O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1170 I SÉRIE-NÚMERO 36

Mas, se forem além dos 10 minutos, o excesso será descontado no tempo global.
Os Srs. Deputados Eurico Figueiredo e António Braga propuseram dividir entre os dois os 10 minutos de que dispõem, tendo obtido assentimento de todos os grupos parlamentares nesse sentido.
Como se trata de um agendamento potestativo do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra, para apresentar o respectivo projecto de lei, de que é um dos autores, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao renovar, nesta Câmara, a apresentação do projecto de lei, originário da Juventude Socialista, de alteração da legislação reguladora da interrupção voluntária da gravidez, a bancada parlamentar do Partido
Socialista, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe concede, legitimada pelo mandato democrático dos seus Deputados, não foge a assumir perante o País as suas responsabilidades.
Ao fim de 14 anos de vigência da actual legislação, não nos furtamos à avaliação das suas consequências humanas e sociais no confronto com a realidade.
E por muito incómoda que seja a brutalidade dos factos, a ninguém, e muito menos ao legislador, é consentido virar as costas à realidade.
E esta realidade de que falamos é uma realidade silenciosa: é a realidade do aborto clandestino, vivido no risco, na humilhação, na solidão e no silêncio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O nosso propósito, neste debate, é claro e frontal: queremos alterar a lei em vigor, vencendo a hipocrisia que a sustenta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Somos contra a hipocrisia, porque não viramos a cara às 11 000 mulheres que, todos os anos, dão entrada nas urgências dos hospitais públicos com complicações decorrentes do aborto clandestino.
Somos contra a hipocrisia, porque não viramos a cara às centenas de milhar de abortos ilegais realizados, desde 1984, em vãos de escada, enquanto, nos hospitais, nem 100 interrupções por ano se chegam a realizar, nos termos da lei.
Somos contra a hipocrisia, porque a esses milhares de abortos correspondem, em média, seis condenações por ano nos tribunais desde 1985.
É preciso dizê-lo, com clareza, tantas vezes quantas forem precisas: a lei em vigor apazigua as consciências, numa sociedade em que olhamos para baixo para não assistir, ao drama do vizinho, mas pela vida, pelo direito à vida, esta lei não fez nada em 14 anos de vigência.
Quando verdadeiros ditadores das consciências, donos da verdade e da moral, presuntivos guardiões da vida, se agarram à legislação em vigor contra qualquer alteração, invocando demagogicamente o direito à vida, não estão só a defender uma mão cheia de nada, estão também, de forma gratuita, a perpetuar culposamente a tragédia humana do aborto clandestino.
Trata-se, afinal, de guardiões não da vida mas da hipocrisia. Defendem a actual lei com o mesmo sectarismo com que a atacaram em 1984 e recusam a evidência de que a incriminação total da interrupção da gravidez, se não serviu minimamente para dissuadir a prática do aborto, já tem servido para provocar a morte ou, em qualquer caso, um penoso e gratuito sacrifício físico, psíquico e humano a milhares de mulheres portuguesas, vítimas da sordidez do aborto clandestino.
Em tantos anos de aborto na clandestinidade e de sofrimento humano evitável, nunca se fizeram ouvir quaisquer movimentos «Juntos pelo Planeamento Familiar», ou «Juntos pela Educação Sexual».

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - É mentira!

O Orador: - Ninguém, nesta Assembleia, defende a prática do aborto, como alguns querem fazer crer. O aborto é um drama humano e social, do qual todos somos adversários. Mas combatê-lo com a lei penal é um exercício inútil e um erro que pagamos caro na proliferação do aborto clandestino.
Percebêmo-lo, como antes de nós o perceberam sociedades que partilham connosco a mesma matriz civilizacional e a quem não podemos ter a pretensão de dar lições de direitos humanos. Retiro-me, nomeadamente, à França, ao Reino Unido, à Alemanha, à Bélgica, à Dinamarca, à Holanda, à Itália ou aos Estados Unidos, que não têm, com certeza, menor apreço pelo direito à vida que nós, portugueses.
As mulheres que viveram a tragédia do aborto não são homicidas, quer para o Direito, quer para a nossa consciência social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Merecem a compreensão, o respeito e a tolerância de uma sociedade livre, em que não é legítimo a uns, maioritários ou minoritários, servirem-se da lei para imporem aos outros as suas concepções morais, perseguindo, criminalizando e empurrando para a marginalidade quem pensa de modo diverso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pensa de modo diverso quem confia na mulher e na sua consciência; quem rejeita a inquisição das escolhas difíceis de homens e mulheres, inseridos na realidade concreta das suas vidas; quem reconheça nas outras sociedades evoluídas, da Europa e do mundo, as soluções conformes ao legado humanista que nos é comum.
Todos estamos cientes de que o aborto é um acto desesperado, uma violência que a mulher comete sobre si própria e de que é a principal vítima. Não nos compete a nós julgá-la e à sua consciência. S6 a ela compete a decisão - sempre dramática -, que, em qualquer caso, não deixará de tomar, pesadas as suas convicções éticas, filosóficas e religiosas e inserida nas circunstâncias particulares da sua vida.
Dentro de limites legais impostos em nome de um justo equilíbrio com a protecção da vida intra-uterina, importa devolver à mulher a decisão que, no nosso país, a lei penal lhe confiscou.
Façamo-lo em nome do seu direito à saúde, à integridade moral, à dignidade social e a uma maternidade consciente e responsável.