contribuíram para o objectivo essencial de criação de grupos económicos de raiz nacional. Enfim, foram lentas. criaram confusões e descrédito na actividade económica, que o senhor conhece bem.
Dito isto, não quero dizer que a Constituição não precise, porque precisa, de grandes ajustamentos, e referiria, por exemplo, o artigo 87.º da Constituição vigente para justificar muitas das mutações que agora se realizam, porque penso que é necessário fazê-lo. Assim, chamo a vossa atenção para a redacção ainda vigente do n.º 1 do artigo 87.º, relativamente ao qual podemos dizer que é do domínio da psicologia na medida em que o primeiro objectivo no que toca às empresas privadas era o de que o Estado fiscalizasse o respeito da Constituição e da lei e, mais ainda, o de que o Estado "(...) protege as pequenas e médias empresas economicamente viáveis" - é sintomática esta ideia de que o Estado "protege". De alguma maneira, esta ideia sugere que as pequenas e médias empresas são por tendência economicamente inviáveis. Há coisas destas na Constituição que era necessário alterar e estão a sê-lo agora, com ponderação.
No que diz respeito a este artigo 87.º, n.º 1, "O Estado incentiva a actividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas, e fiscaliza o cumprimento das respectivas obrigações legais, em especial por parte das empresas que prossigam actividades de interesse económico geral." Eis, Sr. Presidente, Srs. Deputados, um aggiornamento de um parágrafo da Constituição que não invalida que, adaptando-se à realidade do nosso tempo, continue a ser progressista no sentido exacto em que também antevê algo dos tempos futuros.
Uma outra breve reflexão que gostaria de fazer quanto a estas matérias tem a ver com o sistema de planeamento.
Infelizmente, do meu ponto de vista - reconheço que, nesta matéria, sou claramente minoritário, não só nesta sede mas talvez também na sociedade -, reconheço que a relação dos portugueses e do País com o planeamento não é uma relação feliz nem nunca foi ou, melhor, talvez tenha sido mas pelas razões erradas. Não é uma relação feliz por razões essencialmente culturais. Antes de mais, o planeamento dá trabalho, nós temos tendência para fazer as coisas por amor, que é como quem diz sermos amadores nas coisas, raramente por profissionalismo. Por outro lado, temos a cultura da improvisação, gostamos de improvisar, gostamos de chegar tarde aos problemas, de decidir na última hora, às vezes de não fazer o "trabalho de casa", às vezes de "desenrascar". Como tal, tudo isto não favorece esse esforço metodológico e profissional de prever o futuro.
É que, no fundo, o planeamento é, antes de mais, a tentativa sempre difícil de antecipar e prever o futuro. É um acto de, colectivamente, perscrutar as evoluções económicas, sociais, culturais, societárias e tentar ver como é que um país, uma sociedade, uma empresa pode adaptar-se mais rapidamente do que os outros a esse futuro e fazer planos. É evidente que esses planos não têm de ser autoritários, não têm de impor-se, não têm de ser quinquenais, etc.
Claro que reconheço que os planos quinquenais se descredibilizaram por razões de ordem vária, mas gostaria de fazer uma referência aos planos de fomento que existiam em Portugal antes do 25 de Abril.
Hoje em dia, em Portugal, verifica-se muito o hábito de condenar tudo o que existia antes do 25 Abril. Pela minha parte, infelizmente, só após o 25 de Abril é que descobri que nem tudo era condenável. O que estava mal era o regime mas havia algumas coisas que eram bem feitas. Ora, os planos de fomento do regime anterior, que puseram a trabalhar pessoas de grande capacidade intelectual e de grande inteligência, levaram à prática e à concretização de muitas coisas que. na época, foram muito úteis.
Portanto, não desdenharia planear um pouco mais, até porque, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a ausência de planos, a ausência de perscrutação do futuro, a ausência de ideias claras sobre o que se quer conduz à arbitrariedade, conduz a que, depois, os agentes do Estado possam decidir quase sempre de qualquer maneira. Esta incapacidade de tentar prever o futuro conduz ainda a que, como país, mas, às vezes, também no caso clãs empresas, acabemos por estar no sítio errado no momento errado, ou seja, em vez de se antecipar o futuro vai-se atrás desse futuro, é-se arrastado pelos acontecimentos muito mais do