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1600 I SÉRIE-NÚMERO 47

altamente qualificadas, técnica e cientificamente, provenientes das mais diversas correntes de opinião e numa área onde, felizmente, a diversidade de opiniões impera.
O resultado do grupo de trabalho criado por este Governo originou logo um mar de críticas, das mais diversas correntes de opinião, de organizações profissionais e científicas e de defesa dos doentes mentais...
Dois anos passados, o Governo apresenta a esta Assembleia essa reformulação do sector e a respectiva revisão da legislação, sob a forma de uma proposta lei, a que chama de lei de saúde mental e que devia ser, naturalmente, o ponto de chegada de todo este trabalho de anos.
Mas, infelizmente, a proposta do Governo pouco tem a, ver com a saúde mental, limitando-se a propor legislação sobre o internamento compulsivo.
Sobre a política de saúde mental e organização dos serviços, limita-se a criar um conselho nacional de saúde mental, cujas competências, funcionamento e composição são remetidos para diploma próprio, e a afirmar, no seu artigo 47.º, que a organização dos serviços, também ela, será regulada por decreto-lei.
No entanto, apesar de nada mudar quanto à estrutura e funcionamento dos serviços e da política, revoga expressamente a anterior Lei de Saúde Mental.
Uma lei com cinco artigos muito gerais sobre política de saúde mental e 39 artigos sobre internamento compulsivo não é decerto uma lei de saúde mental.
Estranhamente, embora a proposta seja intitulada como proveniente da área da saúde, em que o primado de toda a acção se deve centrar no cidadão, na manutenção da sua saúde e no tratamento da sua doença, o que sobressai,. no articulado desta proposta, é a judicialização do internamento compulsivo e não a facilitação essencial do tratamento compulsivo como necessidade para o próprio doente.
Não responde a questões tão triviais como estas: qual o enquadramento das relações com os serviços prisionais, os inimputáveis? Qual o enquadramento e relação com a segurança social e a reinserção social? Qual o enquadramento e os apoios financeiros das instituições privad9s de solidariedade social, das ordens hospitaleiras, que são essenciais nos cuidados de saúde continuados a nível da saúde mental? Qual a relação da saúde mental com o combate à toxicodependência e ao alcoolismo? Isto, aliás, na sequência daquilo que o Ministro José Sócrates tem' dito sobre a necessidade de uma maior participação da psiquiatria exactamente nesta área. Qual a política de comparticipação dos medicamentos e a respectiva dispensa às pessoas em tratamento crónico? Qual o papel do Estado na avaliação e na fiscalização?
Sobre estas e outras questões a proposta diz nada, ignora-as, pura e simplesmente.
Uma verdadeira lei de saúde mental devia destinar-se a regular a melhor forma possível de tratar doentes gravemente afectados e que não são capazes de decidir da necessidade de se tratarem, mas esta apenas se preocupa com a defesa dos direitos jurídicos do doente e corra a protecção da sociedade em relação à sua possível agressividade. É evidente que os direitos jurídicos são importantes, mas as doenças das pessoas são para nós igualmente importantes.
E tudo isto é feito com nítido prejuízo de uma visão médica desmistificada do doente mental e da necessidade da imposição de uma terapêutica a quem não está em condições de decidir.

Não venha o Governo ou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dizer que a resposta a estas questões está prevista na legislação regulamentar, que o Governo, em breve, aprovará, e na Lei de Bases da Saúde.
A questão da saúde mental é muito séria e complexa e necessita de lei autónoma que a regule, enquadre e fiscalize.
E se existem esses projectos de decretos-lei, onde tudo está previsto, por que não foram . enviados para a Assembleia da República? Teriam decerto muito mais utilidade que a dúzia de projectos de decretos-lei sobre outras matérias e respectivas versões várias, enviados pelo Ministério e que estão preguiçosamente repousando nas gavetas do Ministério da Saúde.
Faltam também nesta proposta medidas que criem órgãos de actuação rápida e controlada, que possam decidir, na hora, um internamento compulsivo de urgência, fundamentado num parecer médico, e que respondam à angústia actual de não estar definido quem assume a responsabilidade de resolver uma emergência causada por um doente em perigosa agitação delirante.
Falta, em suma, a esta proposta, uma visão humanizada que concilie a urgência assistencial com o necessário controlo judicial, que garanta a protecção jurídica do doente e que nos garanta que o parecer médico é vinculativo. Se houver dúvidas nesse parecer, pedir-se-á outro... Para nós, é fundamental o papel do juiz no Estado de direito; nem sequer admitimos qualquer tipo de insinuações que não vão nesse sentido.
Mas não confundamos as coisas: uma lei que devia enfatizar o tratamento e a reinserção social, enfatiza o trabalho dos tribunais; uma lei que deveria ter como preocupação não o internamento compulsivo mas, sim, o tratamento compulsivo.
Uma breve observação quanto ao termo, talvez politicamente correcto, de «cidadão portador de deficiência mental». Apesar de deixar as questões jurídicas .para companheiros meus de bancada, mais habilitados que eu nessas matérias e, com certeza, também o; Sr. Ministro, dada a, sua experiência, a importação do termo do Código Penal, do seu artigo 138.º, e como o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 21 de Julho de 1983 atesta «A expressão portador de anomalia psíquica, abrange não só as deficiências de intelecto, de entendimento ou discernimento, como as deficiências da vontade e da própria afectividade ou sensibilidade (...)».
«Portadores de anomalia psíquica» é uma realidade mais ampla que «doentes mentais», estando aí incluídas as anomalias genéticas, hereditárias, etc. Não quero sequer, nem por graça, dizer que haveria até a possibilidade de este internamento compulsivo poder ser direccionado exactamente para essas pessoas.
A contribuição do Governo para este debate tem sido muito limitada; durante todo este tempo e sobre esta matéria, o silêncio tem sido ensurdecedor. Tão pródigo em anúncios, alguns deles aéreos, anunciando centenas de milhões de contos para a construção de hospitais no papel, estudos, conferência e campanhas de imprensa, grupos de trabalho, conselhos de reflexão, mas sobre a saúde
mental nada disse.
Havendo a noção que trabalhar seriamente nesta área obrigaria à tomada de decisões e a estabelecer prioridades - e como provavelmente isso não iria contribuir para a manutenção das quotas de popularidade da Sr.ª Ministra da Saúde -, nada ouvimos em resposta ao mande críticas que, um pouco por todo o lado, se tem vindo a ou-